O PÁSSARO QUE NÃO PODIA VOAR (EPÍLOGO)

Assim, os dias foram passando. Eu agitava as asas o tempo todo, achando que, fazendo desta maneira, estaria melhorando suas condições. Todos os dias, à tarde, eu tinha a indesejável visita do cachorrinho e sua dona. Assim que chegavam ao meu campo de vista, logo eu me punha a piar. A dona jogava água nas plantas com uma mangueira, tendo o cuidado de manter o cãozinho longe de minha presença. Meus pais apareciam logo depois, trazendo comida e palavras de conforto.
       
Não me perguntem como sei uma coisa dessas, mas eu sei que numa das religiões dos humanos existe uma passagem falando que haverá um dia em que lobos e cordeiros pastarão juntos. Creio que, nesse dia, os lobos deixarão de ser carnívoros para se tornarem vegetarianos. Às vezes, eu sonho que Thor se tornou vegetariano e nos tornamos grandes amigos. Todo dia à tarde, ele e sua dona vêm me visitar. Corremos atrás da bola; outras vezes, ele vem para cima de mim, mas consigo enganá-lo com um jogo de corpo. Sua dona, que também se tornou minha amiga, ri de alegria e chego a sentir como aqueles momentos lhe são agradáveis.
       
Eu estava dormindo mesmo e sonhando, quando um latido terrível fez com que eu saísse correndo. Contornei o quintal, beirando o muro e passei por baixo de um portão, indo parar num jardim. Logo eu fiquei sabendo que estava no jardim em frente à casa. Procurei me acomodar em um canteiro frente à varanda, pousando num arbusto, que passaria a ser minha casa.
       
Papai e mamãe logo perceberam a mudança e vieram me visitar. Papai falou:
       
- Esta mudança até que foi algo bom. Aqui você fica livre do cachorro. Você irá ver outras pessoas entrando pelo portão, mas não terá que se preocupar, já que seu galho fica escondido. A dona virá aguar as plantas, mas não precisa temê-la. O marido também já sabe de sua presença. Ele também não irá lhe fazer mal.
       
E, assim, os dias passaram. Existiam aqueles de sol intenso e aqueles de ventos e chuvas, quando eu procurava me esconder debaixo de folhas das plantas. Havia noites sombrias, em que eu era visitado por pesadelos, nos quais caía de uma árvore e nunca chegava ao solo. Aconteciam outros, mas o que me despertava assustada era sonhar que já não tinha mais os meus pais. Sem saber, a solidão veio fazer morada comigo, mas nem isso fazia perder esperança na vida, deixar de acreditar que um dia eu poderia voar como os outros pássaros.
       
Meus pais sempre me visitavam, trazendo comida e palavras de conforto. Até que, um dia, usei de palavras firmes e lhes disse:
       
- Papai e mamãe, sou eternamente grata aos cuidados que me dispensaram. Entretanto, está chegando a hora de nos despedirmos e vocês partirem.
       
- Mas, minha filha, luz de nossos corações... – começou a dizer mamãe, antes que eu lhe cortasse a palavra.
       
Imagem: www.azoresbioportal.angra.uac.pt
- Sei, mamãe, do amor de vocês. Mas também sei como se sentem cansados, vejo muitas rugas em torno de seus olhos. Está na hora de aprender a cuidar de mim mesma. Olha, o dono aqui da casa já coloca, perto do galho, uma vasilha de água e uma tigela com painço. Vez por outra, saio entre os canteiros, catando sementinhas. Eu estou bem e está na hora de dizer adeus.
       
Falando assim, Pti, Pzi, Pti encostou-se nos pais, como se fosse um abraço de despedida. Um vento assoprou forte, arrancando uma folha de jornal do piso da garagem da casa, jogando-a próxima aos pássaros.
       
Uma manchete no alto da página, junto à foto de um recém-nascido enrolado em lençol, dizia: Resgatado com vida bebê jogado pela própria mãe na Lagoa da Pampulha!
   Etelvaldo Vieira de Melo

   



      


         

1 comentários:

Anônimo disse...

A minha ansiiedade terminou ao ler o desfecho da história (foi real) , mas permanece a inquietação diante do drama da mãe que jogou o seu bebê na lagoa da Pampulha. O pti,pzi,pti e seus pais deram uma bela lição aos seres humanos.

Postar um comentário