Quem
disse essa quase blasfêmia do título foi o compositor Ivan Lins. Procurei na
letra da música fundamentos para tal declaração e confesso que me senti um
pouco decepcionado. Julguei que encontraria algo bombástico, algo que abalasse
os alicerces da divindade, mas as declarações não passaram do trivial, aquilo
que ouvimos a toda hora: o amor curando desenganados, fechando feridas,
juntando os pedaços de um coração que se quebra. Apesar da frustração, isso não
tira os méritos da música “Iluminados”, um dos grandes sucessos daquele
compositor.
Como acredito que o amor é capaz de
fazer coisas extraordinárias, andei especulando as pessoas de meu
relacionamento em busca de algo inusitado, algo que eu pudesse jogar na cara
dos incrédulos, dizendo: Vejam como o amor é capaz de operar milagres na vida
de uma pessoa. Encontrei o que vem descrito, a seguir.
O
entorno da cidade de Belo Horizonte é contornado por uma rodovia que recebe a
denominação de Anel Rodoviário. Poderia se chamar também Anel Funerário, o que
não faria tanta diferença, já que é, regularmente, palco de acidentes fatais.
Tanto é verdade que emissoras de TV já dispõem de câmeras instaladas sobre um
viaduto que dá acesso a um bairro, ponto crítico onde caminhões e carretas
costumam passar pela infelicidade de perderem os freios. Perdem os freios e
atropelam tudo o que encontram pela frente. Tornam-se, então, matérias de
reportagens sensacionalistas e mote para candidatos em campanha eleitoral. Além
da duplicação do Anel, também fazem parte da lenga-lenga eleitoral a rodovia
381, chamada de “Rodovia da Morte” e a construção de um rodoanel.
Como
não sou candidato a nada, só querendo mesmo expressar a dor de tantas famílias
enlutadas e dizer como me sinto indignado ao ver verbas públicas, especialmente
um tal de IPVA, serem desviadas para fins escusos, ao invés de atender às
necessidades da população, acho que já podemos passar ao outro ponto da
questão.
Próximo
a esse viaduto, encontra-se um aglomerado chamado de “Vila Paraíso”, onde
centenas de sem-teto e afins construíram suas residências. Foi lá na Vila
Paraíso que Gracinésio julgou encontrar o amor de sua vida, ela que atendia
pelo de nome de Hildelícia. Foi uma paixão avassaladora que fazia o coração
disparar no peito, as mãos tremerem e o suor escorrer pelo rosto, misturando-se
com as lágrimas de emoção.
Gracinésio
logo viu o Paraíso se transformar em purgatório, quando o entusiasmo inicial de
Hildelícia começou a esfriar. Do purgatório para o inferno foi um pulo, quando,
passando a mão pela cabeça, sentiu Gracinésio uma protuberância, como se fosse
um chifre nascendo.
-
Engraçado – pensou ele, apalpando o couro cabeludo (na época, pois, agora, sua
cabeça parece ter vegetação de deserto) – eu nunca havia notado essas duas
saliências em minha cabeça antes!
Quando
foi fazer as contas, tirando a prova dos noves, isto é, quando se deu conta,
depois de todo mundo estar cansado de saber, Gracinésio sentiu que o mundo ruía
aos seus pés, que nada mais fazia sentido, que ele tinha que morrer.
Saiu
em desabalada carreira em direção ao asfalto e ali se deitou, com os braços
abertos.
-
Quero morrer – gritou ele, entre soluços convulsivos.
Os
amigos, estando pelas proximidades, saíram correndo e o arrastaram para o
acostamento, a tempo de salvá-lo de uma jamanta que passava, tirando-lhe
casquinha.
Cambaleante, passou frente à casa de Hildelícia e gritou:
-
Hildelícia, paixão de minha vida, vou te amar até morrer!
Mas
que nada! Dias depois, estava de namoro com Clotildes, vizinha de frente da
antiga amada – segundo ele, para provocar ciúmes. Na conclusão, teve casamento,
com direito a doces e salgadinhos, tradição que os ricos trataram de abolir,
mas que os pobres cuidam de manter.
De
minha parte, só teria que fazer um reparo nesta tresloucada história de amor.
Com o tempo, Gracinésio cresceu muito e engordou, engordou muito e cresceu. Se
ele deitasse no asfalto da BR e viesse outra jamanta, eu não saberia quem iria
se dar mal. Tenho a leve desconfiança de que a carreta iria capotar, com sérias
consequências para seu motorista.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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