A BELA DE ALCEU


Em tempos antigos, quando não havia Paulo Guedes e seu menosprezo pelos pobres, acontecia de babás irem a Disney, em passeios de mentirinha, para tomar conta de bebês de madames. Já aconteceu isso também comigo, de sair vez ou outra a passeio. Entre os lugares que visitei, um dos melhores foi Recife. Ali tomei muito chá de história e cultura (por exemplo, conhecendo o caso de Maurício de Nassau – o homem que fez um boi voar), além de visitar Olinda, com seus casarios, e Porto de Galinhas, uma praia bucólica e acolhedora. Tudo isso sem contar ter conhecido dezenas de pessoas curiosas e bem-humoradas, como foi o caso de Abner, aquele ‘cão chupando manga’, que pensava estar “acima da tampa de Crush”.

Recife apresentou tão somente um senão: a quase total falta de semáforos.  Daí, posso dizer que, se existe uma cidade que trata os carros com toda consideração e respeito, essa cidade é Recife. Pelo menos, é isso que observei quando tentava atravessar as avenidas, três, indo para a praia. Você gasta quase meia hora para cruzar cada uma delas, assim mesmo com risco de vida. Quando chega à calçada do outro lado, tem que se apalpar para ver se não falta nada, se tudo está no lugar. Necessita, também, de uns cinco minutos para desacelerar as batidas do coração. Tudo muito diferente do Sul Maravilha, onde você pode cruzar as ruas de olhos fechados, estando nas faixas desenhadas no asfalto.

Tanto drama acontecia todos os dias. Naquele, também não foi diferente... 

Já passava de meio-dia, mas, como todo bom mineiro que se preza, fomos, minha esposa - Percilina Predilectta - e eu, fazer um tour pela praia da Boa Viagem. (Acho que estou gastando vírgula demais neste texto; depois, não vai sobrar mais nada.)

   Requisitamos umas cadeiras e um guarda-sol, ficando acertado com os proprietários, Anderson e Lula, que o pagamento seria através do consumo de comes & bebes.

   Estranhei ser atendido por aqueles dois, pois julgava que o primeiro estava se recuperando de uma surra de luta livre e o segundo estivesse pelo Brasil afora, empenhado em campanha política (o fato sucedeu em tempos pretéritos mais que perfeitos). Quando me falaram seus nomes, considerei estar sofrendo os efeitos da insolação, mas depois vi que o acontecido era uma mera semelhança de nomes, não tendo nada a ver uma coisa com a outra, querendo dizer com isso que o Lula de cá não tinha nada a ver com o Lula de lá, embora a coincidência de nomes e de estado natal.

   Acomodado na cadeira e protegido pelo guarda-sol, fiquei ali olhando para o mar e para as pessoas à minha frente, enquanto bebericava uma cerveja, pensando ser aquela a vida que eu havia sonhado.

   De repente, não mais que de repente, vi três mulheres caminhando em direção ao mar. Enquanto elas se afastavam, julguei, tendo por base a perspectiva traseira, que uma delas era La Belle de Jour, não a Catherine Deneuve, do filme de Luis Buñuel, mas aquela da Boa Viagem, cantada nos versos de Alceu Valença.

   Acontece que eu estava limpando os óculos quando se afastaram as três. Assim que retornaram, fiquei decepcionado com a visão dianteira, sendo essa Belle um tribufu, mais feia do que capeta chupando limão. De qualquer modo, não descartei de todo a hipótese de ser ela a musa de Alceu, pois a música já vai pra mais de vinte anos de existência e o tempo é implacável com todo ser humano.

   Juntando uma coisa com outra, isto é, procurando dar um desfecho para este relatório, acabando de vez com este arreidei, quero dizer que me senti feliz em resgatar um pouco da história daquele compositor pernambucano. Só fiquei amofinado por não saber o local exato em que La Belle apareceu frente aos olhos de Alceu, nem mesmo se era uma figura real, como a Garota de Ipanema de Vinícius, ou se era fruto da imaginação desse outro compositor. Quando pesquisei sobre o tema, as opiniões foram tão desencontradas e esdrúxulas (indo de dona Zazá a Zuzu, passando por Catherine, Brigitte Bardot, uma quenga e uns baseados) que julguei por bem deixar os créditos na conta de tanto sol na moleira, dos analistas e do compositor.

Ainda estava em altas reflexões, quando Percilina chamou minha atenção para a necessidade de retornarmos, já que teríamos que gastar quase duas horas só para cruzar as três avenidas. Despedimo-nos amistosamente de Lula e Anderson e rumamos, em paz com vida, para o aconchego de nosso hotel, sabendo que – nos dias seguintes – novas e emocionantes aventuras nos aguardavam.

PS: Depois desta declaração de amor, aceito o título de cidadão recifense.

Etelvaldo Vieira de Melo


0 comentários:

Postar um comentário