Dizem as más línguas que sou um
crítico ferrenho do Capitalismo por puro despeito, por não ter conseguido subir
na escala social. Não conseguindo apanhar a uva, arranjei a esfarrapada
desculpa de que ela estava bichada.
Tentando resgatar a verdade da
História, devo dizer o seguinte:
Quando fui jogado na valeta do
mercado da luta pela sobrevivência, por volta dos vinte anos de idade, vi logo
que não dava jeito para a coisa, de ganhar o pão com o suor do meu rosto. A
redoma em que vivera até então havia castrado todo senso de iniciativa para
correr atrás de trabalho. Não tendo uma árvore para parasitar, acabei
sobrevivendo à base de ‘bicos’ arranjados por almas piedosas, que se
compadeciam de minha penúria.
Lamentando minha desdita para um
amigo, ele me dirigiu estas sábias palavras:
- Eleutério, ser pobre e feio (e
você é muito feio) não é tão ruim assim não: quando alguém gostar de você é
porque gosta mesmo.
Desde então, nas vezes em que
pensava no assunto, passei a acreditar que era mesmo um feio fracassado. Dizia
para mim mesmo: - A vida é assim mesmo. Num dia, a gente perde; no outro,
ganham da gente.
Quando reclamava a falta de
dinheiro para algum conhecido, era comum ele dizer:
- Eleutério, dinheiro não é tudo.
Ao que eu respondia:
- Mas eu não quero tudo, só quero
dinheiro!
O gosto amargo da pobreza se
acentuou, quando tomei conhecimento de algumas considerações de Millôr
Fernandes sobre dinheiro e riqueza. Entre outras preciosidades, dizia meu guru
intelectual:
-
“O dinheiro realmente não é tudo. Tudo é a falta de dinheiro.”
-
“Se o dinheiro não traz felicidade, pelo menos não acrescenta à infelicidade a
infelicidade de não ter dinheiro.”
-
“Sem dinheiro você não tem absolutamente nada. Nem amor você consegue sem
dinheiro. E com ele você compra até amor verdadeiro.”
-
“O dinheiro compra o cão, o canil e o abanar do rabo.”
-
“O dinheiro fala. E também manda calar a boca.”
-
“O dinheiro é tudo. Ele é a fonte de todo o bem. Faz dentes mais claros, olho
mais azul, amplia a dignidade individual, aumenta a popularidade, produz amor e
paz espiritual e, quando tudo falha, paga o psicanalista.”
Tais considerações, vindas de
alguém que eu tinha na conta de uma pessoa extraordinária, fizeram minha
autoestima abaixar ao extremo e eu passei a viver feito Erasmo, sentado à beira
do caminho da vida, sem que nenhum Karnal, Pondé ou Cortella pudesse elevá-la
(a autoestima). Até que um dia, pesquisando sobre a origem da citação “nenhum vento ajuda a quem não sabe para que porto velejar”, percebi que havia
uma maneira menos dolorosa de ver a vida. Foi quando comecei a me familiarizar
com o pensamento de Lucius Annaeus SENECA, humanista, poeta e filósofo romano,
que viveu no início da era cristã. São seus os pensamentos abaixo:
-
“Para a nossa avareza, o muito é pouco; para a nossa necessidade, o pouco é
muito.”
-
“O pobre carece de muita coisa, mas o avarento carece de tudo.”
-
“Pobre não é aquele que tem pouco, mas antes aquele que muito deseja.”
-
“É muito comum acontecer de justamente quem viveu muito ter vivido pouco.”
-
“Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de
acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico.”
Sêneca era um filósofo da Escola
chamada Estoicismo, corrente filosófica criada na Grécia no início do século
III a/C. O Estoicismo prega que devemos viver de acordo com a natureza,
praticar a virtude, ter temperança, com o autocontrole e a firmeza como meios
de superar emoções destrutivas.
Ainda segundo o Estoicismo, a
vontade pessoal deve se adequar ao mundo, de modo que posso estar “doente e ainda feliz, em perigo e ainda assim feliz,
morrendo e ainda assim feliz, no exílio e feliz, na desgraça e feliz”, isso de acordo
com as palavras de Epicteto, um dos expoentes dessa filosofia.
Parece que encontrei, finalmente,
nesta altura da vida, uma filosofia que, sem cobrar nada, está me ensinando o
caminho da felicidade. Como bem diz Epicteto:
"Se devo morrer, morrerei quando
chegar a hora. Como, ao que me parece, ainda não é a hora, vou comer porque
estou com fome".
Adeus, Capitalismo! Adeus, Millôr Fernandes! Vale!
Eleuterius Estoicum
Simplicius
Etelvaldo Vieira
de Melo
1 comentários:
Etelvaldo sabe o sabor da intertextualidade. Trabalha com o uni (unido) verso literário em seus maiores escritores. Jamais será plágio informar-nos com o irmão pedreiro sobre a confecção de um muro. Se unidos, somos fortes, conforme o ‘Saltimbancos’ de Chico Buarque
Nesse texto crítico, retirou do céu todo o esplendor das constelações. Miríades de brilhos vidrilhos (Mário de Andrade) estilísticos.
Hemos de parabenizá-lo pelas luzes que em nós acende/ascende. Encantei-me com a luxuriante humildade do eu-lírico. Também, com a impecável elaboração gramatical dos parágrafos. E certo humor inglês persiste na personalíssima forma de criticar a si mesmo.
Congratulations.
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