DANDO ASAS PARA A COBRA


Era uma vez quatro amigos. Três deles haviam se tornado eruditos, tanto tinham estudado; o quarto não gostava de estudo, era tido pelos demais como bocó, mas dispunha de bom senso, coisa que os outros não tinham.

Andavam, certo dia, pela floresta, quando avistaram os restos mortais de um leão. Um dos eruditos, o mais velho, disse:

- Vamos testar nossos conhecimentos, trazendo esta criatura de volta à vida. Sou capaz de unir os ossos e reconstituir de novo seu esqueleto.

E assim ele fez com perfeição.

O segundo, mostrando aptidões invulgares, acrescentou carne, couro e sangue ao animal.

Quando o terceiro erudito ia insuflar-lhe o sopro da vida, o bocó o interrompeu, dizendo:

- Tenham cuidado, amigos, pois estão fazendo um leão e, se tudo der certo, ele pode comer a gente.

No entanto, ninguém levou a sério sua ponderação. O insuflador chegou a falar, indignado:

- Como se atreve a questionar meu saber, seu bocó?

- Está bem – falou este. – Mas, então, espere um pouco para que eu suba nesta árvore.

Assim, o leão reviveu e, no mesmo instante, atacou e matou seus criadores. Só mais tarde, o bocó desceu da árvore e, guiado pelo seu bom senso, tomou o rumo de casa.

Leitura: Esta fábula vem mostrar que sabedoria não se confunde com erudição: muitos bocós podem ser sábios, enquanto muitos eruditos não passam de ignorantes.

A fábula faz lembrar também o que aconteceu em país distante.

Aproximava-se a época da eleição. Preocupados com o que poderia acontecer, um banqueiro, um dono de TV, um deputado, um pastor evangélico, um general, um juiz e um cidadão comum reuniram-se numa padaria da cidade. Enquanto lanchavam (comendo pastéis e tomando Q-Suco), discutiram acaloradamente, buscando uma alternativa para que determinado candidato, conhecido como “Sapo Barbudo", não viesse a ser eleito presidente.

O banqueiro falou: - Meus lucros têm caído assustadoramente. Ano passado, eles ficaram em míseros 700%. Por isso, estou disposto em emprestar algum para tirar essa ameaça do caminho.

O deputado disse: - O Congresso vai fazer o que for possível para impedir a eleição do Sapo. Sugiro a gente apostar as fichas no candidato Jaboró, ele que fala muita besteira, mas que pode ser controlado.

O general falou: - Vou soltar uma nota dizendo que, se o Barbudo for eleito, não sei não...

- Boa! – falou o pastor. – De minha parte, vou propagar nas igrejas que Jaboró é o Messias e o Barbudo é enviado do Capeta.

O juiz falou em falsete, em tom parecido com o de marreco: - Vou encomendar umas delações e botar o "Big Mac", na cadeia, tornando-o inelegível. Depois, vou me aproximar do tal Jaboró e negociar um cargo no governo. Sendo ele muito bronco, quem vai mandar vai ser eu mesmo.

O dono de TV disse: - Vou dar toda cobertura pra você, mostrando no jornal das oito que o governo do Barbudo é um cano de esgoto.

O cidadão comum não disse nada, mesmo porque era tido como bocó. Mas ele tinha bom senso, sabia que Jaboró não era flor que se cheire, que seus colegas estavam dando asas para uma cobra.  Por isso, pensou: - Estamos fudidos!

Etelvaldo Vieira de Melo


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