RIPA NA CHULIPA!


O presente texto não quer mandar ninguém dar porretada (ripa) em gente preguiçosa (chulipa). Ele quer tão somente mostrar a beleza, a profundidade e o toque sutil de comentários aparentemente simples de jogadores e dirigentes de futebol, esse esporte apaixonante, motivo de alegria e felicidade para bilhões de brasileiros. (A propósito do título “Ripa na Chulipa”, trata-se de um jargão popularizado pelo narrador futebolístico Osmar Santos, que o usava quando jogadores se preparavam para chutar um pênalti ou uma falta durante a partida. “Ripa na chulipa” seria um grito de força e determinação ao jogador. Outra expressão que o “Pai da Matéria”, o Osmar, usava era “pimba na gorduchinha”, representando o acerto do chute na bola, que era apelidada de “gorduchinha”.) Vamos a eles, os comentários.

De Zanata, ex-lateral do Fluminense: “Na Bahia, é todo mundo muito simpático. É um povo muito hospitalar”.

Esta citação revela, primeiro, um valioso informe para aqueles que nunca conheceram ou venham a conhecer pessoalmente aquele estado brasileiro. Depois, derruba o estigma de uma palavra que, normalmente, provoca arrepios. As cidades, em geral, possuem regiões hospitalares; agora, passam a ser chamadas “regiões hospitaleiras”. O povo, antes hospitaleiro, agora é hospitalar.

De João Pinto, jogador do Benfica de Portugal: “O meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente...”.   (É dele também a frase: “Não foi nada de especial, chutei com o pé que estava mais à mão”.)

A frase pede uma distinção entre o que é correto e o que é certo. É certo, estando à beira do precipício, dar um passo à frente? Isso faz lembrar muitas decisões do Judiciário aqui no Brasil: são corretas, porque amparadas na Lei, mas seriam certas? O certo está no plano da Ética, enquanto o correto é formalidade; um é questão da Lógica, enquanto o outro é problema moral.

De Jardel, ex-jogador do Grêmio: “Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe”. (Também disse: “Clássico é clássico, e vice-versa”.)

Simplesmente bonito demais, quando uma pessoa está tomada por fortes emoções, não conseguindo traduzir por palavras adequadas tudo o que sente. É igual um adolescente tomado pela paixão, tentando encontrar palavras para traduzir tudo aquilo que pesa em seu peito. Dizer “Eu te amo?” Isso é tão pouco para o que está sentindo... Em momentos de fortes emoções, a gente confunde as coisas e acaba até colocando adrenalina no armário, enquanto é tomado pela naftalina...

De Dunga, ex-técnico da Seleção: “As pessoas querem que o Brasil vença e ganhe”.

Dizem que o futebol é o esporte em que nem sempre vence o melhor. Daí, uma das razões do fascínio que exerce sobre as pessoas: é onde David pode derrotar Golias, o pequeno derrubar o grande, o pobre esmagar o rico. Entretanto, quando joga a Seleção, é preciso vencer e ganhar, isto é, vencer e convencer. Essa visão romântica tende a virar poeira da história, nas lembranças de um Telê Santana, de um João Saldanha. O futebol deixa de ser poesia, perde seu lirismo, para se tornar algo robotizado e mecânico. A fala de Dunga parece lembrar essa nova geração. 

De Vladimir, ex-Corinthians: “Eu disconcordo com o que você disse”.

Quando você discorda de alguém, está se colocando em posição contrária, apelativa, como se estivesse disposto a uma briga. Isso não fazia parte da índole, da natureza do brasileiro até pouco tempo atrás (quando surgiram as redes sociais). A nossa história não é construída com armas, de lutas, de guerras, mas de acordos, sobre e debaixo de panos, com conchavos e tapinhas nas costas. Este era (até surgirem as redes sociais) um país onde tudo se ajeitava, era o país do jeitinho (agora, virou o país da mentira institucionalizada). Se discordar é ir para o outro lado da rua, disconcordar é - com mil pedidos de desculpas - quase que ficar ao lado.

De Dario, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro: “Não venham com a problemática, que eu tenho a solucionática”.

Está aí uma citação que torna o rugido de leão um miado de gato. Ou seja, algo que poderia nos causar muita preocupação e ansiedade não passa de algo banal e insignificante. Problemas, onde? Que bobagem! Isso não passa de uma problemática, para a qual eu tenho a solucionática! E tem mais: “o amor é lindo!”

De Vicente Matheus, ex-presidente do Corinthians: “O difícil, como vocês sabem, não é fácil”. (Autor também das frases: “O Sócrates é invendável, inegociável e imprestável”; “Jogador tem que ser completo como o pato, que é um bicho aquático e gramático).

Não, as pessoas nem sempre sabem que o difícil não é fácil. Dizendo: “como vocês sabem”, Matheus está convidando para que façamos um discernimento entre o que é fácil e o que é difícil. Se o difícil fosse fácil, ele não seria difícil; sendo difícil, ele não pode ser fácil. O problema da vida humana é que muitos tomam o fácil como difícil, tornando difícil aquilo que é fácil; de outro modo, outros acreditam que o difícil é fácil, facilitando aquilo que, por natureza, não é fácil, mas difícil. Uma frase, aparentemente simples, esconde toda a complexidade de ser e de não ser.

Falando em complexidade, vamos terminar lembrando uma frase de Don Shula, tirada das lidas com o futebol: O sucesso não é para sempre e o fracasso não é fatal”. Assim é a vida, as conquistas passam e a derrota sempre aponta a possibilidade de um recomeço.

Etelvaldo Vieira de Melo

0 comentários:

Postar um comentário