AS SEMENTES DA CORGAEM E O SOM DA COR

 

“O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África”.

(Antônio Vieira)

Pessoas, livros, mapas e líderes existem para nos ajudar a percorrer caminhos.  Muitas questões, conceitos e preconceitos estão presentes na história dos povos. Na história e nos becos do Brasil. O som da cor acompanha as versões e interpretações da nossa cultura. No trilho de vozes, nas mãos calejadas pelo trabalho duro e no brilho de rostos que canta e encanta, a raça negra construiu o Brasil. Forçados a migrarem para o Novo Mundo, várias nações e tribos africanas fizeram o Brasil. As gerações que se seguiram colheram os frutos dessa gente sofrida. Entre tantos líderes, permanece viva a figura de Zumbi dos Palmares. Encarna e lembra muitos líderes que “fizeram o brasil, Brasil” e que "fazem o Brasil", trazendo lições de trabalho, arte e afeto.

No final do século XVII, o padre Antônio Vieira afirmou: “O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África”. O que foi acontecendo, ao longo dos séculos, com nossa brasilidade e maneira de perceber a história? Na diáspora social, a afirmação da “consciência negra” foi-se sedimentando com dor, coragem, arte e conquistas. Não se pode esquecer que o racismo, como ideologia elaborada, é fruto da cultura moderna a serviço da dominação. O combate ao racismo acontece no interior da luta social, através de um processo de “descolonização cultural”. Segundo a filósofa Angela Davis: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.

O preconceito e a segregação, segundo o filósofo Martin Buber, põem a relação “Eu-Isto” em lugar da relação “Eu-Tu” (o Outro) e termina por relegar as pessoas à categoria de coisas. Tudo que degrada a pessoa é injusto, fere a alma e rebaixa o ser humano. As diferenças culturais, religiosas, de raça e gênero, como outras, são reais e históricas.

Como sempre, a inspiração para a luta vem das bases com os movimentos sociais e a articulação de grupos pela justiça e pelos direitos humanos, políticos e sociais, apesar dos limites que fazem parte da história. Diante da “ordem burguesa” ou do “branco moderado e morno”, somos convidados a abrir propostas solidárias e éticas, a suscitar não apenas emoções, mas inquietações para estimular outras ações a serviço de uma causa humana, social e cultural justa.

É bom lembrar a “Missa dos Quilombos”: letra de Dom Pedro Casaldáliga, Pedro Tierra e Milton Nascimento. Foi celebrada em Recife (1981). Na homilia, Dom José Maria Pires afirmou: “Mais longa que a servidão do Egito, mais dura que o cativeiro da Babilônia, foi a escravidão do negro no Brasil. O negro como negro continua marginalizado”. Isso lembra tantos espancamentos, assassinatos e violências, São vítimas desse processo histórico perverso. Como a música de abertura da Missa dos Quilombos: “Estamos chegando do alto dos morros / estamos chegando da lei da Baixada / das covas sem nome chegamos / viemos clamar”. O passado vive pesadamente nas consciências.

No Brasil, atualmente, tem-se falado muito o nome de Deus. Muitos partidos políticos proclamam: “Deus, família e democracia”. Qual Deus? Na realidade emagrecem a democracia. Infelizmente ainda caminhamos no século XXI com uma sociedade adaptada ao status quo. Como tornar real a democracia?

O problema não é novo. É de todos os tempos. Quem mais proclama o nome de Deus é quem tem menos direito de falar dele. A história guarda cenários para interpretar o tempo presente. A solidariedade não é apenas uma resposta a problemas individuais, mas a problemas sociais. A união dos seres humanos é o cimento da moral.

Nossa brasilidade é construída com cores e dores. O tema “Consciência Negra” é um convite à reflexão para um amplo debate na sociedade e, assim, continuar os enfrentamentos – avançando e abrindo caminhos de humanização. Concluo com o pensamento de Martin Luther King em sua “Carta a colegas de bom senso”: “Chegamos agora ao momento de tornar real a promessa da democracia e transformar nossa promissora elegia nacional num salmo criador de fraternidade. Chegamos agora ao momento de elevar nossa política nacional da areia movediça da injustiça racial ao rochedo inabalável da dignidade humana”. Não importa quão duro seja o presente, precisamos reinventar o futuro com sementes de coragem, esperança e solidariedade.

Mauro Passos

1 comentários:

Anônimo disse...

Dizem que o vírus é democrático por que atinge a todos, mas a forma de enfrentamento é muito diferente. Cinquenta por cento literalmente com o pé no esgoto, sem saneamento básico, sem água potável e sem coleta de lixo na sua porta. Mais de 13 milhões habitam favelas em completa exclusão social. Estima-se 20 milhões de desempregados pós pandemia e o vírus bolsonaro.
A abolição da escravatura só serviu mesmo pros fazendeiros receberem fortunas pra jogar os pretos na rua ( sem casa, sem trabalho, sem comida e sem um tostão furado)! Farsa grotesca para os brancos se sentirem desculpados, que conforme expliquei acima, continuam sem duvida alguma na condição de escravos!
Não é sinônimo de saúde estar adaptado a um mundo doente (Jidu)

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