NATAL DE SONHOS

SONHO DE NATAL
Toda esperança guarda um segredo.
            As cores eram tão vívidas que a cena parecia real; por outro lado, o absurdo da imagem fazia crer que aquilo não passava de um sonho.
           
Estava eu em frente a uma loja de artigos religiosos. As vitrines estavam decoradas com motivos natalinos. Estranhamente, vários produtos estavam colocados à venda.
           
Aproximei-me de um funcionário e quis saber o sentido de uma decoração específica: um casal e vários animais em torno de um bebê acomodado numa manjedoura. Tudo levava a crer que o local onde estavam era um curral, um estábulo. Estranhamente, associei aquela imagem com a representação de um Natal, tal como eu conhecia.
           
- Por acaso você é um extraterrestre? – quis saber o vendedor, mais irritado que curioso. – Isto que está vendo é um presépio e representa o nascimento de Nosso Senhor em condições de extrema pobreza.
           
- Como existem vários modelos de presépio, queria saber o preço, já que estão à venda.
           
- O preço está a partir de R$1.850,00.
           
Ao ouvir aquilo, senti que havia algo muito errado, a começar pela representação do Natal, que não era bem aquela ali exposta. Depois, havia aquele preço astronômico para algo que não poderia estar à venda.
           
Corri em busca de uma Cápsula do Tempo. Por sorte, havia uma disponível num jardim que ladeava uma igreja, um local bem próximo da loja. Entrei na cabine e digitei a data de mais de dois mil anos atrás, mais o nome da cidade: Belém, localizada na Judeia, na Antiga Palestina.
           
Eu sabia quem deveria procurar. Por isso, consciente que estava agindo contra o tempo, vasculhei as estalagens da cidade, quase todas apinhadas de hóspedes, por causa de um censo demográfico ordenado pelo rei Herodes. Não encontrei o casal que procurava.
           
Dando um tempo à procura e querendo me esconder do sol causticante, acerquei-me de um curral e que dispunha de coberta. Surpreso, vi que ali estavam o homem e a mulher que eu queria encontrar. Estavam sentados em um monte de feno, aparentando ar de cansaço.
           
- Ainda bem que encontrei vocês – fui falando, sem me dar ao trabalho de uma apresentação.
           
- O que aconteceu, meu filho? – perguntou o senhor, que identifiquei como sendo José.
           
- Aconteceu que estou vindo do tempo futuro e lá eles desvirtuaram todo o sentido deste momento que vocês estão passando.
           
- Querido – agora foi a mulher quem falou. Sua voz era suave, apesar do suor que escorria pelo seu rosto, devido ao cansaço e ao estado avantajado de sua gravidez: - As estalagens da cidade estão praticamente todas tomadas. Só restam as mais caras e não dispomos de dinheiro suficiente para a hospedagem. Chegamos até a pensar em pernoitar aqui mesmo.
           
- De forma alguma – falei, quase atropelando as palavras. – Estou trazendo para vocês um dinheiro para que tenham uma boa acomodação. Se vocês fizerem o que pensam, o sentido da História será todo deturpado.
           
Enquanto falava, passei às mãos de José um valor correspondente a R$1.850,00. Depois, ajudei os dois a se levantarem, enquanto colocava em minhas costas os seus pequenos pertences. Caminhamos em direção a uma estalagem de aparência agradável.
           
Deixei ali os dois, acomodados em um quarto confortável. Depois, eu me encaminhei em direção à Cápsula do Tempo. De longe, ouvi o choro de uma criança. Imaginei a cena: deitada na cama, Maria, com a criança nos braços, e José, solícito, passando em seu rosto um pano umedecido.
           
Quando cheguei em casa, meu filho já estava dormindo, mas minha esposa me recepcionou com um interrogatório: Onde estava até tarde? O que andava fazendo? Por que aquele aspecto de cansaço?
           
Eu não sabia como responder. Deixei suas perguntas no ar e fui para o quarto. Nem consegui trocar a roupa, tal o meu cansaço.
           
Na manhã seguinte, assim que acordei, vi que minha esposa se dera ao trabalho de trocar minha roupa por um pijama.
           
Depois de tomar um reconfortante banho, arrumei-me para sair.
           
Meu filho estava brincando lá na marcenaria. Chamei-lhe a atenção para ter cuidado e não se machucar.
           
- Pode ficar tranquilo, papai, só vou usar uns toquinhos de madeira para fazer uma casinha – falou ele.
           
Minha esposa deixou sua recomendação:
           
- José, não se esqueça de trazer os produtos daquela lista que está no seu bolso da calça.
           
- Está bem, Maria, não vou me esquecer.           

      Chegando ao centro da cidade, não resisti à curiosidade de passar na loja que, aparentemente, havia chamado minha atenção no dia anterior.
           
Foi com surpresa que não vi nas vitrines nenhum daqueles presépios. Quando quis saber do vendedor, aquele mesmo que fora ríspido comigo, ele comentou, em tom de brincadeira:
           
- Você é um extraterrestre? Não existe presépio. O que damos para as pessoas é esta moldura, relembrando o nascimento do Nosso Senhor. E ela é doada gratuitamente, porque não há preço que possa pagar a esperança que representa.
           
Pegando a moldura nas mãos, vi aquela cena que estava viva em minha memória: no mesmo quarto daquela hospedaria, Maria, com o filhinho nos braços, enquanto um solícito José cuidava de passar um pano úmido em seu rosto.
Etelvaldo Vieira de Melo

         Caro leitor: deixo-lhe o convite para repassar este texto para seus conhecidos e amigos. Considero que seja uma boa maneira de compartilhar a ideia de que o Natal vai além das festas, presentes, comércio.



            

1 comentários:

´Mário Cleber disse...

Milagre, milagre, milagre...Não deixei de dar um sorrisinho na sua ironia quanto ao preço do presépio contrapondo o "Isto que está vendo é um presépio e representa o nascimento de Nosso Senhor em condições de extrema pobreza". Extrema miséria? E sem bolsa família...

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