Para a Graça, com
alegria pelo seu retorno do exílio em longas terras.
E
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stava um corvo pousado sobre antigo poste
de telégrafo, em meio a terreno de pouca vegetação. Ele segurava pelo bico um
bom pedaço do famoso queijo Gruyère, queijo que ele havia surrupiado de uma
delicatessen na cidade de Montreux, quando de seu famoso festival.
Uma raposa, passando pelas
redondezas, viu o queijo, viu um bico e viu o corvo. Por causa de sua natureza,
aproximou-se sorrateiramente, embora quisesse ser notada. Iniciou, nestes
termos, um diálogo com o corvo:
- Boa tarde, meu senhor.
- Huuummm... – respondeu o corvo.
- Não sei se é de seu conhecimento,
mas estamos promovendo uma confraternização entre os animais. Estou encarregada
de organizar o evento.
- Huuummm... – falou, de novo, o
corvo.
- Como o senhor tem uma maviosa voz,
um belo canto, gostaria de contar com sua participação no evento – explicou a
raposa, falando – por sua vez – com voz aveludada. – Antes, pediria que fizesse
uma demonstração de seu número para mim.
PRIMEIRA VERSÃO
Ao ouvir aquilo, tomado de
entusiasmo, o corvo abriu o bico e, antes de soltar a primeira nota musical,
viu a raposa abocanhar o queijo e desaparecer entre o mato, mais à frente.
SEGUNDA VERSÃO
Ao ouvir aquilo, tomado de
entusiasmo, o corvo prendeu o queijo entre as garras de suas patas, enquanto
dizia:
- É verdade que teremos uma
confraternização entre os animais? Deve ser por isso que uma matilha de
lobos...
- Lobos não formam matilha, mas
alcateia – corrigiu, educadamente, a raposa.
- Então, deve ser por isso que uma
alcateia de lobos corre em nossa direção!
Ao ouvir aquilo, a raposa deixou de
lado seu propósito de roubar o queijo e correu, desesperada, em direção à mata.
TERCEIRA VERSÃO
Ao ouvir aquilo, tomado de
entusiasmo, o corvo prendeu o queijo entre as garras de suas patas e se pôs a
cantar. Entretanto, sua voz era tão estridente, esganiçada, que a raposa,
tomada de susto, caiu desmaiada.
Uma matilha (de cães selvagens)
passando pelo local, tratou de devorar a raposa.
POST-SCRIPTUM
Tendo a Graça feito o favor de,
distraidamente, ter se sentado sobre seus óculos, viu que não havia outra
alternativa senão ir até uma ótica, para adquirir outros.
Chegando à ótica, foi recepcionada
por uma vendedora, que viu uma bolsa, umas mãos segurando a bolsa e uma senhora
– essa, com as mãos e a bolsa.
- Estou necessitando adquirir uma
armação com óculos – falou Graça.
- Pois não – falou a vendedora,
olhando dissimulada para a bolsa. - Como é seu nome?
- Eu me chamo Graça – falou a Graça.
- Pois, então, vou lhe indicar uma
armação que irá elevar sua graça ao quadrado. Você será duplamente cheia de
graça – falou a vendedora, sorrindo, enquanto pegava uma armação e colocava no
rosto de Graça. – Não ficou linda?
- Mas estou vendo que ela tem o preço
muito elevado! – falou Graça, apertando a bolsa de encontro ao peito.
- Nenhuma plástica, nenhum botox e
nenhum Pitangui serão capazes de deixar seu rosto tão belo, tão cheio de graça,
dona Graça, quanto esses óculos. Eles são perfeitos para seu rosto.
- Está bem, você me convenceu.
Graça abriu a bolsa, entregando uma
enorme quantidade de dinheiro para a rapodora. Depois, ela voltou acabrunhada
para casa, com o sentimento de ter sido levada na conversa. Ela sabia que, a
partir desse dia, carregava uma dor no coração: seu rosto iria se cobrir de
tristeza toda vez que colocasse aqueles óculos e aquela “armação”!
Etelvaldo Vieira de Melo
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