Raimundo
trabalhava de servente de pedreiro. A cor de sua pele era de um pardo
indefinido, escondida por trás de uma mistura de cimento, poeira e cal. O
cabelo encarapitado estava sempre grisalho, como se estivesse coberto de neve.
Raimundo era conhecido pelo nome somente em
casa, pela esposa e pelos sete filhos. Sua esposa, Clotilde, ora o chamava de
Reimundo, nos momentos de braveza, ou de Mundinho, quando o mau humor lhe dava
trégua. Os filhos invariavelmente o chamavam de paiê. Já Raimundo chamava sua
mulher de Crotildes. No serviço, ele era conhecido como Zé da Sacola.
Raimundo, morava na periferia da periferia da
cidade, em um aglomerado próximo a uma fábrica. Todo dia da semana, quando o
apito da fábrica tocava três vezes para a troca de turno das seis horas, ele já
estava quase chegando ao centro da cidade. Ali, deveria tomar outra lotação até
o serviço, pois era assim sua rotina: duas conduções pra ir, duas pra voltar.
Agora, estava ajudando a levantar um prédio.
O dia ficava por conta do trabalho, com
direito a uma pausa de uma hora para o almoço. Então, Raimundo se afastava
discretamente dos companheiros e, de cócoras, abria a marmita. Via de regra, a
comida era constituída de arroz, macarrão e feijão; de mistura, uma couve ou um
tomate fatiado. A comida estava fria. Raimundo, fazendo lembrar aquela música,
costumava tomar uma birita para espantar a tristeza. Depois, comia um pedaço de
rapadura como sobremesa.
Quando voltava para casa, de tardezinha,
passava num supermercado para comprar alguma coisa encomendada pela Crotildes.
Quase sempre tinha que comprar sabão, pois a mulher lavava roupa um dia sim e o
outro também. Nos dias de pagamento, a sacola ficava mais pesada.
Foi justamente num dia de pagamento, estando
já a caminho de casa (ele tinha que andar por cerca de 25 minutos, depois de
descer da lotação), que Raimundo, estando muito cansado, sentou-se no chão,
junto a uma pedra que estava à beira do caminho. Fechou os olhos e respirou
fundo. Não sabe quanto tempo passou, mas se lembra de estar dizendo:
- Eta
vida amargurada, sô! Melhor seria se me aparecesse a morte.
Nem bem
pronunciou tais palavras, um vulto de negro surgiu à sua frente, carregando uma
enorme foice ao ombro.
- Chamou?
– perguntou a figura, com voz cavernosa.
Raimundo
se encolheu, apavorado. A outra repetiu:
- Pois
não, seu Raimundo. Em que posso ajudar?
Redobrando
um pouco a coragem, Raimundo disse:
- Não dá
pra senhora me ajudar a levar esses mantimentos até em casa?
Raimundo
não sabe se, como concordância ou ameaça, a senhora de negro se aproximou. Ele,
em desespero, começou a correr. Foi quando acordou e viu um cachorro preto
roubando da sacola um pacote de salsicha. Colocando o cão pra correr, Raimundo
pensou:
- Estou
vendo: quem abre a boca sem pensar acaba engolindo sapo sem querer.
Outra
Moral:
Se é
preciso ter cuidado com as pedras que estão no meio do caminho, mais ainda é
preciso com as que estão lá pelas beiradas.
Etelvaldo Vieira de Melo
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