UMA QUESTÃO DE LOGÍSTICA

 

Desde que dependuraram as chuteiras das atividades profissionais, Percilina Predillecta e Eleutério Caparros decidiram adotar um regime comunista em casa (por favor, não deixe esta notícia chegar aos ouvidos de Bolsonaro e sua tropa de elite). Sendo assim, acordaram de comum acordo, comunisticamente: Percilina ficaria responsável pela limpeza do lar, pela lavagem da roupa suja, pelo cuidado das flores do jardim da casa e de Thor. Já Eleutério deveria se preocupar com a manutenção física do imóvel (reformas e contrarreformas), abastecimento alimentar e confecção de comida. (A partir da pandemia, Percilina passou a cuidar também da pãodemia.)

Quando esse regime socialista foi implantado, Eleutério disse:

- Quanto a pilotar fogão, só posso responder pelo trivial simples.

- Tudo bem – disse Percilina. – Ainda mais que tenho muita restrição alimentar, por causa de uma intolerância à lactose e uma síndrome do intestino irritável.

Feito tal acordo, tudo caminhou dentro dos conformes, só acontecendo entrevero uma vez ou outra, normalmente quando recebiam a visita para almoço de Deusarina Rebelada e seu esposo, Renevildo. Nessas ocasiões, sem ter bem por quê, Eleutério arrumava uma confusão danada, com a comida atrasando e tudo quase terminando mal, não fosse o adjutório de Percilina, que acabava tendo que ir também pilotar o fogão, fato que a deixava deveras aborrecida.

Quando a pandemia do coronavírus despontou no horizonte de Belo Horizonte, as visitas de Deusarina e seu esposo começaram a diminuir e, assim, foram raleando, raleando, até que se restringiram a datas especiais: Natal, aniversários e Dias dos Pais e das Mães, todas com obediência aos protocolos de uso de máscaras, distanciamento social e álcool em gel.

Neste último Dia das Mães, Eleutério surpreendeu, com a comida sendo preparada exatamente dentro do horário previsto, fato que deixou todos embasbacados, notadamente Percilina, ela que, no dia anterior, tinha feito este comentário:

- Creio que seu atraso com a comida se deve ao fato de você conversar demais e beber mais ainda.

Quer saber o que levou Eleutério a seguir rigorosamente o horário?

1º) Ele fez um cardápio. O almoço constaria de: - arroz à grega, purê de batata, salada de alface, feijão cozido e, veja bem, miolo de alcatra acebolado em tiras. Focaccia seria servida como antepasto, enquanto que pudim seria a sobremesa (estes dois, preparados por Percilina). As bebidas seriam vinho e cerveja.

2º) Eleutério escreveu e dependurou na porta da geladeira um roteiro do que deveria fazer: 1 – Lavar arroz; 2 – Picar as carnes e temperar; 3 – Cozinhar o peito de frango; 4 – Cozinhar batata e cenoura; 5 – Desfiar o frango; 6 -  Fritar bacon; 7 – Cozinhar arroz; 8 – Lavar alface e brócolis, descascar uma cebola em rodelas finas; 9 – Cozinhar a carne; 10 – Cozinhar o feijão; 11 – “Fechar” o arroz, adicionando o frango fatiado, bacon, cenoura, ervilha, azeitona e milho; 12 – “Fechar” o purê.

Enquanto degustava aquela deliciosa refeição, Renevildo quis saber de Eleutério de onde ele tinha tirado a ideia de se programar tão bem para fazer a comida.

- Sendo sincero, tive esta ideia inspirado no Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello e sua famosa logística.

- Como assim? Ele não fracassou no combate à pandemia, o que levou até agora a mais de 400.000 mortes?

- Sem dúvida. Mas aí é que estava a sua logística: fazer dar errado aquilo que poderia dar certo. É essa a política do presidemente Bolsonaro.

- Pois é – falou Renevildo, rindo. – O capitão Bolsonaro deve ter dito assim pro general Pazuello: “Alto lá, nada de vacina! Nós estamos aqui para negar. Morrer faz parte. O povo tem deixar de mimimi e ser macho. Caralho! Talkey?”.

- Ao que o general respondeu: “O senhor manda, e eu obedeço”. Ou seja, manda quem pode, obedece quem tem juízo.

🔒🔑

P.S. Quando editava este texto, li num portal de notícias a nota de que um churrasco havia sido feito lá no Palácio da Alvorada, naquele domingo, em homenagem ao Dia das Mães. Uma das atrações foi a picanha de gado da raça wagyu, de origem japonesa, chamada “Picanha Mito”, produto do Frigorífico Goiás. O preço da dita cuja? R$1.799,99 o quilo. (Eu me pergunto: será que o general Pazuello estava lá, para estabelecer uma logística de degustação?)

Para ti, estimado Leiturino, te apertando sem abraçar, pergunto: caso tivesses sido convidado, ao mesmo tempo, para o almoço na casa de Percilina e o churrasco do Palácio da Alvorada, qual teria a honra da tua presença?

Etelvaldo Vieira de Melo

3 comentários:

RENEUZAC disse...

Muito bom! Não se troca um almoço, com tal planejamento, por picanha nenhuma! Talkey?!

Anônimo disse...

Preferi o primeiro cardápio e deu água na boca só de pensar. Não podia se esquecer da cerveja geladinha. Parabéns tio pelo tecto

Unknown disse...

Preferi o primeiro cardápio e deu água na boca só de pensar. Não podia se esquecer da cerveja geladinha. Parabéns tio pelo texto

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