- Rubem Alves
Em suas múltiplas dimensões, a vida possibilita diferentes
leituras, umas que são conformes, enquanto outras são opostas e até mesmo
contraditórias. O presente texto é uma abordagem sobre a religião na vida das
pessoas. Seu propósito é o de possibilitar uma reflexão crítica, apresentando
ideias que destoam do senso comum. Como destacou a autora, “não acredito em
acreditar, minha abordagem é conhecer, que começa pela dúvida”. Sem dúvida, seus
termos contundentes são bem-vindos, notadamente nesses tempos, onde a religião
é usada com interesses tão estranhos, dando razão às palavras de Jonathan
Swift: "Temos bastante religião para nos odiamos, mas não o suficiente
para nos amarmos". Chocante para muitos, esta apresentação de Elis Querald
é provocativa e incomoda. Mas é também um convite à reflexão, necessária nesses
tempos onde política e religião aparecem misturadas numa relação promíscua, uma
conspurcando, sujando e explorando a outra, com a religião sendo usada de
maneira cínica e debochada para fins políticos e eleitoreiros, enquanto a
política aparece de forma obscura e muito suspeita nos templos e nas igrejas.
A religião é uma questão geográfica, depende de onde você nasce: se você nasce no Brasil, é cristão; se tivesse nascido na Índia, seria hindu; se nascido no Japão, budista; nos Emirados Árabes, seria mulçumano. As religiões foram criadas para ajustar o cidadão ao seu meio, com cada uma delas impondo a sua própria verdade, para que o seguidor tenha uma relação funcional e prática com a sociedade ou com a realidade. É uma empresa que molda o comportamento humano através do medo, através do ajustamento a essa SOCIEDADE CORRUPTA e VIOLENTA. Veja o caso do Cristianismo: usam um livro (Êxodo 21:07) dizendo que a filha mais nova deve ser vendida como escrava; no Êxodo 35:02, que deve ser levado à morte quem trabalha no sábado. Se sua mãe teve um vestido feito com duas agulhas diferentes, deve ser morta; se seu irmão tem plantações diferentes lado a lado, deve ser apedrejado; enquanto isso, você deve amar seu inimigo mais que seu próprio filho. Esses são exemplos de loucura! Essa loucura é a explicação que eles encontram para a loucura do mundo.
A crença
é a base de todas as religiões, e a crença é a base da destruição da
inteligência humana. Há 7 milhões de deuses criados pelo ser humano no mundo, e
cada um pensa que o seu deus é o correto. Parece que a finalidade de existirem
tantas religiões seja atender às expectativas múltiplas dos seguidores, esperando
que alguém lhes diga o que fazer, o que é certo, o que é errado, dando-lhes um
padrão de conduta. Para isso, baseados na FÉ, criam um salvador.
As
pessoas querem certeza, querem permanência (num Universo onde só existe
impermanência) e, para isso, criam a religião, a crença, um ideal, um deus.
Não
acredito em acreditar, minha abordagem é conhecer, que começa pela dúvida. Se
você acredita em algo, parou de questionar a devoção em forma de comédia e
erros. Um exemplo disso foi a evangelização dos índios brasileiros, que não
passou de exploração de seres humanos considerados selvagens, primitivos, que
precisavam ser salvos por meio da revelação, o catastrófico espaço
civilizatório de violência dos europeus.
Não há
conexão entre religião e saúde mental, pois a religião é antissaúde mental: é
medo, é culpa, é dívida, é dominação, uma eterna necessidade de remissão,
dominação, controle e exploração. Ao contrário da religião, a saúde mental
demanda liberdade, lucidez, autocompreensão, autoconhecimento, percepção.
Freud
fez uma reflexão sobre a religião, de que a relação com deus é a continuação da
criança pedindo cuidado paterno. Que são crianças que se sentem irresponsáveis,
incapazes e, a partir dessa ótica de criança, pede-se a deus que intervenha no
mundo para satisfazer seus desejos e castigar seus inimigos.
Se já
não bastassem as religiões, aparece outro grupo, os ateus, com a certeza de que
têm a verdade. Construíram o ateísmo, que me parece bem próximo das religiões,
falam que deus não existe 24 horas por dia, e nem percebem que também são
pertencentes a um grupo, que repetem a mesma coisa como papagaios, não percebem
que também são seguidores e que descobriram a verdade: deus não existe, e isso
é crença.
Nesta
busca de um salvador, não se excluem ainda os que estão confusos e, na confusão
sobre deus e nos conflitos internos sobre si mesmos, tornam-se dependentes de
um psicólogo ou psiquiatra para lhes dizer o que fazer, o que é certo, o que é
errado, tornam-se também incapazes, crianças pedindo cuidado, impulsionados
pela dependência e pela procura de um mestre, um salvador para o ego, que é a
raiz de todo medo.
Pode
alguma autoridade externa livrar alguém do medo? E, quem sabe, pode alguma
autoridade interna livrar alguém do medo?
Pode uma
autoridade, religiosa ou profissional, criar um método, uma coerção, um sistema
de ensinar alguém a amar?
Pode
alguém pensar que está mais bondoso, não violento, e acreditar que isso tem a
ver com amor, com essa dimensão chamada amor, que está além da confusão do
pensamento?
A
religião, a terapia, o ateísmo só reforçam o ego, e o AMOR só acontece quando
há o abandono de nós mesmos.
Cada
religião criou uma imagem de deus, que não passa de autoproteção, de barganha,
de escapamento do conflito e do desejo de um paraíso permanente. A religião
paradoxalmente reforça o ego, e o amor só existe se você (o eu) não está. Não
estou falando dessa palavra amor corrompida, de domínio, inveja, controle e que
às vezes até mata. Estou falando do amor que quando há você, não há amor, e
isso significa que você não está mais buscando, nem desejando, nem perseguindo,
pois só há amor.
No
Brasil, o Pentecostalismo tem avançado de forma assustadora: perceberam que o
ódio engaja mais que o amor. 60% das crianças pobres nunca foram à pré-escola,
revelou estudo do PNE, mas já frequentam igrejas evangélicas. Ali o sentimento
puro é corrompido pelo intelecto e sua mediocridade.
Enfim, a
palavra deus não é deus, a palavra amor não é amor. Talvez a única forma de
permear Deus, o amor, seja a compreensão do que não é deus, e do que não é
amor. Talvez a única forma de descontruir todas as certezas seja não querer ser
mais esse personagem que você vem tentando interpretar todos os dias.
O céu e
o inferno não são lugares circunscritos, são a própria mente que se entrega ao
medo do suborno do céu ou ao medo da ameaça do inferno.
O amor
por deus é uma projeção da própria imaginação, de si mesmo e de todos os
desejos pessoais.
Concluindo.
A nossa
espécie é a única que pratica crueldade na face da terra, nenhum outro animal
tortura outro animal. Pensamos ser sentimentais, mas podemos ser cruéis quando
contrariados. Pensamos ser emotivos, mas somos facilmente estimulados ao ódio,
ao genocídio, à maledicência, ao egoísmo, a indiferença ao sofrimento
alheio. E o pior, pensamos que
conhecemos Deus, o AMOR.
Elis
Queralt