A VIRTUDE DE ATIRAR PEDRAS NO MEIO DE BOLINHAS

 

Loprefâncio Caparros tem notado que, além de dores a se distribuírem aleatoriamente pelo seu corpo, o tempo também lhe proporciona uma releitura da sabedoria popular, aquela que é traduzida em ditos ou chavões. Ele acredita que, através da compreensão dos ditados, pode chegar a entender o sentido da própria vida!

A virtude está no meio” serve como exemplo. Tal expressão ensina que devemos evitar os extremos, as posições radicais, já que o correto não está com essas partes, mas no meio, na temperança, na moderação. Ela também é usada por aqueles que não colocam a mão no fogo por nada, preferindo ficar em cima do muro.

Tal conceito foi criado por Aristóteles, tendo, pois, quase dois mil e quinhentos anos de vida. Aqui no Brasil, ele tem sido contestado ao longo do tempo, inclusive pelo nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, dizendo que quem está no meio não é a virtude, mas uma pedra.

Os políticos profissionais muito teriam a aprender se dessem a devida atenção aos ditados e expressões populares. Na ânsia de encherem seus bolsos, suas malas, e sacolas com o dinheiro da Mãe Joana, acabam “enfiando os pés pelas mãos”, dando “com os burros n’água”, vendo “a vaca atolar” com chifre e tudo, com alguns chegando a ver “o sol nascer quadrado”. Eles se esquecem que “quem nunca comeu melado, quando come, acaba se lambuzando”. Alguns chegam a ser precavidos, sabendo que “de grão em grão a galinha enche o papo” e que “paciência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”: enquanto os outros são pegos com a boca na botija, escondendo dinheiro até nas cuecas, lá estão eles enchendo suas burras devagarinho (usando de técnicas como “rachadinhas” e “laranjas”).

Voltando “à vaca fria”, essa máxima “virtus in médium est” foi incutida na mente de LC (forma afetuosa com que Loprefâncio é tratado pelos familiares e amigos) de forma tão subliminar que, muitas vezes, ele não sabia qual atitude tomar diante de uma situação, onde se sentia “num mato sem cachorro”, percebendo que, “se corresse, o bicho ia pegar; se ficasse, ele iria comer”.

Como se trata de uma pessoa muito influenciável, não por um defeito de caráter, mas por causa de seu signo zodiacal (pisciano), nosso amigo acrescentou mais este à sua coletânea de defeitos: tornou-se um indivíduo muito inseguro.

Tendo aquela doença diagnosticada como PFC, “Prolapso de Fim de Curso” (lerdeza, retardo mental – em linguagem direta, sem “dourar a pílula”) a releitura dos ditos populares talvez seja sua resposta, mesmo que tardia, a todos os desaforos que teve de engolir ao longo da vida. Entretanto, tal dito contraria outro de seus estigmas, os ensinamentos religiosos, notadamente a passagem apocalíptica que diz: “Porque és morno e não és nem quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca”.

Tem razão o vizinho, que sempre diz: “Está complicado!” Está mesmo, pensa LC:  ao se dar conta de que muitos ditados são contraditórios, acredita que deva ordená-los num somatório, tirar a prova dos nove e chegar à conclusão de que a vida merece ser vivida com atenção, de que é preciso olhar com cuidado cada momento.

Falando em cuidado, alguém já lhe disse que, em sua cidade, existem os “maridos de aluguel”, aqueles profissionais especializados em resolver problemas urgentes que surgem numa moradia: um entupimento, um chuveiro com resistência queimada, uma chave que quebra, a troca de uma lâmpada, e por aí vai. Tudo bem que existam esses profissionais, mas – como disse anteriormente – é preciso ter cuidado ao lidar com essas situações.

Veja você o que aconteceu com uma senhora que era tida e havida como pessoa séria e compenetrada. Certo dia, um desses maridos de aluguel foi fazer um serviço em sua casa. Como acabou se molhando todo, o marido verdadeiro ofereceu-lhe um short (calção) e uma camiseta. Estando ele de costas, o de aluguel, de repente, sentiu-se abraçado por uma mulher, aquela séria e compenetrada, que, levando as mãos até suas partes baixas, apertou-as levemente, enquanto dizia, carinhosa:

- De quem são essas duas bolinhas?

Segundo Loprefâncio, tal fato é exemplo de inversão daquele ditado que diz: “quem vê cara não vê coração”. Originalmente, ele dizia: “quem vê cara não vê calção” – ainda de acordo com nosso paremiologista. Para a mulher séria e compenetrada, que devia estar “matando cachorro a beliscão”, ficou sendo assim: “quem vê calção não vê cara”. E lá foi ela, “com muita sede ao pote”, apertar as bolinhas do maridão... de aluguel. Precisava ver a cara dela quando “a ficha caiu”. Pior de tudo é que a notícia se espalhou qual rastilho de pólvora entre os parentes, amigos e conhecidos, com a pobre mulher nunca mais recuperando a dignidade de ser séria e compenetrada.

Etelvaldo Vieira de Melo


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