(Divagações em torno de um programa de TV do
dia 28/01/2018))
-
Colegas de auditório, vamos cumprimentar o senhor presidente.
- Boa
noite, senhor presidente. – O auditório, todo ele feminino, fala em uníssono,
como se tivesse ensaiado.
- Data
venia, boa noite. É com prazer inusitado que me dirijo às senhoritas e aos
milhares, milhões de telespectadores.
- Ai! I,
i, i, i... – ri o apresentador, replicando os “is” como se estivesse engasgado.
– Mas vamos ao que interessa. Como dizem os amigos americanos: time is money. A
questão é: a Previdência está quebrada?
-
Quebradérrima, diria eu. Se não fizermos uma reforma urgente, não terei como
pagar aos meus queridos aposentados nos próximos meses.
- Por
que isso aconteceu?
- Os
fatores são vários. Eu detectaria, em primeiro lugar, que estamos pagando o
preço da evolução, da modernidade.
- Como
assim?
- Na
vida, tudo tem um preço. Veja bem: eu mesmo, para chegar aonde cheguei, tive
que pagar caro. Agora mesmo estão os deputados me cobrando para arquivar mais
uma denúncia de corrupção. Está claro que vou pagar, embora o dinheiro não seja
meu propriamente, mas de nossa pátria mãe gentil.
- Vamos
nos ater ao script, para que eu não me perca.
- Pois,
então: eu me referia à expectativa de vida. Não faz sentido um trabalhador
braçal se aposentar aos cinquenta anos, como aconteceu comigo, e viver até os
sessenta, setenta anos. Imagine quando ele puder chegar aos noventa, cem anos!
Vivendo mais dez, vinte anos, o aposentado estaria contrariando aquela máxima
de ser chamado de “pé na cova”.
- Se
entendi bem: vivendo mais, trabalhar mais. Faz sentido.
- Eu,
por exemplo, embora recebendo uma gorda aposentadoria, continuo trabalhando
como político. E digo para vocês: o trabalho enobrece o ser humano.
- Eu
sei, Senhor Homem da Mala. Além da expectativa de vida ter aumentado, existe
outro fator de quebra da Previdência?
- Sim,
Senhor Homem do Baú. É preciso que o telespectador entenda: o buraco da
Previdência fica mais em cima, assim como o da Saúde, da Educação, do
Saneamento, enquanto quase todos os outros estão em baixo. Assim, apesar de
arrecadar muito, e nesse sentido ela não é deficitária, tem que repassar
valores para outras partes.
-
Exemplos, por favor.
- Eu
pergunto para você: tem sentido gastar com aposentado enquanto deixo de
desonerar e perdoar dívidas de latifúndios, grandes empresas e Bancos? Faz
sentido eu pagar alguns milhares de reais para aposentadoria de milhões de
pessoas, quando esse dinheiro poderia ser repassado para engordar outras
aposentadorias de magistrados (e de seus descendentes), de militares (e de seus
descendentes), de desembargadores, procuradores e políticos?
- Eu
mesmo tive um banco que, se não houvesse ajuda do governo, teria me provocado
grandes dores de cabeça. Ai, Ai! I, i, i, i... Mas, realmente, o senhor tem
razão. Eu só iria discordar se não vivêssemos num regime de castas.
- Ainda
bem que você entende. A reforma trabalhista que aprovamos foi justamente para
colocar cada um no seu devido lugar, em especial os párias.
- Diante
desse quadro, o que sugere que seja feito pelas pessoas?
- Minha
sugestão é que busquem aposentadorias complementares. Como o governo é uma mãe
Joana só para alguns, sugiro aos assalariados reservarem uma quantia todo mês,
algo em torno de R$500,00 (quinhentos reais), para uma aposentadoria
complementar. Assim, aqueles que puderem e derem conta, estarão com os
restantes dias de vida um pouco resguardados para arcar com medicamentos e
planos de saúde.
-
Infelizmente, nosso tempo se esgotou. Pelo que vi e senti - ai, ai, ai, i, i,
i, i... - o senhor está fazendo jus ao slogan: “uma ponte (e não uma pinguela)
para o futuro”.
- Muito
obrigado pela oportunidade desse profícuo diálogo com os cidadãos de nosso
amado país. Data venia. E toma um dinheirinho aí, pra pagar a participação no
seu programa – diz o Presidente, enfiando uma nota de 50 reais no bolso do
apresentador.
-
Colegas de auditório: a seguir, muitos aviõezinhos de cinco e de dez reais.
Aguardem, após os comerciais. Agora, vamos aplaudir e dar um adeusinho pro
nosso presidente.
Apresentador
e Presidente se abraçam, com o sentimento de terem passado direitinho aquele
recado ameaçador para a plebe. Enquanto isso, o auditório, de pé, aplaude e
acena um adeusinho.
(Texto publicado originalmente em 01/03/2018)
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Se foram, Delfim e Sílvio, os dois serviram à ditadura militar no Brasil e as fortunas que fizeram em vida não foram conquistadas por mérito, mas por "fraquezas éticas".
Silvio camelô? Fake News! A família Abravanel era abastada. Silvio fez um acordo com ACM e conseguiu adquirir a emissora. Ele tinha um programa no SBT que dava voz à ditadura. Ficou milionário iludindo os pobres com o tal baú da felicidade!
Atual substituto, na mesma linha de vender o sonho de ficar rico, aparece Paulo Marçal🤢 o extrema direita que quer a cadeira do Bozo que cheira enxofre.
E seguem os fãs Bolsonaristas….
Segue aquela galera liberal, privatista, contra o Estado malvadão, ou vivendo às custas do Estado, sem nada ter produzido para tal, ou lotando locais de provas de concurso nacional unificado, para se tornar um servidor público federal!
Ignorância ou canalhice?
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