Já disse que escrever neste
espaço tem me proporcionado diversas alegrias. Uma delas tem sido a
possibilidade de viajar no tempo e “entrevistar” pessoas que admiro. Caso que
aconteceu há pouco tempo, quando estive na Rússia, por volta de 1910, e
conversei longa e amigavelmente com Leon Tolstoi. Desta vez, a tarefa que me
impus foi a de entrevistar Benjamin Franklin, outra figura por quem tenho
profunda admiração.
Mas não foi fácil fazer tal
empreitada. Por estarmos vivendo um momento político conturbado, não via como
entrar no espaço aéreo dos Estados Unidos, sem minha cápsula do tempo ser
destroçada por um míssil teleguiado. Por outro lado, o bom senso recomendava
que o combustível a ser usado fosse suficiente tanto para a ida como para a
vinda da capsula, o que iria atrasar em muito o deslocamento até Boston, no ano
de 1788. Confesso que cheguei a cogitar as possibilidades de pedir a ajuda de
Jair Bolsonaro, ele que se diz amigo de Donald Trump, e de Eduardo Pazuello,
especialista em Logística.
Por fim, foi assim na cara e
coragem que me aventurei nessa viagem que, afinal, correu bem, já que
aproveitei o ponto cego do tempo nos Estados |Unidos, que ocorre entre as 23 e
a Zero horas. O resultado você pode ler, a seguir. A entrevista se deu em um
descampado próximo da residência de Benjamin, enquanto brincávamos de soltar
pipa. Antes, alguns dados sobre o entrevistado.
Benjamin Franklin é natural de
Boston, Massachusetts, e viveu de 1706 a 1790. Talvez por causa das limitações
financeiras, frequentou a escola até os dez anos de idade (sua família era
constituída de 20 irmãos, sendo ele o 17º, frutos de dois casamentos do pai,
Josiah Franklin). Benjamin começou a trabalhar cedo como aprendiz na gráfica de
seu irmão. Aos 17 anos, fugiu para a Filadélfia em busca de novas
oportunidades. Daí, viajou para Londres, onde continuou a trabalhar como
impressor. Voltando à Filadélfia, montou sua própria gráfica, onde publicou
jornais e anuários influentes (“Almanaque do Pobre Ricardo” e “O sermão do pai
Abraão”, este hoje considerado o texto mais famoso da literatura produzida na
América nos tempos coloniais). Além de sua carreira como impressor e escritor,
Franklin foi também um notável cientista e inventor. O experimento de soltar
pipa durante a tempestade o levou à invenção do para-raios. Também inventou os
óculos bifocais, o fogão Franklin e o odômetro. Somando a tantas atividades,
ele também se destacou no serviço público e da diplomacia, ajudando a fundar a
primeira biblioteca pública da América, a Universidade da Pensilvânia e a
primeira companhia de seguros contra incêndios. Como político, desempenhou
papel crucial na formação dos Estados Unidos, sendo signatário da Declaração da
Independência e de sua primeira Constituição, além de ocupar o cargo de
primeiro embaixador na França. Enfim,
Benjamin Franklin é essa figura impoluta que faz jus a um aforismo de sua
autoria: “Cedo na cama, cedo no batente. Faz o homem saudável, próspero e
inteligente”.
- Para início de conversa, uma
questão que me preocupa muito. Em minha época, foram criadas umas chamadas “redes
sociais”, que dão vez e voz para muitos imbecis. Como tratar essa gente?
- Bom, eu penso assim: “é
falta de educação calar um idiota, e crueldade deixá-lo prosseguir”.
- Mas tem como argumentar com
tais pessoas?
- “Quando você quiser
convencer alguém, fale de interesses em vez de apelar à razão.”
- Ainda sobre as redes
sociais, enquanto o governo não toma medidas para a sua regulamentação: como me
posicionar diante das discussões e debates?
- Veja bem, para que tenha uma
visão bem clara sobre essa questão. “Se você me coloca sua opinião de maneira
dogmática, diretamente oposta ao meu modo de pensar, e não me deixa espaço para
negociação, eu sou obrigado a concluir – para proteger a mim e a minha
autoestima - que você está errado, e imediatamente vou me empenhar em provar
que você está errado. Por outro lado, se você coloca a sua opinião como uma
hipótese, evidenciando boa vontade para discuti-la e explorá-la, na maioria das
vezes eu vou me empenhar em comprovar que você está certo”.
- Considera a religião
importante para a vida de uma pessoa?
- Considero a religiosidade
importante. Quanto à religião, é preciso tomar cuidado, pois “andar somente
pela fé é andar cegamente”.
- Afinal, religião é um bem ou
um mal?
- “Se os homens são tão maus
com a religião, como seriam sem ela?”
- Como provar a existência de
Deus?
- “Achar que o mundo não tem
um criador é o mesmo que afirmar que um dicionário é o resultado de uma
explosão numa tipografia.”
- Você se considera um
democrata?
- Sem dúvida. Mas, se não
tomarmos cuidado, muitas das vezes “democracia são dois lobos e uma ovelha
decidindo sobre o que comer no jantar”.
- Lá no Brasil, tem muitas
pessoas que, em busca de segurança, sonham com a volta da Ditadura. Tem razão
essa gente?
- "Qualquer sociedade que
renuncie um pouco da sua liberdade para ter um pouco mais de segurança, não
merece nem uma, nem outra, e acabará por perder ambas."
- Quer dizer que você condena
os regimes autoritários.
- “Onde mora a liberdade, ali
está a minha pátria.”
- No meu tempo, uma tal “Lava
Jato” inaugurou um movimento político de muita mentira e de muito ódio.
- Pois escreva aí: “Tudo o que
começa com raiva acaba em vergonha”.
- Mudando de assunto. Tem
algum conselho para o dia a dia?
- “Não antecipe os problemas,
nem se preocupe com o que talvez nunca aconteça. Aproveite a luz do sol.”
- Certamente, trata-se de um
bom conselho: não antecipar problemas, nem se preocupar com o que talvez nunca
aconteça. Mas a vida costuma pregar peça, não?
- “A tragédia da vida é que
ficamos velhos cedo demais. E sábios tarde demais.”
- A vida deve ser conduzida
pela emoção, pela paixão, concorda?
- “Se a paixão conduz, deixe a
razão segurar as rédeas”.
- Um grande valor da vida.
- A amizade. “Um irmão pode
não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão”.
- Mas não podemos, como se
diz, misturar alhos com bugalhos, envolvendo, por exemplo, dinheiro e
amizade...
- Bem verdadeiro. "Aquele
que empresta a um amigo, perde o dinheiro e o amigo".
- Falando em dinheiro, é ele o
bem mais importante?
- “Se queres saber o valor do
dinheiro, tenta pedi-lo emprestado”. Agora, “aquele que acreditar que o
dinheiro fará tudo pode bem ser suspeito de fazer tudo por dinheiro”.
- Um outro conselho, agora
para um casamento feliz.
- “Antes do casamento os olhos
devem estar bem abertos; depois do casamento, semicerrados.”
- Uma distinção entre tolice e
sabedoria.
- “O coração de um tolo está
em sua boca, mas a boca de um sábio está em seu coração.”
- O que dizer da Esperança?
- ‘Quem vive de esperanças
morre em jejum.”
- Três coisas difíceis na
vida.
- “As três coisas mais
difíceis do mundo são: guardar um segredo, perdoar uma ofensa e aproveitar o
tempo.”
- Agora, uma questão que irá
agradar especialmente aos enólogos: para você, o que representa o vinho?
- “O vinho é a prova constante
de que Deus nos ama e deseja nos ver felizes.”
- Todavia, contudo,
entretanto...
- “Toma conselhos com o vinho,
mas toma decisões com a água.”
- Concluindo nossa breve
conversa, um conselho para o Ano Novo que acabamos de iniciar.
- “Esteja sempre em guerra
contra seus vícios, em paz com o próximo, e deixe que cada ano traga uma versão
melhor de você mesmo.”
- Muito obrigado, meu grande
amigo.
- Não tem de quê. Disponha
sempre. E lembre-se sempre daquele famoso ditado: “Neste mundo nada pode ser
dado como certo, à exceção da morte e dos impostos”.
Etelvaldo Vieira de
Melo