Por
causa de sua crendice e boa-fé, está se tornando cada vez mais difícil para
Ingenaldo sobreviver no mundo de hoje. Apesar de seu esforço físico, ele não dá
conta de driblar tantas decepções: ao final de cada dia está ele coberto de
arranhões e hematomas.
Fridolino Xexeo, seu amigo e primo em terceiro
grau, encontrando-o certo dia com o braço direito enfaixado e com o olho
esquerdo todo roxo e inchado, tentou aplicar-lhe uma vacina, ora veja, através
de palavras de alerta. Disse Fridolino:
- Meu caro amigo, o que vale hoje é a
esperteza, já que as pessoas não têm mais escrúpulos em furar os olhos dos
outros. A título de exemplo, por esses dias, foi um técnico lá em casa fazer um
reparo no aquecedor solar. Tinha ele uma conversa mansa e humilde, o que me
deixou um pouco aliviado. Pensei: “taí um cara que não vai me meter a mão com
um preço absurdo”. Ele calculou que gastaria dois dias de serviço, com a mão de
obra custando seiscentos reais. Apesar de meu salário não chegar aos pés de sua
proposta, considerei que era razoável, e que era o meu salário que não
prestava. Acontece que o sujeitinho de fala mansa gastou trinta minutos, quando
muito, para terminar todo o serviço. Como o almoço estava pronto, ele não se
fez de rogado ao convite, comeu um prato (de comida) que, se não atingiu o cume
do Pico da Neblina, ultrapassou o da Serra da Piedade. Piedade que ele não teve
na hora do acerto de conta: foram seiscentos reais, sem tirar nem pôr. Depois,
ele explicou que havia levado sua caminhonete para fazer uma retífica de motor.
O conserto girou em torno de oitocentos reais. Concluindo a conversa, que já me
dava voltas no estômago, ele disse: “A vida é assim: um toma lá, dá cá”.
Ingenaldo, você está entendendo minhas palavras,
ou estou falando para as paredes?
Ingenaldo olhou por sobre as lentes dos óculos
azuis, fazendo um gesto de “sim” com a cabeça.
Quando se despediram, foi ele para o ponto de
lotação (Ingenaldo é sobrinho de Eleutério, outro que só anda de ônibus). Ali,
uma menina de 9 a 10 anos de idade, que estava de uniforme escolar e carregava
nas costas uma mochila, lhe perguntou:
- Você não viu por acaso uma nota de R$10,00
aí no chão?
Ingenaldo achou estranho aquele tipo de
pergunta. A menina insistiu em dar detalhes sobre o sumiço da nota.
- Eu ia passar na farmácia comprar um xampu
para minha mãe. Quando fui ver, o dinheiro havia sumido.
Ingenaldo ficou condoído com o sofrimento da
menina, mas estava também impregnado das palavras de Xexeo. Falou:
- Se eu tivesse dinheiro comigo (na verdade,
ele tinha, mas pouco), poderia ajudá-la. Fala pra sua mãe, explica pra ela...
- Eu coloquei o dinheiro aqui no bolso de trás
– a menina mostrou o bolso, que apresentava um rasgão.
- Pois é, deve ser por aí que o dinheiro
sumiu.
- Minha mãe vai me colocar de castigo – e uma
lágrima rolou pelo rosto da garota.
Nesta hora, Ingenaldo exorcizou de vez as
palavras de Xexeo. Pensou: - Não vou deixar de ser uma pessoa crédula, não
posso abandonar meu sentimento de humanidade.
Assim pensando, retirou uma nota de 10 e deu
para a menina.
- Obrigada – falou ela.
Ingenaldo ficou sabendo que havia plantado uma
sementinha de bondade no coração de uma criança. Quem sabe, pensou ele, esta
semente não irá florescer e ajudar a colorir o mundo?
Etelvaldo Vieira
de Melo
1 comentários:
Sei não, Ingenaldo.Penso que a menina te passou a perna. Kkk...
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