NOVEMBRO DE COLORIDOS SUTIS


 O mês de novembro está aí, cheio de promessas, olha só. Dia 15, a população vai exercitar seu dever cívico em eleições municipais, escolhendo novos políticos para um velho sistema e tudo continuar na mesmice de sempre. Dia 27 é a vez da celebração do Dia do Consumismo, também chamado Black Friday ou Black Fraude. Meus dedos já coçam com vontade de gastar e, consequentemente, ser feliz.

Este mês também é chamado “Novembro Azul”, com campanhas de prevenção do câncer de próstata espocando através dos veículos de comunicação.

Sendo assim, nada mais natural do que recorrer ao tema em dose dupla, antecipando minha Black Fraude. O primeiro texto analisa uma visita ao urologista do ponto de vista filosófico, mostrando como na vida tudo é relativo. Já o segundo texto tal visita é analisada do ponto de vista da Física. Creio estar apresentando uma ótima sugestão para os representantes do sexo masculino não se intimidarem com o toque retal. Através de uma técnica simples, eles vão passar pela experiência sorrindo, na mais pura abstração.

TUDO É RELATIVO, ATÉ O PRONOME RELATIVO

Hoje estou vivenciando uma situação que mostra a relatividade das coisas. Palavras mal ditas podem tornar um momento maldito, enquanto que, em outras circunstâncias, essas mesmas palavras podem ser aceitáveis.

Será isso que estaria querendo dizer Einstein com sua famosa Teoria da Relatividade? Se for, estarei fazendo fenomenal descoberta, ainda que ao cruzar o Cabo das Tormentas! Se não, caso o tema exija cálculos e teorias da Física, sendo assim, deixa pra lá, que já não disponho de neurônios suficientes para tais elucubrações.

Do que foi dito, depreende-se a necessidade de que tudo na vida deva ser contextualizado.

Exemplos:

Na Idade Média, era sinal de devoção a Deus uma pessoa ficar sem tomar banho, coberta de sujeira. Chegava às raias da santidade ser infestada por piolhos.

Ser comedido às refeições é sinal de boa educação? Depende. Os chineses são extremamente barulhentos, arrotando à mesa. Para eles, isso é uma forma de demonstrar que a comida está boa.

O povo iraniano é conhecido por sua gentileza, e ela tem um nome (taarof). Por isso, em alguns estabelecimentos, acontece dos lojistas recusarem o pagamento de um cliente. Mas que os brasileiros tomem cuidado quando forem ao Irã: isso não quer dizer que devem deixar de pagar a conta...

No Tibete, se um velhinho cumprimentar você mostrando a língua, não leve a mal. Uma crença diz que o diabo tem a língua azul; o velhinho só quer lhe mostrar que é uma pessoa de bem.

Tudo é vaidade, dizia o Eclesiastes. Tudo é relativo, digo eu.

Vejam vocês um caso que, em outra circunstância, provocaria a minha maior indignação, com o risco de levá-lo às últimas consequências. Estou me preparando para uma consulta médica com um urologista. Você pode, agora, e tão somente agora, falar para mim: “Vai tomar no ***. Dentro do contexto, eu não me sentirei ofendido.

SER OU NÃO SER JÁ NÃO É MAIS A QUESTÃO

Um pensador da Antiguidade, para quem eu nutria certa dose de consideração e respeito, dizia que o ser é e o não ser não é, que um não pode – sob nenhuma hipótese – ser o outro. Dia desses, um fato banal veio jogar por terra tão alta construção metafísica.

Estava eu no ponto de ônibus, aguardando esse transporte coletivo e socializante para me deslocar até um consultório médico-urológico. Para desviar meus pensamentos do triste fim que me aguardava, procurei algo que tomasse minha atenção. Em um poste ao lado do ponto havia um aviso de:

Fui ler o que estava escrito e fiquei sabendo que três garotas deixavam seus telefones de contato para quem soubesse notícia de uma cadela da raça Shih Tzu, de coloração branca e preta, com três lacinhos - vermelhos com bolas pretas - amarrados na cabeça. O anúncio estampava, também, um retrato daquele animalzinho de estimação.

Durante muito tempo, fiquei pensando naquelas garotas, imaginando a ansiedade com que procuravam a cadela, que atendia pelo nome de Suzy. Achei aquele gesto bonito, fiquei torcendo para que fossem bem sucedidas na procura e que a história tivesse um final feliz.

Enquanto digeria lentamente essas considerações (para não pensar naquela outra coisa), comecei a vislumbrar um pensamento diferente, de igual intensidade e de sentido oposto. Considerei que aquelas garotas agiam de maneira errada, estampando em postes aquele tipo de anúncio, já que ali não é local apropriado para esse tipo de coisa. Imagina se todas as pessoas inventarem de colocar anúncios em postes!

Considero que, se tem algo de bom acontecendo nas cidades brasileiras, esse bom é justamente a recuperação da dignidade dos postes. Tempos atrás, era ali que cartazes se sobrepunham, em disputa acirrada, notadamente por políticos em véspera de eleição (agora, por exemplo, eles estariam sendo disputados a tapas). Novas legislações foram criadas, punindo com multa os infratores. Entre os teimosos e sobreviventes, visualizo somente um ou outro anúncio de videntes e cartomantes, que devem estar “matando cachorro a grito”, prometendo mundos e fundos: livrar a pessoa de olho gordo, trazer de volta a pessoa amada, ter sucesso nos negócios, tudo a troco de uma simples consulta.

Falando em cachorro, vejo que eles se constituem também uma ameaça à integridade física dos postes. Pensando nisso, vou tentar convencer um conhecido candidato à vereança nestas eleições, a apresentar um projeto de instalação de sanitários para cachorros em parques e jardins. Os proprietários de cães estão mal-acostumados com a higiene pública. Ontem mesmo um técnico, que veio fazer um serviço em minha residência, dizia, tomado de orgulho, que, assim que chega em casa do serviço, tem que levar seu cachorrinho de estimação para um passeio na rua, onde ele faz suas necessidades fisiológicas. Duvideodó que esse senhor se dê ao trabalho de levar consigo uma pazinha e um saco plástico, para recolher os possíveis dejetos sólidos ou pastosos despejados em via pública pelo seu amiguinho de coração!

Associei os postes aos cachorros e, agora, vejo que os cachorros se ligam aos políticos que, por sua vez, estão engavetados, tal como numa situação de trânsito, aos juízes do STJ.  Esses juízes, vira e mexe, inventam ou trazem à tona novos termos para serem incorporados ao nosso vocabulário. Não sei por quê, estou me lembrando da Teoria do Domínio do Fato, quando da Ação Penal 470, afetuosamente apelidada de Mensalão.  Depois, inventaram um tal de Embargo Infringente, que vem a ser um recurso impetrado pelo acusado, quando não há unanimidade no julgamento de apelação. Tal embargo nos mostrou que uma coisa não só pode ser outra coisa, como também pode ser várias outras. Assim, ele pode se desdobrar em Embargo Absorvente, Solvente, Emoliente, Detergente, Repelente. Agora, a discussão é sobre prisão preventiva e condenação em segunda instância. A continuar desse jeito, todos os brasileiros irão se tornar bacharéis em Direito.

Quando penso nisso tudo que anda acontecendo no país, fico cada vez mais convencido de que a nossa Justiça até pode ter seus olhos vedados, mas que tem um olfato apuradíssimo, isso tem, principalmente quando existe cheiro de dinheiro circulando no ar. Depois, parece, nossa legislação apresenta mais furos que as lonas de circos que frequentavam minha cidade natal.

Estava pensando nos desdobramentos de tais considerações, quando me vi ajeitando a calça e me despedindo do médico urologista. Também parece que o exame transcorreu normalmente, mas nem me dei conta, com o pensamento voltado para Suzy, os postes, os cachorros, os políticos e juízes. De maneira intuitiva, entrei naquele estado que os iogues chamam de Alfa. Acabei usando um princípio da Física, que diz não ser possível dois objetos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo: pensando numa coisa, deixei o constrangimento de ter o pensamento voltado para outra, desagradável e dolorosa.

Aproveito a ocasião para lhe repassar esse aplicativo gratuito, útil em várias situações de vida, quando você poderá fingir que está, não estando; estando em outra, deixará de estar naquela em que não quer estar.

Etelvaldo Vieira de Melo

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