Há séculos, os japoneses já nos ensinavam (e a gente os ridicularizava
por isso) que o chique de um passeio é documentá-lo através de fotografias.
Para uma boa foto são necessários dois requisitos
básicos: percepção e reflexo, atributos que eu – definitivamente - não
disponho. Não querendo que um passeio ao Rio Grande do Sul se perdesse nos
escombros de minha decadente memória, tratei de registrar alguns momentos,
usando de palavras, em vez daquelas modernas máquinas digitais, cheias de
pixels, zoons e outros bichos estranhos. Ficou assim:
PRIMEIRA IMAGEM: UM SENHOR GORDO, EM PÉ E GESTICULANDO,
NO CORREDOR DE UMA AERONAVE
Não sei como certos malfeitores conseguem sair
impunemente do país. Quando do embarque, ficamos aguardando por quase uma hora
solução para o impasse sobre o número de passageiros registrados na contagem
dos comissários de bordo e aquele que constava no Sistema. Havia um a mais, segundo
a contagem visual. Fiquei extremamente nervoso ao ouvir a palavra “Sistema”, já
que nossa relação não tem sido nada amistosa. Pensei: É agora que ele vai me pegar!
Entretanto, fui ajudado por um senhor gordo e que demonstrava certo complexo.
Ele se levantou da poltrona e disse:
- Vai ver que sou eu esse passageiro fantasma.
Podem me colocar para fora do avião.
Foi aí que me dei conta de como seria difícil ajudar aquele político impossibilitado de colocar um dedinho do pé fora do país, tudo por
implicância de estrangeiros, que acham um absurdo uma pessoa, tida e havida
como ladrão, não estar atrás das grades. Eles não sabem que ele está lá em
Brasília, trabalhando arduamente para o bem geral da nação.
SEGUNDA IMAGEM: CONVERSANDO COM O CAIXA DE UMA
SORVETERIA
Já no Sul Maravilha, notei que as pessoas da região
dificilmente usam a expressão “real” para designar dinheiro; para eles, o termo
é “pilla” (uma “casquinha” custa 4 pillas). Trata-se de uma herança cultural de
um político gaúcho, chamado Raul Pilla. Por causa da diferença de fuso horário
entre o real e o pilla, estou vendo meu suado dinheiro ir pro ralo da pi(ll)a.
Como as coisas aqui são caras! Entretanto, como todo turista tem sua dose
regular de bobeira, antevejo um abalo em minhas finanças, que me levará a um
longo período de recessão.
TERCEIRA IMAGEM:
CAMINHANDO SOBRE UM ASFALTO
SOLTANDO FUMAÇA
Embora o contexto seja de verão, imaginava que a
Serra Gaúcha tivesse um clima ameno. Que nada! Com a onda de aquecimento
global, aqui anda pegando fogo. Foi isso que comentei com um parente, via
telefone:
- Vim para o sul comer churrasco, não para virar
um.
QUARTA IMAGEM: EM UM ÔNIBUS DE TURISMO, UM GUIA
FALANDO PARA PASSAGEIROS
Vivendo e aprendendo: nunca havia imaginado que a
dança italiana chamada Tarantella foi criada como forma de tratamento para a
picada da aranha tarântula. Foi isso que nos disse o guia. Caso esteja em
desacordo com a história, favor fazer acerto de contas com ele, o guia.
QUINTA IMAGEM: DO ÔNIBUS DE TURISMO, A VISÃO
DE UMA PEQUENA CIDADE
No Sul Maravilha existe uma cidadezinha chamada Feliz.
Com o analfabetismo erradicado, sua população ainda atinge os mais altos
índices de vida do país. Uma possível explicação para tal sucesso talvez seja o
festival de chope que a cidade promove todo mês. Ao ouvir a explanação do guia
turístico, fiquei entusiasmadíssimo, pensando em me mudar para tal cidade, enquanto
é tempo. Na minha idade, um tempinho a mais de vida já vale muito, eu que estou
rapando o tacho com a colher. Tornando-me morador de Feliz, serei um felizense;
se jogar na loteria e ganhar o prêmio máximo, serei um feliz felizense
felizardo. Para fechar com chave de ouro tanta alegria, ou: colocando a cereja
no bolo, em Feliz poderei morar em dois bairros: primeiro, em Roncador, sem
problema para mim; depois, quando as cortinas estiverem se fechando, no bairro
Bom Fim.
SEXTA IMAGEM: DENTRO DE UM VAGÃO DE TREM,
APRESENTAÇÃO DE UM GRUPO MUSICAL
O percurso entre as cidades de Carlos Barbosa e Bento
Gonçalves pode ser feito num trem, uma Maria Fumaça. Muitas brincadeiras, shows
e números musicais são apresentados durante o trajeto. Enquanto rola a
brincadeira, duas moças tentam nos empurrar bugigangas e comestíveis,
esvaziando ainda mais nossos bolsos. Em dado momento, um passageiro capixaba
falou pra um cearense, que devorava um pacote de amendoim:
- Amendoim, não! Com tanto menino abandonado, você
não vai querer fazer mais um.
Achei aquele comentário sensato. Tanto assim que me
dispus procurar a empresa que administra o passeio, pedindo para suspender a
venda do dito amendoim.
SÉTIMA IMAGEM: DENTRO DE UMA LOJA DE UMA
FÁBRICA DE CRISTAIS
No município de Gramado, existe uma fábrica de
cristais. Lá, o princípio de que tamanho não é documento definitivamente está
enterrado. Fiquei procurando peças miudinhas para levar de souvenir ou
lembrança. Tinha que comprar uma coruja para um parente, já que ele é
colecionador dessa espécie ovípara. Falei para o vendedor, um uruguaio de pouco
tempo de Brasil:
- Sei que a coruja é símbolo de sabedoria, mas você
pode me arranjar uma bem burrinha, que não acho ruim, ainda mais tendo um
precinho em conta. Outra coisa: também não importa se tiver uma asa quebrada ou
um defeitinho de fabricação. Vê se pode me ajudar.
De nada adiantou tanto choro e reclamação. Tive que
comprar uma em estado normal, pequena e de preço salgado.
OITAVA IMAGEM: DENTRO DE UMA PASTELARIA TEMÁTICA
O pasteleiro aqui do sul não é bem o que imaginava.
Os pastéis são temáticos, fazem referência a filmes, não a atores. De qualquer
modo, não tem comparação aos de Campos de Jordão, em São Paulo, que homenageiam,
imagina, os políticos! Não tendo como saborear uma de minhas muitas atrizes
favoritas, contentei-me com o pastel doce “Cinema Paradiso” (na verdade, um de
meus filmes favoritos), com recheio de doce de leite, nozes, castanhas e
catupiry.
NONA IMAGEM: NO TERMINAL RODVIÁRIO DE CANELA,
UMA MULHER (EM PÉ), UM CÃO (APOIADO NAS PATAS)
E O AUTOR (SENTADO NUM BANCO, AO FUNDO)
Definitivamente, os cães estão com cotação em alta.
No Terminal Rodoviário de Canela, estava eu sentado num banco, aguardando o ônibus
que me levaria ao aeroporto. Ao meu lado, estava um cão, daqueles bem comuns.
Uma senhora se aproximou, falando assim com o cachorro: “Oi! Oi, amor!” – e nem
me cumprimentou ou se dignou a olhar para a minha cara. Eu me senti um autêntico
vira-lata.
FIM.
Etelvaldo Vieira de
Melo