Quando Sócrates ia para a praça
(ÁGORA) fazer preleções para os jovens atenienses, costumava passar em frente a
uma sapataria. Sócrates conhecia o sapateiro, tendo inclusive lhe encomendado
alguns pares de sandália. Sabendo que o amigo não andava com as finanças em
“céu de brigadeiro”, o sapateiro nada lhe cobrava, só pedindo para que Sócrates
mencionasse seu comércio enquanto discursava (inaugurando já naquele tempo,
mais de 2 mil e quatrocentos anos, o que hoje chamamos de merchandising). Pois
foi assim, enquanto fazia parto das ideias, com sua maiêutica, e exercitava sua
famosa ironia, que Sócrates passou a fazer referências ao sapateiro como aquele
que tem competência para produzir um calçado. Ele usava esse argumento para
provar que o governo da cidade deveria ficar nas mãos dos mais competentes, e
não daqueles comedores de leite condensado e espetinho de camarão. Ele era tão repetitivo nessa argumentação que
aconteceu de um velho conhecido lhe dizer:
- E aí, Sócrates, ainda contando a velha
história do sapateiro?
Esse mesmo conhecido, participando de uma
preleção de Sócrates, perguntou-lhe:
- E aí, Sócrates, pode me dizer se peixe fecha
os olhos quando dorme?
- Não sei dizer, respondeu Sócrates
prontamente.
- Como assim, não sabe dizer! Você não é o
senhor Sabe Tudo, o homem mais sábio de Atenas?
(Como pode ver, esse conhecido era bem
encrenqueiro e provocador.)
- Olha, meu amigo – filosofou Sócrates,
controlando-se para não esgoelar o outro, - o que eu sei é que nada sei.
Estou fazendo essa referência histórica, com
base em alguns fatos e em muita fantasia, como forma de resposta para aqueles
que, vira e mexe, implicam de eu estar sempre falando das caminhadas que faço
pelas ruas do bairro, encontrando com alguns amigos e indo até o Sacolão
Gigante, aquele que é grande no tamanho e baixinho nos preços. Outra referência
é minhas idas de ônibus até o centro da cidade, onde, invariavelmente, faço
compras em farmácias e no Mercado Central.
Foi isso que aconteceu naquela sexta-feira,
quando me dispus a ir até um tal de “BH Resolve”, para renovar a carteira de
passe-livre nos ônibus.
Andando pelo centro da cidade, notei que ele
estava vazio, quase que jogado às moscas (o que seria verdadeiro no sentido
literal, tal a sujeira pelas ruas e calçadas). Ver aquilo fez mal para minhas
vistas, pois estava costumado com um “belo horizonte” e aquilo ali estava feio
demais.
Renovada a carteira por mais três anos, saí
quase correndo em direção ao Mercado Central, sabendo que ali a vista seria bem
melhor.
Quando chegava ao Mercado, fui surpreendido por
uma senhora a dizer:
- Nossa, que alegria!
Ouvindo aquilo,
me dei conta de que estava assoviando, um hábito que me incomoda muito. Acho
que é um tique nervoso adquirido já faz algum tempo, desde que passei a usar um
aparelho auditivo. No início, assoviava aquelas músicas de bangue-bangue à
italiana (tipo “Quando Explode a Vingança”, de Ennio Morricone em filme de
Sergio Leone). Depois, passeio a diversificar o repertório, indo de música
brega até os clássicos. Minha esposa implica muito comigo, dizendo que fico
dando bobeira na rua, parecendo um débil mental.
- Puxa vida! – falei constrangido para a
senhora. – Não é que minha esposa acabou de me recomendar para ficar de bico
fechado?
- Mas o que é que tem? – falou a mulher,
sorrindo à “bandeira despregada”. – Assoviar é sinal de alegria.
- Bom, no meu caso acho que é um tique nervoso.
- Pois, então! Quem dera se todo mundo que tem
um tique nervoso saísse por aí assoviando! O que as pessoas mais fazem é saírem
atirando. Mas como é seu nome mesmo?
- Eleutério.
- Pois, então, parabéns para você, senhor
Eleutério. Continue distribuindo seus assovios.
Foi então que nos despedimos, ela ficando na
primeira loja de queijos. Eu fui até mais adiante, nos Laticínios Irmãos Costa, onde
comprei doce de leite com nata, um queijo canastra e outro sem lactose.
Quando voltei para casa, estava naquela dúvida
se continuava assoviando ou se comprava de vez um revólver. Também pensei na
possibilidade de chupar cana, pois dizem que não tem como uma pessoa chupar
cana e assoviar ao mesmo tempo. Contudo, essa hipótese foi descartada de
imediato, uma vez que não possuo mais dentes apropriados para isso. Agora,
estou dentro se for para degustar um destilado de cana. Aí, vou ter que comprar
daquelas garrafinhas de aço inox para carregar a bebida, daquelas que vejo
muito em filmes e que acho chique toda vida.
Etelvaldo Vieira de Melo