FÁBULA NEBULOSA: O BÊBADO E O BALCONISTA
                                  Em homenagem a Millôr Fernandes, que “abandonou o mundo”   ( em 27/03/2012.

Plínio era alcoólatra e morador de uma pequena cidade chamada Rua Comprida. Esse nome se deve ao fato da cidade ser constituída por uma única rua, formada por algumas centenas de casas.
Você sabe como é um bêbado: quando encontra você pela frente, logo vem com aquela conversa esquisita, aquela fala arrastada, fica pegando no seu braço e cuspindo no seu rosto, com aquele hálito de matar até defunto.
Felizmente, toda regra tem suas exceções e Plínio era uma delas: tratava-se de um cachaceiro manso, voltado para si mesmo e que pouco incomodava as pessoas. Todos os dias, fazia seu giro pelos botecos, iniciando e fechando sua rodada no chamado Bar  do Lulu. Em todos os lugares, o ritual era simples e de poucas palavras: retirava do bolso do paletó seu copo (na verdade, uma cuia formada pela metade de pequena cabaça), onde o dono do boteco despejava uma dose de cachaça. O valor era debitado e depois pago pelos parentes, uma vez que Plínio era de família estribada – expressão nordestina, embora o caso acontecesse no interior das Minas Gerais.
Parece que ele não era uma pessoa religiosa, pois nunca foi visto despejando uma gota sequer de bebida para os santos. De qualquer modo, lá ia tocando sua vida sem maiores sobressaltos, a não ser por pequenos tropeços e uma ou outra queda pelas poeirentas ruas da cidade.
Aconteceu, porém, o dia em que Plínio desapareceu de Rua Comprida, ficando ausente por quase dois meses. Quando voltou, estava corado, bem disposto e até tendo engordado alguns quilinhos. Todo mundo quis saber o motivo de tamanha ausência. Foi justamente isso que lhe perguntou Lulu, quando Plínio retornou ao seu bar.
- O que aconteceu foi que comecei a me sentir muito mal – explicou nosso personagem. – Imagina você que, estando sentado naquela cadeira ali – e apontou para uma cadeira de plástico, junto a uma mesa – de repente, vi passando na minha frente um tatu. Pensei comigo: Cara, você está ruim mesmo, está tendo o que especialistas chamam de “delirium tremens”. É bom você ir para a capital e se tratar. Foi o que fiz e esse é o motivo de minha ausência da cidade.
- Por que você não me disse na hora? – foi logo interrompendo Lulu, dando boas risadas. – Acontece que eu tenho mesmo um tatu aqui em casa. - Dirigindo-se à sua mulher, acrescentou: - Vai Marieta, traga o tatu para que o nosso amigo possa ver.
Saiu Marieta, que voltou daí a pouco, trazendo em seu colo um tatu.
- Trata-se de um tatu de estimação, bem manso, como está vendo – explicou Lulu. – Ele até tem nome: Tatubel, uma homenagem ao metrô da capital mineira, promessa de campanha política. Se for tapeação, quero dar de presente para determinado político, já que meu tatu fura e não enrola.
Plínio se aproximou do tatu e, de dedo em riste, falou bravo:
- Seu fdp cascorento. Por sua causa, achei que estava ficando doido. Vai, Lulu, desce todas as garrafas de pinga da prateleira, que vou descontar o atraso e tirar a barriga da miséria.
E assim ele fez.
Moral: Ao tomar uma decisão mais radical, veja se não tem um tatu pelas proximidades.
Etelvaldo Vieira de Melo
            

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