Certos temas são
recorrentes em meus escritos. Isso é normal por ser eu quem sou. Soaria
estranho se este espaço fosse ocupado por múltiplas pessoas, todas falando
invariavelmente os mesmos assuntos.
Recorrer ao exemplo
do sapateiro, como aquele que tem habilidade para entender de calçados, era
algo comum nas preleções de Sócrates. A valorização das pequenas coisas, recorrendo
a Gandhi, quando exortava o pretendente a discípulo que era preciso aprender a
fazer com grandeza os atos pequenos de varrer um pátio, descascar batatas,
limpar vasos sanitários, é um exemplo que não me canso de lembrar.
Já foi o tempo em que
eu poderia querer ostentar alguma coisa, mas eu nunca fui disso. Julgar que
tudo que é importante cabe dentro do simples, eis uma de minhas recorrências.
Se não cabe, penso que pode ser facilmente descartado.
A vida de muitas
pessoas cabe na palma da mão. Nem por isso, deixa de ter seu valor. Vale assim
como o pequeno rio que atravessa a aldeia de Fernando Pessoa. Na visão do
autor, ele se torna até maior que o rio Tejo, pois é esse pequeno rio que banha
as terras de sua aldeia.
Nas proximidades de
casa, existe uma rua que faz uma bifurcação. Justamente nesse local há uma casa
gradeada. Um de seus moradores, presumo, fica grande parte do dia em frente ao
portão, orientando motoristas de ônibus (que dispõem de pouca visibilidade por
causa do cruzamento).
Toda vez que passo
ali, usando do transporte coletivo, lá está o senhor dando sinais para os
motoristas. Muitos agradecem com buzinadas, outros recorrem a gestos amigáveis
de mão. O senhor exibe, então, um sorriso orgulhoso de ter feito algo de bom.
Ao final do dia, com
o sentimento de dever cumprido, ele se arrasta para dentro de casa. Estava me
esquecendo de dizer que aquele senhor, sorridente sob um boné virado para trás,
que cuida de orientar motoristas de ônibus e troco de buzinadas ou gestos de
agradecimento, aquele senhor tem as duas pernas amputadas.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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