DIRETO DO TÚNEL DO TEMPO

 

Acabo de assistir a um filme de ficção científica onde uma moça, a cada 9 anos, viaja no tempo indo para o passado, em missão de 1 dia. Por exemplo, estando em 2021, ela viaja primeiro para 2012; num segundo momento, para 2003; depois, para 1994, e assim sucessivamente, até completar a missão. Nessa viagem no tempo, ele vai eliminando pessoas que, no futuro, certamente iriam provocar uma catástrofe. Na história, ela encontra um detetive que a persegue e que é, na verdade, seu avô. Muito interessante.

O filme me fez pensar, querendo também voltar no tempo. Penso que as coisas andam muito estranhas no Brasil, tenho medo de que elas podem ter desdobramentos que irão levar a confrontos de mais violência, mortes e até de golpe militar. Esse medo me persegue desde as eleições de 2018.

Luís Câmara Cascudo disse que o Brasil não tem problemas, só soluções adiadas. Essas soluções adiadas são como tiriricas que brotam e vão se alastrando (quem tem um jardim em casa sabe o que estou dizendo). Meu medo é que chegue o dia em que não vai mais haver jeito de cortá-las.

E tudo seria mais fácil se a providência tivesse sido tomada no tempo certo. Veja você: agora mesmo, estamos assistindo à prisão espalhafatosa de um pretenso político que, absurdamente, usa da liberdade de expressão para acabar com ela; usa das prerrogativas da democracia para destruir a democracia, quando propaga o fechamento do Supremo Tribunal e a volta do AI-5. Esse mentecapto, quando policial, teve 60 sanções disciplinares, muitas delas passíveis de expulsão. Mas seus superiores foram protelando a decisão, até que ele foi eleito deputado federal. Se tivesse sido expulso no tempo certo, incorreria na Lei da Ficha Limpa e nem poderia se candidatar.

Outro exemplo de decisão adiada. O ministro Edson Fachin está estrilando porque o General Villas Bôas escreveu um livro, onde descreve a intimidação que provocou no Supremo Tribunal em 2018, com ameaça de intervenção, caso a maioria da Corte decidisse conceder habeas corpus preventivo para evitar a prisão de Lula, o que estaria de acordo com a Constituição e o Código de Processo Penal. O general era comandante do Exército na época. Fachin, aprenda esta lição: “Depois que a procissão passa, não adianta tirar o chapéu”. Se os magistrados tivessem dado um basta àquele intervencionismo, a História não teria os desdobramentos que teve. (Para registro, votaram contra o habeas corpus: Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber; a favor: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Quem quiser se inteirar da votação, para ver se alguém se acovardou, é bom consultar a Internet. São interessantes os pronunciamentos de Fachin e Gilmar Mendes.)

Se eu pudesse voltar no tempo e tivesse como interferir no curso da História recente do país, iria matar no nascedouro aquela operação chamada Lava Jato. É nela que está origem de quase tudo de ruim que acontece no Brasil hoje.

Sei que algumas pessoas irão torcer o nariz ao lerem isso, mas eu explico com paciência as razões que tornam a LJ um mal:

1 – A LJ defendeu e usou do princípio de que “os fins justificam os meios”. Só isso já tornaria a LJ um mal irreparável, pois, ao agir assim, ela atropelou a Constituição, burlando as leis. Ora, não se pode fazer justiça sem cumprir a lei. Ao se levar por achismos e “fortes convicções”, menosprezou as provas objetivas para condenar. É daí que vem o descrédito para com os Poderes, a Justiça e a Lei no país.

2 – Ao fazer uso do mecanismo das “delações premiadas”, ela achincalhou as relações humanas (resgatando a figura do alcaguete, do “dedo-duro”, do traidor), além de reforçar a máxima de que o crime compensa, favorecendo bandidos e canalhas. 

3 – Ao fazer vazamentos seletivos, incitou as manifestações de rua, onde despontou uma direita raivosa, com lastros fascistas, psicopatas e ditatoriais. É ela que está aí agora, querendo dar as cartas com suas fake news, seus berros pedindo fechamento do Congresso, do Supremo, volta do AI-5 e armamento das que são chamadas “pessoas de bem”. Além disso, foi a LJ quem, associada a uma imprensa vendida, incutiu e espalhou o sentimento de repulsa a determinado partido político (representado na TV como cano de esgoto).

4 – Ao fazer suas prisões seletivas, disse a que veio: não se tratava de instrumento de combate à corrupção, mas de partido com projeto de poder. No início, estava atrelada ao PSDB. Quando esse barco furou, graças às sujeiras de Aécio Neves e a insipidez de Alckmin, foi se aliar a Bolsonaro, sendo responsável também por sua eleição. Foi quando Moro deixou a toga e foi ser ministro. Como dote, apresentou uma denúncia requentada contra o partido do candidato de oposição.

Acredito que estas razões são suficientes na defesa de minha tese. Caso alguém queira mais detalhes, pode se inteirar das notícias que aparecem agora, recheadas de denúncias e que mostram o elevado grau de promiscuidade que havia entre juiz e procuradores da operação.

Chegando ao fim, cabe a pergunta: - O que poderia ser feito para frustrar a Lava Jato? Vejo que, para matar o mal pela raiz, e sendo eu o autor da proeza, o que poderia fazer era ter sido professor de Sérgio Moro no Ensino Médio. Aí, eu iria lhe dar uma “bomba”, impedindo que ele passasse de ano e acabasse desistindo dos estudos.

E o que ele faria? Bem. Acho que ele iria, enfim, descobrir sua real vocação: a de cantou sertanejo. Poderia até fazer dupla com um tal Breno, seriam Breno e Morone.

Já o Dallagnol também iria ver frustrada sua carreira de procurador, talvez sem ter que perder a vergonha na cara, tendo que se contentar em pastorear uma igreja qualquer.

Eu falo isso se pudesse voltar no tempo. O que podemos fazer agora é ir arrancando as tiriricas, botando na cadeia aqueles que atentam contra a ordem democrática. Olha aí, ano que vem é para ter eleição.

Etelvaldo Vieira de Melo

SAMBA, SAMBA, SAMBA, LELÊ!

 1

João plantou

Um pé de feijão.

Gigante comilão

Levou sabão.

2

Subi na roseira,

mas a banda

tocou para a praça.

Aí, eu desci.

3

A moda da tal

Anquinha

faz a gente ficar

PaSmAdA!

4

Tá coa cabeça

quebrada,

por quê?

Pára com o bullying,

Tererê.

5

Se esta rua fosse minha,

garoto jogava pião.

Eu mandava ladrilhar

a televisão.

6

Valentim brigou com Rosa

no jardim do Maternal.

Criança que bate-bate

ou que já bateu,

precisa de beijo, abraço, cafuné, muito bem!, comida, bombom, parquinho,

7

Xô, passarim.

Caia fora

desse   p a t i  m.

Descobri notas ruins

escondidas no boletim.

8

Tinglin. Tinglão.

Peguei cola na escola,

tomei bomba com limão.

Agora, voo vou voo para Angola...

9

 

Um tigre muito velho,

arrebitando o nariz,

num brechó roubou bengala,

foi namorar em Paris.

10

No país das Malvalices,

OZnice pensar

em atirar o pau no gato,

Miss Rata.

Graça Rios

COMENTÁRIO CRÍTICO



         Eis aí o teatro dos horrores. Pós-Modernismo-Barroco.

Primeiramente, cumpre-me expor a natureza do último vocábulo.

Há várias acepções sobre a plurissemia do termo.  Teria surgido do árabe Burka: terreno arenoso, cheio de barro e pedra. Ou do italiano Barocco e do francês Baroque.

Designa ‘uma pérola embutida na rocha, portanto, de superfície irregular, penhasco’. Por extensão, passa a significar esquisitice, extravagância, barbaridade, confusão.

Por último, equivaleria à forma de silogismo aristotélico, usado aqui pelos inconfidentes em seus segredos e pela contrarreforma católica no século XVIII.

Quanto ao Pós-Miodernismo, existe como ceticismo, irreverência, ironia, rejeição sarcástica às ideologias políticas. Combate o racionalismo conservador através da contingência do pensamento ou relativismo epistemológico.

A leitura dramática apresentada solicita indumentária próxima à usada na Idade Média em processo inquisitivo. Mesmo a barba nos lembra ‘O Nome da Rosa’, de Humberto Eco. As tragédias se equivalem. Expressão física, principalmente facial, corda nos dedos, performance, tudo corresponde à épica pré-estória do mundo atual.

Note-se a entonação bizarra da voz em cena. Os gestos excêntricos, a inconstância e o nervosismo nos movimentos do artista.

O chiaroscuro ambiental, a parca luz, o acabamento espacial, a fluência (ora defluência) discursiva, são elementos altamente estéticos no estreito palco da desilusão. E mais e mais...

Poderia escrever mil páginas em torno da magistral apresentação do ator. Entanto, pauso o comentário.

Esplêndido! Parabéns!

Agradeço-lhe pelo envio.

 Graça Rios

CARNAVAL DA PANDEMIA

 

Colombina chora

Pelo amor de Pierrot

Na passarela vazia

Etelvaldo Vieira de Melo

CHUTOU PRA FORA

 

POR QUE DEVEMOS CONTINUAR USANDO MÁSCARAS

 

Nos últimos tempos, vimos isso: o cínico sendo contra o uso de máscara, porque ele gosta mesmo é de ostentar seu ar de deboche, rindo da desgraça alheia. Agora, com o fim da pandemia, fica a pergunta: devem as pessoas de bem, as legítimas, descartar suas máscaras, mesmo as reutilizáveis? Eu acredito que não.

Se a gente for pensar bem, o uso de máscaras apresenta outras vantagens, além da prevenção contra o danado do coronavírus. Vejamos:

Primeiro de tudo, o uso de máscaras foi uma ótima experiência para as pessoas que se acham feias e que têm uma autoestima baixa. Outro dia, estávamos, Percilina e eu, fazendo compras num supermercado. Na hora de passar pelo caixa, fomos atendidos por uma moça gordinha, loquaz e simpática. Como lhe demos trela (esse Português ainda vai acabar comigo!), ficamos ali “trocando figurinhas”, jogando conversa fora, enquanto eu passava as compras, a moça fazia o registro e Percilina acomodava tudo em outro carrinho. A conversa fiada foi bem até o momento em que a atendente, cansada de falar e digitar, deu uma pausa para tomar um gole d’água de uma garrafa que estava à mão. Aí, ela teve que abaixar a máscara. E aí, como se diz, “a vaca foi pro brejo”. Ao ver nossa cara de espanto diante de sua feiura, a pobre moça se recolheu toda constrangida e não abriu mais o bico. E, antes que você venha implicar comigo, adianto: se fosse eu que tirasse o boné e a máscara, seria a atendente de caixa quem ficaria penalizada.

Está vendo como é bom o uso de máscaras?

Tem um jogador de vôlei do time que se sagrou agora vice-campeão da Copa Brasil, que era razoavelmente bom, não mais que isso. Quando passou a usar máscara durante os jogos, tornou-se excepcional, com cortadas e saques violentíssimos. A explicação para isso? Penso que ele tem o cacoete de fazer caretas quando dá suas cortadas. Sem máscara, ele ficava constrangido, reprimido, sem poder soltar o braço. Só mesmo tal explicação para ele ter se transformado da água para o vinho. Com máscara, ele pode fazer quantas caretas quiser.

Tempos atrás, tinha uma atriz que se apresentava num programa de TV “utilizando uma lingerie preta, máscara e chicote sadomasoquista. A jovem realizava jogos com os garotos da plateia, nos quais eles tinham que responder corretamente as perguntas ou pagar a prenda estipulada por ela – que ia desde algumas chicotadas até depilar alguma parte do corpo do rapaz” (créditos para Wikipédia). Ela se apresentava com o nome de Tiazinha e fez muito sucesso, especialmente entre os homens. Com o sucesso, começou a dar entrevistas daqui e dali, sem máscara. Foi daí, acredito eu, ela passou a perder seu encanto e magia, até que o programa foi extinto.

Não sei se você já leu “As Mil e Uma Noites”, uma coletânea de contos persas. As histórias são narradas por Xerezade, esposa do rei Xarier. Esse rei, contrariado por ter sido traído pela sua primeira esposa, decidiu desposar uma noiva diferente todas as noites, mandando matá-las no dia seguinte. Xerezade consegue escapar a esse destino, contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a curiosidade do rei, fazendo com que ele fosse adiando a decisão de matar sua esposa, já que as histórias iam emendando umas com as outras. Tendo lido “As Mil e Uma Noites” faz tempo, guardo a impressão de que Xerezade conseguiu engambelar o monarca porque estava usando daqueles véus próprios do Oriente. Se ela tivesse tirado o véu, teria sido decapitada na mesma hora. É o que penso.

Na minha adolescência, fui fã de revistas em quadrinhos. Duas delas estavam entre as favoritas: Zorro e Fantasma, que narravam as aventuras de dois mascarados.

Enquanto o Fantasma atua em um fictício país africano chamado Bangalla, tem um lobo treinado, chamado Capeto, e um cavalo chamado Herói, Zorro é retratado como um vigilante mascarado que defende os plebeus e os povos indígenas da Califórnia (Pueblo de Los Angeles durante a era da Califórnia espanhola - 1769/1821) contra funcionários corruptos e tiranos e outros vilões. Sua assinatura de traje todo preto inclui uma capa, um chapéu conhecido como sombrero cordobés, e uma máscara cobrindo a metade superior de seu rosto.

Zorro (“Raposa” em espanhol) era a identidade secreta de Don Diego de la Vega. Ao longo das aventuras, ficamos conhecendo Tornado, seu fiel cavalo negro, Don Alejandro de la Vega, pai de Don Diego, Bernardo, o surdo e mudo servo de Zorro, o sargento Garcia, o capitão Ramon, Lolita Pulido, uma nobre empobrecida que despreza Diego e é atraída para o mascarado. A fim de desviar a suspeita sobre sua identidade, Diego esconde suas habilidades de luta enquanto também finge ser um covarde e um almofadinha.

Os exemplos acima foram arrolados como testemunhas da necessidade das máscaras continuarem sendo usadas, mesmo com o fim da pandemia. Elas, as máscaras, vão assegurar a autoestima daquelas pessoas que se julgam feias e desagradáveis (veja meu exemplo e o da moça do supermercado); vão também salvar muitos casamentos, através das fantasias de Zorro e de Tiazinha. Usando máscara, quem sabe, você poderá se tornar um excepcional jogador de vôlei. Se não bastasse, elas poderão continuar sendo usadas por aqueles que tomaram uma atitude tempo atrás (em 2018) e se arrependeram amargamente, estão sem saber onde enfiar a cara. Também poderão ser usadas por aqueles torcedores que passam pelo vexame de ver seu time de futebol disputando a Segunda Divisão.

Dando ares científicos a essas considerações, estudo realizado pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, órgão regulador do Sistema de Saúde dos Estados Unidos) diz que o uso de duas máscaras ao mesmo tempo, sendo uma cirúrgica e outra de pano, pode reduzir o risco de transmissão da covid-19 em 95%. Já pesquisa realizada pelo CEPA (*) conclui que o uso de máscara contribui em 96,3% na melhora da autoestima das pessoas, 91,8% ajudando na preservação dos casamentos e em 98,1% na camuflagem do sentimento de vergonha.

Por fim, a bem da verdade, vejo que sempre estamos usando máscaras, estando mascarados ou não: um juiz usa a máscara da toga; um padre, da batina; um casal, das alianças. Falando em casamento, vejo que muitos fracassam quando “a máscara cai” e o casal passa a viver a rotina, sem magia e sem encanto. Então, é por tudo isso que digo: - Vamos continuar mascarados!

(*) CEPA: Centro Eleuteriano de Pesquisas Aleatórias.

Etelvaldo Vieira de Melo


SE TANTA PENA

 

Ao querido senhor Paulo Afonso Oliveira
Se tanta pena tenho merecida

                                   Em pago de sofrer tantas durezas,

                                      Indago ao longe amigo aonde anda, assim, silente.

                                    Por mor surpresa, ouço-lhe poesia digna de Camões.                                                                                                   

                    - Fico calado /

                               porque a chuva impede-me escutar /

                                                      o revoar dos pássaros. /

                                                                           Sou um deles, /    

                                                                                       escondido /

                                                                                              sob trovões e relâmpagos.                                                                                                                                                                        

                                   Devolvo-lhe, ora embora ousada, seu próprio pensar:                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

                     - Também apresento-me/ Condor, / frágil ave / debaixo da tormenta.                                                                                                             

Quase me alongo em entrelaces vãos: A pandemia, o confinamento, a máscara.                                                                                                                                                                         Sentimental,             lhe dou                     um antigo coração                       feito ninho consolador.           

                                    E visto vivamente o lume vivo luso, copio-lhe alguns versos.

“O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía”.

                                                   Muito prosa, tento a glosa:

Onde, o verde manto? / Onde, a neve fria? / A  penas, / bem te vejo, / apenas/ vil mudança. Desencanto silvestre: Que procuras, ausente? Suspiras magoado. És acidente em si tão concertado?  Pinta-me teu segredo delicado. Cronos, deus do tempo, converte  

                                              em     choro      mil         acalantos.

- Homens, mulheres, crianças: Onde, o chão? Revoada de pássaros? Somente virtuais. Molde espanto, ternura ainda existe. Ferida, temerosa, oculta, a musa insiste:

- Ei, filho, neta, amante, namorada! Podes assistir-me (lato sensu) as iras, abrindo a câmera? Viste? Cortei os cabelos. Sinto-me diferente: Homem de negócios, versejando ao vento. Coberto, eu? Em termos: É o ar condicionado. Ai, tua imagem parece muda. Semblante verde. Perdoa-me a doce branda lágrima. Este sozinho coração sem ninho acolhe Dor.                                                                                                         - Espanto-me, vovó, titia, amigo, irmão, a cada dia. Queria falar melhor, mas tal manto cobre-nos a face, a voz.  Não posso sentir-te tanto já, como soía. A tempestade, os trovões, os relâmpagos passados, atuais... Eu me escondo neste peito além de ti.

E a saudade, afora.

A SAUDADE?

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados.
Brandas iras, suspiros magoados:

                                                              Temerosa ousadia e pena.

                                                                       Fora, ausenta-te!                                                                                      

Nota: Parafraseando, a autora busca alguma possível graça no lírico Luís Vaz de Camões.   Geralmente, em sua escritura, ausenta-se qualquer título.  

Graça Rios

QUANDO O GATO É PARDO

 

“Viver é melhor que sonhar”, cantava com sua voz fanhosa o filósofo da MPB Belchior. Mas será isso mesmo?

Certa tarde, estava eu caminhando pela calçada de uma avenida. Trocava os passos com cuidado, pois estava desprotegida dos óculos que normalmente me acompanhavam. Tal fato sucedeu num tempo em que ainda não havia me submetido a uma operação de catarata, cirurgia que restaurou de vez minha visão, livrando-me inclusive de uma miopia que me obrigava a usar os referidos óculos.

Enquanto trocava os passos, intuí mais do que percebi um homem caminhando no outro passeio e olhando insistentemente para mim. Um frêmito me percorreu, começando no dedão do pé e subindo até a raiz dos meus cabelos. Esfreguei discretamente os olhos, desconfiada de que aquilo não passava de uma miragem, um sonho. Perguntei para os meus botões:

- Será que, finalmente, está chovendo no meu canteiro de quiabo e ora-pro-nobis?

No outro passeio, o homem continuava a olhar para mim, correndo o risco de trombar em outros transeuntes ou dar de cara com um poste.

De soslaio, eu o observava: era alto, tinha corpo uniforme, quase atlético, seus cabelos eram escuros com tons prateados. Aqueles detalhes fizeram com que eu desse um suspiro e, quando me convenci de que não estava tendo uma miragem, fiz mentalmente uma prece de agradecimento aos deuses.

Chegando a um ponto de semáforo, eis que meu príncipe encantado caminha resoluto em minha direção. Enquanto ele se aproximava, senti que minhas pernas bambeavam, o coração disparava, toc-toc-toc, quase me deixando sufocada.

Quando chegou pertinho, ele olhou bem para mim e disse:

- Aaah!- E fazendo ar de espanto e decepção: - Mas é você, Conceição?

- Oh! A decepção é mútua e verdadeira, meu caro Pereira – falei.

Sim, era eu, e ele era ... um velho conhecido e amigo, o Bartolomeu Pereira -  baixinho, gordinho, careca e tão míope quanto eu.

Então, que fique registrada aqui discordância com o que disse Belchior: às vezes, um sonho, uma ilusão ou fantasia pode ser bem melhor do que a realidade.

Se o fato narrado tivesse acontecido à noite, valeria muito bem o ditado “de noite, todos os gatos são pardos”. Estou vendo que, para quem está “matando cachorro a grito”, gato é pardo em qualquer hora do dia.

PS: Explicação científica para os gatos pardos: Segundo a Física, com baixa luminosidade, os cones (células fotossensíveis da retina), que são responsáveis pela visão colorida, são menos sensíveis do que os bastonetes, células que distinguem apenas as diferentes intensidades de brilho. Assim, no escuro, as coisas parecem ser acinzentadas ou pardas. BBCr também é cultura.

Etelvaldo Vieira de Melo

LEVANTAR O BRAÇO É FUNDAMENTAL

Fica combinado que levantar o braço é este gesto aí. Não basta dizer que sua excelência manda o jogador tal para o vestiário. O que importa é o gesto teatral bem explicado. Palmas!