É certo
uma pessoa julgar que sua vida só tem sentido em razão de excepcionais
acontecimentos, coisas extraordinárias ou quando consegue realizar um grande
sonho?
Penso
que não deve ser assim. Para ilustrar esse meu desacordo, recorro a uma
história ocorrida com Mahatma Gandhi.
Já
suficientemente famoso, Gandhi foi procurado um dia por dois jovens.
-
Gandhiji – disseram eles com esse tratamento de afeição e respeito. – Queremos
ser seus discípulos. Por favor, inicie-nos na vida espiritual.
Com
muita bondade, Gandhi aceitou-os no seu ashram de Sevagram, encarregando-os de
varrer o pátio coberto de folhas secas. Depois, um dos candidatos foi
encarregado de descascar batatas para o almoço, enquanto o outro foi rachar
lenha para acender o fogo. Depois do meio-dia, foram os dois enviados a uma
aldeia vizinha para limpeza nas instalações sanitárias.
E
assim por diversos dias.
Os
dois discípulos esperavam ansiosos que Gandhi os convidasse, finalmente, para a
cerimônia de iniciação espiritual; esperavam, talvez, que se fechasse com eles
numa salinha misteriosamente iluminada, com o ambiente impregnado de perfume de
incenso e, ao som de músicas sacras e fórmulas mágicas, lhes conferisse poderes
extraordinários. Mas nada disso estava acontecendo. Ao contrário, sentiam-se
bem cansados e desiludidos de tanto varrer pátio, descascar batatas, rachar
lenha, limpar instalações sanitárias!
Finalmente,
perderam a paciência e perguntaram ao Mahatma:
-
Gandhi, quando começa o rito sagrado de nossa iniciação espiritual?
- Já
começou – respondeu Gandhi. – Só falta uma pequena coisa.
- Que
é que falta? – perguntou um dos iniciandos, cheio de esperança de ver chegado o
momento solene.
-
Falta vocês aprenderem a fazer grandemente as pequenas coisas – respondeu o
Mahatma calmamente.
Decepcionados,
os dois abandonaram no mesmo dia o ashram e, provavelmente, foram contar aos
amigos que Gandhi nada entendia de iniciação espiritual, tanto assim que os
mandou varrer, descascar batatas, rachar lenha, limpar privadas...
Existe
pessoa que pensa assim: “Minha vida começará a ter sentido quando eu chegar aos
18 anos”. Ou, então: “Serei feliz quando me casar”. Outro: “Quando eu me
formar”. E outro: “Quando eu comprar o meu carro”. E outro outro: “Quando
ganhar o meu primeiro milhão”.
Não
existe nada de errado ter um grande projeto de vida. É até importante, já que
dá um rumo, uma orientação para os atos e comportamentos. Errado é achar que a
vida se justifica e passa a ter sentido só com esses grandes acontecimentos.
Muitas pessoas não vivem grandes acontecimentos, suas vidas são feitas de
rotinas, nada de extraordinário lhes acontece! Então, suas vidas se justificam
a partir de quê? Elas precisam se convencer do sentido de “limpar privadas,
limpar instalações sanitárias”. Porque é isso que elas irão fazer durante toda
a vida!
Mas a
ideia de rotina incomoda muita gente. Quando dois conhecidos se encontram, uma
das primeiras perguntas é: “E então, quais as novidades?”. O interrogado se
sente em apuros para arranjar uma novidade qualquer. Se responde: “Está tudo
velho, nada mudou”, é com um sentimento de culpa que ele diz isso, como se sua
vida fosse uma porcaria.
Se você
procura ser feliz com os pequenos acontecimentos e as pequenas conquistas de
sua vida, certamente vai incomodar “amigos” e conhecidos. Eles irão dizer que
você não pensa ‘grande’. Tenho comigo que, mesmo algo maravilhoso e
sonhado lhe aconteça, se não sabe viver os momentos simples, não saberá viver
esse extraordinário. Simplesmente, ele não vai caber dentro de si, você vai
ficar sufocado. Igual aquela pessoa que rezava e dizia: “Deus, quero conhecer o
Senhor, quero que o Senhor se mostre para mim. Mas, por favor, mostre-se aos
poucos, venha devagarzinho. Porque, se o Senhor se revelar de uma vez, vai ser
um choque tão grande... que até posso morrer de susto!”.
P.S.
Eleutério, que ultimamente tem se especializado em ‘piloto de fogão’, manda
este recado para os Leiturinos:
-
Quando tiverem de descascar batatas, não se desesperem.
Etelvaldo Vieira de Melo