‘ONDE FUI AMARRAR A MINHA ÉGUA’ – EXPLICANDO A EXPRESSÃO


Houve um tempo em que cavalo fazia a vez de automóvel. Parece que, naquele tempo, já tínhamos problema de estacionamento, se for para dar crédito ao dito “onde fui amarrar a minha égua”. 

Pensando bem, ao mesmo tempo em que presto ajuda a todos aqueles desconhecedores dessa espécie animal, a dos equinos, vejo que a expressão nada mais representa do que você, de repente, perceber que ficou numa sinuca de bico, entrou num mato sem cachorro, deu com os burros n’água.

Ficou sem entender? Então, vai lá: ‘onde fui amarrar a minha égua’ tem o mesmo sentido da expressão ‘iii... acabei de fazer uma cagada!’.

 Quanto aos cavalos, éguas e burros, a preocupação procede, pois vivemos numa civilização urbana e muitos animais nos são desconhecidos. Minha filha, por exemplo, ainda menina, ficou traumatizada e quase teve que fazer tratamento psiquiátrico, quando viu uma vaca e ficou sabendo que era dali que vinha o tão adorável leite de sua mamadeira. Nem quis saber: seu leite tinha que ser o da caixinha. Também tive um pretendente a namorado que, visitando o sítio onde eu morava e tentando ser agradável com meu pai, perguntou-lhe, apontando para um boi, como se fazia para tirar dali o leite. Como resposta, meu pai sorriu com tamanho deboche, que meu pretendente sumiu no mapa e nunca mais deu as caras.

Veja você como tudo deve ser explicado com detalhes, quando uma comunicação é estabelecida entre duas pessoas. Tenho um primo cuja adolescência foi muito perturbada. Na escola, vivia causando dificuldades aos professores. Até o dia em que foi chamado à sala do diretor:

- Os professores pediram para que lesse este bilhete para você: - Celestino Faustino é um jovem autossuficiente, indiferente, um energúmeno, tetrápode e revoltado – o diretor leu de um papel. 

O jovem se assustou com tantos termos desconhecidos, não sabendo definir se eram palavras de elogio, de crítica ou se tudo aquilo queria esconder uma doença contagiosa e incurável. Por fim, tomou aqueles termos por conta de um elogio, consideração que o levou a mudar seu comportamento, tornando-se uma pessoa melhor. É por essa e outras que a gente vê como a escola exerce um papel tão relevante em nossa formação moral, cultural, esportiva e social. 

Quanto ao ditado “onde fui amarrar a minha égua”, ele me ocorre com a lembrança de meu marido e dois fatos, um ocorrido quando éramos noivos e, o outro, quando nossa filha estava com cinco anos.

Tínhamos um carro Gol da Volkswagen, um modelo antigo com dois carburadores e só um mecânico era capaz de regulá-los, isto é, colocá-los no ponto. Resumindo, era uma porcaria de carro. Foi nesse carro que fizemos uma longa viagem de férias, eu como motorista (meu marido não sabe dirigir). Na volta, ao cruzarmos por uma carroça, senti um cheiro de vela. Achei que aquele odor viesse da carroça. Depois, olhando para o capô do carro, percebi que saía fumaça. Levei o carro até o acostamento. Sentia-me um pouco assustada, já que minha filha estava no banco de trás e desconfiei que algo de ruim acontecia. Quando parei o carro, quis falar pro meu marido para que tirasse a nossa filha, mas vi com espanto que ele não se encontrava perto: estava a uns trinta metros de distância! Felizmente, nada de mais grave aconteceu, a não ser o susto com a fumaça e a tampa do radiador indo para os ares.

Para não dizer outra coisa, falei pro meu marido:

- Impressionante seu instinto de sobrevivência! Não pensou duas vezes em nos deixar sozinhas, eu e sua filha, enquanto procurava salvar a sua pele!

A outra vez aconteceu quando ainda estávamos namorando. Ele havia construído uma casa em um bairro afastado e o acesso era feito através de ônibus, que tinha ponto em local um pouco distante. Ele me mostrou a casa, já praticamente pronta, estando inclusive mobiliada. Tudo aquilo revelava a seriedade de seus propósitos, o que me deixou alegre e envaidecida. Estávamos de saída, quando o tempo fechou por completo, relâmpagos cortavam os ares, acompanhados de trovões assustadores. Quando comecei a subir a rua, pois a casa estava construída numa descida, procurei pelo meu namorado e ele já estava lá em cima, na outra rua em direção ao ônibus.

Foi, então, que eu pensei com meus botões: Onde estou indo “amarrar minha égua”? Não estou “entrando numa fria”? Pensei, fugazmente, que talvez eu iria me casar com um covardezinho. Só que, depois, ele me explicou não se tratar de covardia, mas de um pequeno receio, um pouquinho de medo, coisa à toa. Ele me falou também de seus traumas de infância, quando as chuvas invadiam sua casa lá no interior, pobre e desprotegida, o vento ameaçando arrancar o telhado, as goteiras, a reza do terço, um rosário em formato de “eme” disposto sobre a mesa, a vela acesa por intercessão de São Jerônimo e Santa Bárbara, as peneiras atrás das portas para aparar o vento, os raios e trovões fazendo com que se escondesse debaixo da cama... Bom, com tantos esclarecimentos, acabei me casando com ele, porque, quando tudo é explicado tintim por tintim , pelo menos a gente fica sabendo onde amarrou a égua.

(Relato de Percilina Predillecta)

Etelvaldo Vieira de Melo 

 


0 comentários:

Postar um comentário