Confesso
que fiquei armado de preconceito, quando passou pela minha vista, tempos atrás,
o comentário de que o jogador Luis Suárez havia feito uma declaração racista.
Nem procurei entrar no mérito da questão e fui logo lhe pregando um rótulo,
nesses termos: “Esse cara não presta!”.
Além
do rótulo, permiti (a mim mesmo, sem levar ao conhecimento de terceiros) fazer
esse tipo de questionamento: “Como é possível
a um latino-americano não olhar para seu rabo histórico e perceber que corre em
suas veias heranças genéticas de um caldo de culturas e de etnias?”.
Eu
que, de tão branquelo, necessito ter um dermatologista como top de minhas
necessidades médicas, nunca, mas nunca mesmo, passou pela minha cabeça uma
sombra de preconceito racial. O máximo que tenho é uma certa decepção com a
cultura indígena brasileira, quando em visita a exposições de seu artesanato (e
artesanato é algo que é top nas minhas preferências culturais).
Voltando
ao Luis Suárez: fiquei conhecendo o distinto no jogo entre Uruguai e
Inglaterra. Sabia que ele é artilheiro e ídolo no futebol inglês, que ele é
baixinho (para os padrões do futebol moderno) e meio troncudinho, isto é, que
está mais para Hulk do que para Neymar.
Juntando
todos esses pré-requisitos, eu deveria chegar a uma conclusão, mas acabei
chegando a uma bem diferente: ele se tornou a materialização de Freddie Mercury
da bola.
Freddie
Mercury, contra quem pesou muito o preconceito homofóbico, era um artista
extra-ordinário, isto é, era um que fugia aos padrões da mesmice que as
indústrias fonográfica e de entretenimento nos fazem engolir. Assistir, pelo
vídeo da TV, às suas apresentações era algo que enchia os olhos. Tenho minhas
restrições quanto à produção musical do grupo Queen, mas não faço nenhuma
ressalva a Freddie Mercury, um verdadeiro showman.
O
que eu vi, no dia 19 de junho de 2014, no gramado da Arena São Paulo, foi a
materialização de Freddie Mercury, através da figura de Luis Suárez.
O
jogador me fez lembrar o artista, não só pela arcada dentária, pelo biotipo,
como pela alegria, pelos gestos e pela corrida após um gol. Assim como aquele
tinha um domínio absoluto de cena, vi esse baixinho uruguaio se posicionar
atrás de um gigante inglês e desferir uma cabeçada fatal, artística, contra as
redes adversárias (confesso que, naquele momento, julguei estar ouvindo, junto
com os gritos da torcida, acordes de Love
of My Life e How can I Go on).
Foi tudo muita alegria, esqueci momentaneamente o preconceito. Só ficou
faltando o bigode no rosto daquele jogador para que eu viesse a questionar mais
profundamente minhas convicções religiosas.
Pode
ser que o Uruguai tropece frente ao próximo adversário (estou escrevendo este
texto no dia 22/06/2014), que fique pelo caminho (um filósofo do futebol, Neném
Prancha, a que se atribuem frases como “o
importante é o principal, o resto é secundário” e ”se macumba resolvesse, o campeonato baiano terminava sempre empatado”,
também dizia que “o futebol é uma
caixinha de surpresas”).
Não
importa. Junto com a lição de civilidade da torcida japonesa, estou resgatando
a lembrança de um artista da voz, através da atuação de um outro artista, que
usa os pés (e a cabeça) para mostrar que o futebol, apesar de comércio voraz, é
também uma arte.
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Luís Suárez não é baixinho, cara. Ele mede 1,82!
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