QUANDO O DIFÍCIL TORNA-SE FÁCIL

 

Foi Gertrudes se aconselhar com Venâncio Fortunato sobre um assunto que a incomodava, deveras.

Antes, por educação, quis saber como andava o amigo.

- Estou numa situação difícil, que só você vendo.

- Mas o que anda lhe trazendo tanto desconforto?

- Estou numa situação financeira tão complicada, devendo tanto que, como diria o Barão de Itararé, nem posso chamar minha esposa de “meu bem”.

- Mas por quê?

- É que, se eu chamar uma pessoa de “meu bem”, o Banco vem e toma.

- Ah, deixe de gozação! – falou Gertrudes, sorrindo, quase se esquecendo do assunto que tanto a incomodava.

- É brincadeira mesmo – falou Venâncio. – Entretanto, você sabe que pobre é apertado por natureza, vive pendurado feito cabide. Agora, me diga o que anda aborrecendo a sua beleza.

- Minha reclamação é quanto à falta de homens no mercado. Além de serem em número reduzido, comportam-se como gatos escaldados temendo água fria, isto é, tornam-se cada vez mais ariscos e medrosos.

- Calma, querida, que seu chororô abala meu bondoso coração – falou Venâncio, em tom de leve reprimenda. – Vou sondar minha obscura inteligência, buscando um lenitivo que lhe sirva de ajuda ou consolo.

- É bom você ficar sabendo de antemão que já apelei para toda espécie de simpatia e superstição – cortou Gertrudes, com o dedo em riste.

- Calma, calma – voltou a repetir Venâncio, um tanto assustado com o tom desesperado da amiga. - Já pendurou uma imagem de Santo Antônio, amarrado pelos pés numa jarra d’água?

- Foi a primeira providência que tomei. Tive que tirar o santo da água, senão ele se desmanchava todo.

- Conversou seriamente com sua imagem, ameaçando colocá-la na geladeira, caso não lhe arranje um namorado?

- Ela está no congelador e já virou picolé.

- Por acaso, você já deu para um rapaz...

- O quê???

- ... a água com que lavou uma camisa sua, para ele beber?

- Já fiz isso com um vizinho e, até agora, não tive nada de resposta.

- É, parece que a situação está mesmo grave pro seu lado.

- Ora se está. Outro dia, fui ao casamento de uma amiga e os pais dela até providenciaram uma queima de foguetes. Na hora em que ela jogou o buquê de flores, eu me engalfinhei com outras pretendentes e quase fui parar no hospital.

- Mas conseguiu o troféu?

- Que nada! Somente arranhões e um olho roxo, por causa de cotoveladas.

- Xiii... E uma folhinha de arruda atrás da orelha, já tentou?

- Aquilo fede tanto que, ao invés de atrair, vai afugentar os pretendentes.

- Tem razão. Vamos procurar outro expediente. Estou consultando o Doutor Google e estou vendo que as receitas são até perigosas. Tem uma aqui, por exemplo, que manda escrever o nome do pretendente numa folha de papel, mergulhando-a, depois, num prato com mel. Toda noite, você irá rezar para que seu pedido seja atendido. O prato deverá ser colocado debaixo da cama e só será tirado depois de alcançar a graça.

- Se eu fizer isso, é perigoso as formigas acabarem comigo antes que encontre um namorado.

- Gertrudes, gostaria muito de poder ajudá-la, mas a receita não é fácil. Uma relação afetiva se constrói com o tempo, mas o tempo não conta hoje em dia. É tudo muito apressado, superficial, amadurece rápido igualzinho banana em sacolão.

- Está bem, mas o que eu faço? Deixe-me uma ideia, qualquer que seja.

Bom, você sabe: quando a gente pensa que uma coisa é fácil, ela muitas vezes se torna difícil, não é? O difícil, você também sabe, não é fácil. Mas nem sempre sabemos que o difícil não é fácil. Quando digo: “você sabe”, estou lhe convidando para fazer um discernimento entre o que é fácil e o que é difícil. Se o difícil fosse fácil, ele não seria difícil; sendo difícil, ele não pode ser fácil. O problema da vida das pessoas é que muitas tomam o fácil como difícil, tornando difícil aquilo que é fácil; de outro modo, outros acreditam que o difícil é fácil, facilitando aquilo que, por natureza, não é fácil, mas difícil. Então, meu conselho para você é que viva essa sua situação como sendo difícil. Afinal, só valorizamos o que conquistamos de maneira difícil, enquanto o fácil é facilmente descartável. Vivendo o difícil, ele se tornará fácil, uma vez que vale a pena. E tudo que vale a pena, ao fim, tornar-se-á fácil, justamente por valer a pena. Entendeu, meu Raio de Sol?

- Hããã???

- No mais, bola pro mato, que o jogo é de campeonato!

Etelvaldo Vieira de Melo


0 comentários:

Postar um comentário