ENQUANTO A BOLA ROLA, A GENTE ENROLA

D
esde que me entendo mais ou menos por gente (tem vez que eu me sinto um ET – daí, o meu nome), houve, primeiro, o Regime Militar, também chamado afetuosamente de Ditadura.

Tinham os militares uma maneira muito especial, restrita de entender as coisas e o mundo. Para eles, não havia o que Kafunga, ex-goleiro e ex-comentarista, chamava de “coré-coré”, era tudo oito ou oitenta. Foi deles que surgiu a máxima “quem não está comigo, está contra mim”.

(A propósito, se Kafunga estivesse comentando os jogos da Copa, haveria de dizer do gol sofrido pelo time russo frente a Coreia do Sul: “Peru! Peru, glu-glu!”  - e do gol de pênalti do Brasil contra a Croácia: “Gol barra suja!”).

Quanto aos militares, eles diziam estar honrando a bandeira, quando, por exemplo, batiam pesado.

- Ai, está doendo! – falava o coitado do preso.

- Não estou fazendo mais que meu dever – retrucava o soldado. – Olha o que está escrito lá no augusto símbolo da pátria: ORDEM!

E mais ele não sabia ou não queria ler. Foi um tempo em que a coisa andou feia pro brasileiro, mais feia que diabo chupando limão.

Depois, apareceu um que era para ser vice, mas que acabou se tornando presidente. Seu susto foi tamanho, que ele vive em estado de choque até hoje. Enquanto presidente, sentia-se mais perdido que cão que caiu do caminhão de mudança. A única coisa que ele fez e que perdurou foi ter mandado imprimir nas notas os dizeres “Deus seja louvado”, julgando estar fazendo suas preces noturnas.

Depois, apareceu um outro, que pensava: “Eu sou eu, o Brasil é meu e o resto é resto”. Pensando assim, voando mais baixo que marreca choca, seu governo durou pouco e ele foi logo abatido.

Depois, apareceu aquele que disse ter colocado o país nos trilhos do progresso. Em suas andanças pelo mundo, recebeu muitos títulos de doutor honoris causa, fato que o deixava mais contente que cão com dois rabos. Foi esse ex-presidente da República quem disse ter destravado o “Progresso” da bandeira nacional, promovendo uma onda de privatizações (algumas más línguas dizem que ele promoveu foi uma onda de privataria).

Sem entrar na questão e muito menos em seu mérito, só sei dizer que, como minha operadora de telefonia celular me possibilita falar grátis (!) para aparelhos com o mesmo código, estou regularmente jogando conversa fora com parentes distantes, com os quais eu falava uma vez na vida e outra na morte, isto é, muito raramente.

Foi um desses parentes, o Atheno, quem me repassou a tabela dos jogos da FIFA de hoje, eu que estou mais por fora e perdido do que cego em labirinto, em se tratando desse campeonato (por enquanto, ainda não fui contaminado pelo vírus espalhado pela publicidade no território nacional). Como esse parente assiste muito à TV, certamente ele foi um dos primeiros infectados. Talvez seja por isso que ele tenha voltado despudoradamente aos tempos de infância, colecionando o álbum de figurinhas da Copa.

Agora, com os jogos em andamento, está se equipando com os apetrechos de torcedor. Uma de suas primeiras aquisições foi uma camisa. Como não estava dando muito crédito à seleção nacional, não quis arriscar seu patrimônio e comprou uma por módicos R$14,99. A vitória do Brasil no primeiro jogo (mesmo contando com a ajuda decisiva do juiz japonês) fez com que ele se enchesse de brios. Foi até o shopping para comprar outra de melhor padrão. Como a oficial estava para mais de R$200, ele não quis jogar de cara ali todas suas fichas, preferindo uma de preço mais em conta, embora – e ele deixou isso bem claro – seja uma marca credenciada pela CBF, e que custou em torno de R$78. Ele me falou (coitada da operadora, não irá falir?), como ia dizendo, ele me falou que irá melhorando seu uniforme, à medida que a seleção avançar na competição. Achei sua estratégia sensata, embora tenha manifestado minha apreensão quanto à sua possível quebradeira.

- Que nada! – falou ele, todo entusiasmado, contando com o ovo ainda não botado, quer dizer... – Na próxima segunda-feira terei a restituição do Imposto de Renda. – E concluiu: - Depois a gente conversa mais, pois o jogo das 13 já está começando.

Então, ele me deixou com o telefone na mão e a boca aberta, que nem burro que comeu urtiga.

Transcrevendo a conversa, lembro-me de ter esse parente se confundido um pouco ao me repassar os jogos do dia, tendo que consultar várias tabelas. Faço uma dedução que ele tenha transformado a sala de sua coleção de corujas em uma central de imprensa. Fiquei deveras preocupado, pois, sem os devidos cuidados, as corujas irão definhar e até morrer. Vai que, ao final da Copa, o Brasil não acaba ganhando o torneio. Esse parente terá uma tripla perda: do título, das corujas e de seu suado dinheirinho. Ele não terá estrutura para tamanho impacto emocional.

Diante disso, não sei mais o que faço, sinto-me mais angustiado que barata de barriga para cima. Não sei se torço para que o Brasil seja logo eliminado, diminuindo as perdas e amenizando o impacto; não sei se entro nessa corrente de pensamento positivo para que o país levante o hexa. Minha esperança maior é que as mais de mil corujas espalhadas pela sala daquele apartamento permaneçam com os olhos bem arregalados, estejam vigilantes e atentas a qualquer ameaça fatal, girando seus pescoços em até 270 graus e usando de suas luminares inteligências na proteção desse parente, ele que mergulhou de forma apaixonada na aventura de um torcedor de futebol.
Etelvaldo Vieira de Melo  



1 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa a crőnica.Dei boas risadas, ainda mais que me identifiquei como o personagem inspirador da segunda parte da crőnica, apos a jocosa historia de nossos presidentes de năo tăo boas memorias.Embora anonimo, eu sou o Atheno.

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