DE BOAS INTENÇÕES O INFERNO ANDAR CHEIO

 

DIZEM que, de boas intenções, o inferno anda cheio. Desconheço de onde tiraram essa ideia: alguém foi lá para comprovar tal assertiva?

 Mesmo não apresentando atestado de bons antecedentes, esse ditado não deixa de ser verossímil, dada a nossa experiência do dia a dia. Para comprovar, veja o que aconteceu comigo recentemente.

Tendo que comprar alguns medicamentos, para atender a logística pazuellana em vista de iminente viagem, fui direto a uma drogaria que ostentava no nome a pretensão de oferecer produtos a baixo custo. Um painel na entrada do estabelecimento apregoava: 

DROGARIA TOTAL POPULAR

Quando entrei no recinto, tive que me sujeitar a uma pequena fila, coisa normal para os padrões brasileiros e instituição muito apreciada em Portugal (a fila, ou bicha – como ali é conhecida). Assim que fui atendido, retirei do bolso da bolsa um papel com a lista (não dos velhos amigos, mas com a relação dos remédios que necessitava). A atendente foi registrando um por um os nomes na máquina do caixa. Ao final, ligou para um número secreto, de onde lhe passaram os valores a serem cobrados. Como o montante total não atingiu R$ 100, acrescentei mais uma cartela de Dipirona para ter direito ao parcelamento de duas vezes.

Após a compra, saindo por deveras satisfeito em direção ao passeio da rua, fui abordado por uma senhora, que foi logo dizendo:

- Já foi o tempo em que essa drogaria vendia barato.

- Hoje, as pessoas ficam fazendo fila para comprar, mal sabendo que está tudo caro.

- A gente compra medicamento por necessidade. Se fosse para embelezar, a gente ia a uma perfumaria.

- Seguindo esta mesma rua – disse, apontando com o dedo numa direção – três quarteirões à frente, você vai encontrar uma outra drogaria com preço muito mais em conta.

(Meu coração bateu mais acelerado, enquanto os olhos brilharam, arregalados.)

- Recentemente, perdi um filho com 20 anos. Você pode falar lá que eu te indiquei. Meu nome é Euzimar, e a drogaria tem o nome de ...

Embasbacado com tanta informação, só fiquei balbuciando “sim, sim” para tudo que Euzimar despejava no meu ouvido.

Assim que nos despedimos, caminhei resoluto em direção à dita drogaria. Embora não estivesse necessitando de mais medicamentos, sabia que eles nunca eram demais, já poderiam ficar como estoque.

Chegando ao local, achei a aparência da loja um tanto mixuruca. Mesmo assim, dando crédito à recente amiga, saquei a lista e comecei a ditar para o atendente que, com atrevimento, a tomou de minha mão e começou a pesquisar.

- Este não tem. Este outro... também não tem. Este, deixe eu ver o valor.

(Era um colírio composto de dorzolamida e timolol.)

- ... Ele está custando R$82,40.

Assustado, tomei a lista e disse um ‘muito obrigado, depois retorno’ pro atendente. (Na Drogaria Total Popular, o colírio havia custado R$29,90.)

No entanto, como julgava ter dado muito trabalho ao atendente, resolvi comprar umas caixas de Vitamina C. Uma unidade custava R$8,90. Caso levasse três, o preço unitário cairia para R$6,90. Achei até razoável. Só que, na hora de pagar, o atendente fez uma confusão danada, não acertando com o preço total (R$20,70) de jeito nenhum. Tive que pegar o prospecto da promoção e fazer as contas pra ele. Constrangido, falei:

- O valor do desconto é mínimo, mas, como diz o ditado, “de grão em grão, a galinha enche o papo”.

(Como as galinhas hoje comem é ração, não sei se o ditado ainda tem validade. Prometo pesquisar a respeito.)

Ao final, não querendo desmerecer Euzimar, penso que ela corre um sério risco de ir pro inferno com suas boas intenções. Ah, isso ela corre!

Etelvaldo Vieira Melo


0 comentários:

Postar um comentário