MAÇÃ DO CERRADO

Imagem: caliandradocerrado.com.br

Meio jaca meio manga
enjoativa como não há!
Cheira a chiclete
corta verruga
faz geleia
doces e chá.
Azul arroxeada
é a sua flor.
De estigma amarelo
e folhas brilhantes.
É da família
do tomate e do jiló:
aí está.

A lobeira
É quem alimenta
o solitário
(e quase extinto)
lobo-guará. 

DENOTAÇÃO, CONOTAÇÃO, EXTENSÃO

O filósofo Norberto Bobbio, se não for para colocar em dúvida as palavras de seu filho Marco – famoso cardiologista italiano – bem como as do tradutor de sua entrevista a uma revista de circulação nacional, dizia que “o homem de cultura valoriza a dúvida”.
Preciso retomar a entrevista para verificar a precisão dos termos. Estou em dúvida se ele disse: “o homem de cultura é aquele que valoriza a dúvida”, ou: “o homem de cultura gosta de valorizar a dúvida”, ou: “o homem de cultura sabe valorizar a dúvida”, ou – em última instância: “o homem de cultura costuma valorizar a dúvida”. Veja você que todas as proposições remetem a interpretações diferentes.
Mesmo não dispondo dos termos exatos da declaração do filósofo, lembro-me que fiquei em desacordo com suas palavras. Num primeiro momento, usei daquela clássica saída tantas vezes citada nos romances de Agatha Christie: a culpa é do mordomo, ou seja, do tradutor. Tudo porque não faz sentido um filósofo colocar a dúvida em patamar tão elevado, no nível da admiração ou espanto – ponto de partida da disposição filosófica.
Existe uma incongruência, uma discrepância entre dúvida e admiração. Colocadas lado a lado, a dúvida sufoca e mata a admiração.
Vou me servir de um exemplo bem simples para ilustrar esta suposição: Olavo Rocha duvida que algum diretor de cinema nacional possa produzir um filme que preste. Entre se aventurar a ir até uma sala de exibição e a dúvida, prefere ficar com a dúvida. (Antes que alguém venha com pedras pra cima do pobre coitado, é bom considerar que ele possui uma leve perda auditiva, e as salas de exibição deixam a desejar no quesito sonoplastia.)
Continuando: você duvidar do potencial de alguém com personalidade formada, isso pode ser um ato inconsequente, mas vai duvidar da capacidade de um adolescente, mais inseguro e tremiliquento que doce de “maria mole”... Minha autoconfiança como aprendiz de redação certamente sofrerá um abalo sísmico se meu professor manifestar de público suas dúvidas sobre minha capacidade literária. Ele pode pensar assim, mas que esse seu pensamento fique trancado a sete chaves!
Dando um desfecho à dúvida, para que não reste mais nenhuma, sendo todas demolidas como pedras sobre pedras, só resta acrescentar que ela é o vestíbulo do preconceito, um mal que atinge as pessoas, quando chegam a certo estágio de vida e passam a achar que sabem das coisas.
Norberto Bobbio, na citação anotada acima, emprega uma expressão que avalio como extremamente perigosa: “homem de cultura”.
O que ele está querendo dizer com isso? Estará se referindo a alguém instruído, de muita leitura? Afinal, o que quer dizer “uma pessoa culta”?
Quando o tema é “cultura”, as pessoas, em geral, ficam intimidadas e não se atrevem a dizer o que pensam, mesmo sendo a constatação óbvia de que “o rei está nu”. Deixam a crítica para os críticos profissionais. Aí, o galinheiro fica por conta das raposas, sendo que não existe nada mais confuso do que a cabeça de um crítico profissional. Isso tanto é verdade que Millôr Fernandes, no alto de sua sabedoria, chega a perder a compostura quando fala a respeito: “Às vezes só ao ler a crítica percebemos que a merda de filme que vimos no dia anterior é uma obra genial”.
Com o respaldo das palavras do próprio Millôr (“Não precisamos ser especialista em nada para fazer crítica. Sem jamais usar um martelo ou um formão qualquer pessoa sabe se uma cadeira incomoda ou não o seu traseiro. Em arte ou sabão de roupa, criticar é direito de todo mundo”), tenho notado, não me servindo da dúvida, mas da observação e análise cuidadosa, que muitas manifestações ditas “culturais” não passam de verdadeiras mediocridades.
Assim, mesmo correndo o risco de provocar arrepios de indignação, conto que, dias desses, estive fazendo um passeio em Inhotim, nas proximidades de Belo Horizonte, lugar conhecido pela exuberância de sua flora, e onde galerias de arte e exposições tentam um diálogo, nem sempre bem sucedido, com a natureza.
É claro que uma obra artística está sujeita a diferentes leituras, podendo dizer muito para determinada pessoa e quase nada para outra. Entretanto, o que vi em Inhotim pareceu-me algumas vezes absurdo. Os guias tentam “dourar a pílula”, inventando um tanto de explicações. Apesar do esforço, achei de absoluta falta de sentido umas paredes chapiscadas próximas a uma mata. Poderia dar ideia de um labirinto, o que faria sentido: a ação do homem sobre a natureza muitas vezes o leva a perder seu rumo, deixando-o num beco sem saída. Entretanto, com tal interpretação estaria procurando “chifre em cabeça de cavalo”.
Quando vi três carros fusquinhas alinhados sobre um terreno de grama, eu me adiantei ao guia e comentei:
- Era uma vez três viajantes que rodavam em seus carros pelo interior de Minas. Quando aqui chegaram, aconteceu da gasolina acabar; então, tiveram que deixar os carros e eles assim ficaram até hoje. Tal fato deu origem ao nome do local, já que os nomes dos viajantes eram Ivo, Totonho (conhecido como Nhô) e Vicentino (apelidado de Tim). Juntando suas iniciais e apelidos, o local ficou conhecido como Inhotim.
É isto que eu sei e é isto que deduzi depois de intensa caminhada, com muitas subidas e descidas sob um sol ainda mais intenso. Se tivesse utilizado daqueles carrinhos de aluguel, talvez minha avaliação tivesse sido também outra. Talvez venham daí as observações mal-humoradas sobre a parede com chapisco e os fusquinhas alinhados.
Infelizmente, a cultura em nosso país custa caro, e eu não passo de um pobre coitado pobre.
Etelvaldo Vieira de Melo

ANJINHO DO CÉU

flores - Mimosa decorticans - Angiquinho 2.jpg
Imagem: plantasdocerrado.com.br

Angiquinho
cor-de-rosa
flor nativa
no cerrado
de Goiás.
Os seus brotos
de olhos verdes
pululam na tela
despenteada
de Renoir.

ESPERANÇA, APESAR DE TUDO



Etelvaldo Vieira de Melo

NO CERRADO



Imagem: www.mustdo.com.br

carobinha
tucum-de-índio
catolé
          (adivinhe 
o que isso é!)

cambiú
guanandi
orvalhinha
          (adivinha
ou não adivinha?)

jerivá
butiá
ubim
          (é isso, sim!)

catuaba
pereiro
marolo
          (tudo árvore!
prove o bolo!)

ENCICLOPÉDIA DOS DITADOS POPULARES (VOLUME 1)

Para o Waldemar Carabina, amigo de tempos passados e que, agora, tenho a alegria de reencontrar.
Por esses dias, através de uma rede social, conterrâneos têm repassado a Elidério várias fotos de sua infância junto a colegas de Ensino Primário, hoje chamado de Ensino Fundamental.
Além da dificuldade inicial em se reconhecer, Elidério foi tomado de agradável surpresa: como ele era um menininho danado de bonito!
Não vale dizer que todos os filhotes são bonitos, até mesmo um de crocodilo ou de hiena. Comparado com seus colegas, Elidério se destacava por traços diferenciados, ao ponto de um conterrâneo comentar: “- Até parece um anjo!”.
Entretanto, Elidério não quer que eu fique aqui “rasgando seda” sobre sua antiga beleza, mesmo porque “águas passadas não movem moinho”, e ele concorda muito bem com as palavras de Millôr Fernandes, quando diz que “toda fotografia antiga é uma punhalada”; o que ele quer é organizar uma enciclopédia de antigos ditos populares, explicando seu sentido e dando exemplos. Assim como as fotos de sua infância, essas expressões populares, pelo desuso, podem cair no esquecimento coletivo. Resgatá-las seria, no mínimo, trazer um pouco de luz para determinado momento histórico.
Como Elidério só sabe falar, não dispondo de um mínimo de habilidade de redação (já teve), ele sempre recorre aos meus préstimos quando quer documentar algo. Eu funciono como um ghost writer, embora não receba um “tostão furado” pelo meu trabalho. (Está aí um tema para futura investigação, onde poderei desenvolver a tese de que o “dólar furado” foi plágio do “tostão furado”.)
Os verbetes surgem aleatoriamente, dependendo do momento. Assim é que iremos começar falando sobre um, que será alinhado na letra “Q”.
            QUANDO A ESMOLA É DEMAIS, O SANTO DESCONFIA
E
lidério conta que, em seu tempo de adolescente e começo de juventude, viveu dias de penúria, não dispondo de dinheiro para quase nada.
Naquele tempo, a medicina não havia se tornado esse balaio de encrenca que é hoje, com quase tudo sendo proibido. As pessoas cultivavam sem traumas ou sentimentos de culpa os mais variados vícios, como o de fumar, por exemplo. Fumava-se em tudo quanto era lugar: nos ônibus, as escolas, nos cinemas.
Um jogador de futebol, veja bem, chegou ao desplante de se tornar garoto-propaganda de uma marca de cigarro. O mote da publicidade era: “É preciso levar vantagem em tudo, certo?”. Outra, com conotações sexuais, falava de um “fino que satisfaz”.
As pessoas fumavam nos cinemas, já disse. O foco do projetor na tela, visto de lado, mostrava a fumaceira em que a sala de projeção estava infestada, infectada. Enquanto isso, a película exibia artistas mais fumando do que fazendo outra coisa. Em Casablanca, Humphrey Bogart, antes de dar um beijo na estonteante Ingrid Bergman, tinha que soltar suas baforadas.
Assim, com tantos maus exemplos, Elidério começou a fumar quando tinha seus quinze anos de vida. Raramente comprava um maço; os cigarros eram, segundo expressão da época, “filados”. Quando alguém era muito “filão”, também era chamado de “serrote”.
Waldomiro Espingarda, que tinha esse apelido porque soltava “pum” pra tudo quanto era lado, em qualquer hora do dia ou da noite, pois bem, Waldomiro, apesar de peidorreiro, tinha um coração generoso. Um seu parente trabalhava numa fábrica de cigarros, fábrica essa situada em bairro próximo ao centro da cidade. Esse parente repassava ao Waldomiro cigarros que apresentavam defeitos de fabricação, mas que eram fumáveis e tragáveis. Elidério recebia muitos como doação.
Waldomiro também chegava a “filar” cigarro de Elidério, quando esse tinha algum. Não chegava a “filar” um cigarro inteiro; ele só se aproximava e dizia;
- Me deixa dar uma tragada aí.
Elidério suspirava angustiado; sabia o que viria pela frente: Waldomiro aspirava profundamente e punha o cigarro na boca. Elidério via o cigarro, com uma só tragada, ir se transformando em cinza. Quando ele só tinha um toquinho para ser segurado, era devolvido com as palavras:
- Obrigado, vô.
É que, não sabemos por que, Elidério tinha apelido de veio (é), de vô.
A pior desventura de Elidério com cigarro aconteceu quando começou a fazer o antigo Curso Científico, agora chamado de Ensino Médio. Então, ele era assíduo “filador” de um colega chamado Loprefâncio Celestino, podendo mesmo ser catalogado por este como “serrote”.
Todo dia, pelo menos por uma vez, lá vinha o “pidão”:
- Você pode me emprestar um cigarro?
Loprefâncio nunca fez um gesto de recusa. Houve até o dia em que se antecipou ao pedido, oferecendo a Elidério um cigarro.
Um tanto surpreso com tanta atenção, mas nem um pouco desconfiado, pegou o cigarro e foi fumá-lo, sentado em sua carteira, enquanto aguardava o início das aulas. Viu que seus colegas o olhavam apreensivos; sorriu para todos, enquanto dava suas baforadas.
Em determinado momento, quase foi arrancado da cadeira e saiu voando feito um Sputnik. Foi como se tivesse havido um estouro de foguete, seguido de muita fumaça: Loprefâncio havia descascado a pólvora de vários palitos de fósforo e colocado tudo no meio do cigarro. O riso foi geral.
Para este tipo de história, a cultura popular ensina: “quando a esmola é demais, o santo deve desconfiar”. O “santo” do presente relato, Elidério, não desconfiou da tramoia que Loprefâncio estava lhe aprontando por dois singelos motivos: 1º) para fazer jus ao ditado de que “toda regra tem exceção”; 2º) por causa de sua lerdeza mental, também denominada PFC (Prolapso de Fim de Curso).
Etelvaldo Vieira de Melo

PASSARIM

Imagem: palpitedigital.com.br

Flor de seda
quem te teceu?

Que tear em chamas
fez teu rosto vermelho
e o vestido verde?

A terra, o sol, a água
e o xaxim
te bastam ao linho,
palhacinha?

A PROMESSA


Tertuliano já havia atingido o cume do pico da Neblina, numa alegoria de que viver seja escalar o tal do pico da Neblina. Quando lá chegou (no cume do pico), o tempo estava nublado e não se via nada da paisagem. Por isso, Tertuliano tratou de descer a encosta, tendo cuidado para não levar um escorregão fatal. Já haviam lhe falado das três coisas que derrubam, mandam para o além aqueles que atingiram a melhor idade (eufemismo para dourar a pílula da velhice): pneumonia, caganeira e tombo. Por isso, ele descia a ribanceira com cautela, segurando nos ramos e troncos das árvores.
            
Quando mais novo, e os relógios eram movidos à corda e os telefones públicos usavam o sistema de fichas, Tertuliano fez uma promessa. Ele era torcedor fanático de um time que se vangloriava, em seu hino, ter sido campeão do gelo. Ninguém sabia o que isso queria dizer; muitos imaginavam que seria alusão a um torneio entre fábricas de sorvete e picolé. De qualquer modo, seu time só abiscoitava títulos regionais, chegando uma vez somente ao título nacional.
      
O sonho de Tertuliano era ver seu time conquistando um título continental de expressão. Num rompante de paixão, prometeu: - Vendo uma propriedade, extremamente valiosa, e faço doação para as famílias pobres da cidade, caso meu time conquiste o mais importante título continental: a Taça Libertadores.
            
O tempo passou, com Tertuliano torcendo para que seu time abiscoitasse a segunda maior glória de uma agremiação de futebol, a de campeão da Taça Libertadores da América. E não é que seu time acabou chegando lá?
            
Na noite da decisão, Tertuliano ficou com o coração na mão, emocionado; enquanto isso, foguetes espocavam pela cidade de forma ensurdecedora, levando cães à loucura.
            
No dia seguinte, as salas de psiquiatria canina ficaram abarrotas de clientes, todos tomados pela síndrome do pânico. Deixaram de comparecer à consulta os cães das classes C e D, mais os párias dos vira-latas. Enquanto isso, Tertuliano ficava rindo por fora, mas tomado de angústia por dentro. A ficha havia caído, isto é, ele estava pensando na promessa descabida que havia feito em tempos idos.
            
Tertuliano se sentia na obrigação de cumprir a promessa; por outro lado, abrir mão de hum milhão e duzentos mil reais (valor atualizado de sua propriedade)... Pensou, pensou, buscando uma alternativa para dar um desfecho ao seu drama.
            
Quando estava indo buscar a Luluzinha, sua cadelinha de estimação, lá no Psiquiatra, veio a ideia luminosa. Mais do que depressa, através das redes sociais e sites de vendas, fez publicar o seguinte anúncio:
            
VENDE-SE PROPRIEDADE EM ÁREA NOBRE POR 120 REAIS. O INTERESSADO DEVERÁ ADQUIRIR, NO ATO DA COMPRA, UM CÃO DE RAÇA E PEDIGREE, NO VALOR DE HUM MILHÃO, CENTO E NOVENTA E NOVE MIL, OITOCENTOS E OITENTA REAIS.
         
Entre as várias ofertas, Tertuliano acabou fechando negócio com um interessado que lhe pagou a quantia em dinheiro vivo. Os 120 reais foram repassados para uma instituição de caridade. Deste modo, Tertuliano julgou que a promessa estava sendo religiosamente cumprida. Os hum milhão, cento e noventa e nove mil e tantos reais foram usados em aplicações variadas.
            
Caso você esteja com a suspeita de que o cão da venda é a Luluzinha, acertou. Tertuliano prevê dias gloriosos para seu time do coração, não está nem pouquinho disposto a gastar com psiquiatras tratando de seu cachorrinho, por mais Luluzinha que seja.
            
Ao final de tudo, Tertuliano ficou rindo à toa: seu time conquistou o título continental; com a venda da propriedade, ficou livre dos impostos territoriais; desfazendo-se de Luluzinha, economizou na compra de rações e gastos com veterinário e psiquiatra animal; finalmente, as aplicações financeiras lhe renderam bons dividendos. Agora, ele está sonhando mais alto: quer fazer doação a partir de um condomínio residencial de luxo, caso seu time conquiste o título maior de campeão mundial. Ele está achando que encontrou a fórmula de atrair a sorte, usando de falsas promessas e de muita esperteza. Pode?
Etelvaldo Vieira de Melo


             

A ÁRVORE VÊ O HOMEM

Imagem: magiazen.com.br

 Estou aqui, florindo, apesar de tudo.
Ele nem me vê, cortando com pressa
o sinal vermelho.
Seu rosto é uma nuvem
sem chuva.
A cabeça inquieta
é difícil de parar.
Ele se denomina racional,
mas não sente que é domesticado
pelo Sistema.
Lá vão os seus passos
nunca fixos nos lençóis d’ água.
Faltam-lhe o ar puro e o ouvido,
sempre olvidados.
Ao corpo, não surgem galhos,
pois as mãos e as pernas
caem, desfolhados.
Não lhe nascem raízes,
nem é frondosa a árvore genealógica.
Os seus perfumes
cheiram a óleo e a gasolina.
Os cabelos, desmatados,
não brilham o meu verde,
e as estrelas dos olhos se apagam,
sem firmamento.
No entanto, é jovem,
tal um vento de outono,
no bosque dos ancestrais.
O tronco é rugoso
e tomba para a frente,
sem querer dar frutos.
O que é do silêncio,
que em mim mantenho?
A voz lhe buzina,
mesmo sendo sozinho.
E sua mente desova
ninhos vazios.
É o homo sapiens,
rei das plantas e dos animais.
No mais, leva o floema
do computador.
Segue procurando
a minha fotossíntese,
que nele não há.
Vai-lhe a sombra correndo,
descolorida,
atrás dos sinais.
 




PALAVRAS MÁGICAS


ALONGAMENTOS OFICINAIS/ LETRAS MÁGICAS

A máquina, que era mágica, tornou-se trágica quando, trêmula e trôpega, atropelou o coração do homem.

A mola amola quando perde a mola? E a faca, será que se pode fiar numa faca afiada?

Quando soube que o essencial é invisível para os olhos, o cego pensou, aliviado: <Ainda bem!>

Muitas vezes, um olhar vale mais do que mil palavras. Aprendi tal lição com o cãozinho lá de casa.

Alguém diz: <Alguns amores vêm e vão, mas nunca vêm em vão.> Pergunto eu: <E, quando vão, é em vão?>

Prova de amor: porco-do-mato dar abraço apertado em porco-espinho.

Palavras do Dr. João: <Os tempos mudam, no devagar depressa dos tempos.>

<Aprendizagem é a arte de desocultar mistérios>, segredos guardados e escondidos.

Aquilo que sei de sabor e de saber: não há nada melhor do que aprender a viver a vida.

Lição da Natureza: Nada é tão simples quanto um pé de orquídea; nada é tão belo quanto uma orquídea em flor.

De tardezinha, uma avezinha voa sob uma nuvenzinha em busca de sua casinha num pé de jequitibá.
Etelvaldo Vieira de Melo


TEMPESTADES

Imagem: papeldeparede.fotosdahora.com.br


Chove chove chuva
tamborila na vidraça
entoa a flauta dos anjos
e o bombardino dos trovões.

Pluvia o povo, pluvia,
faz a nossa cara
ficar verde e dar flor.

Flor de maravilha!

Os pingos enxaguam
dentro de tudo
fornecem mel de abelhas
e os campos agradecem.

Cai cai chuvona,
para nossa alegria.
Chuveira toda a terra
traz a doçura
de volta ao rio.

Induz nosso sono
com sonhos molhados.
Paris seja nele
a cidade-luz.

Chove chuvinha
chuvinhosa e constante
porque o arco-íris
(e a esperança)
vêm dos seus diamantes.


FÁCIL & DIFÍCIL


            - Cumpadre, ocê tem um cigarrinho de paia pra me arrumá? Daqui eu vou até a venda e te trago um outro de lá.
            - Magina, cumpadre, num tem de quê. Esteje servido; enquanto isso, vamos proseá.
            - Que bom, pois lá na EJA, mandou o professor de redação que a gente escrevesse uma coisa fácil, seguida de uma difícil, como se fosse possível tal artifício, tudo numa dissertação. Pode me dar uma mão?
            - Cumpadre, nessa querela entre fácil e difícil, nem sempre prevalece a razão, com um se passando por outro, invertendo desse modo a avaliação.
            - Pois é, cumpadre, nem sempre o fácil é fácil, nem sempre o difícil é difícil. O difícil pode se tornar fácil e o fácil pode vir a ser difícil.
            - Mais uma coisa é certa: pior é temer o difícil, por pior que seja a dor; enquanto que, muitas vezes, pode ser dispensado o fácil, pois o fácil nem sempre tem valor.
            - Cumpadre, sua palavra é bem dita, mas vamos à dissertação, para que eu não caia na desdita de ficar em recuperação.
         Depois de certos janeiros, uma pessoa cortar as unhas de suas mãos é fácil; difícil é cortar as de seus pés.
         Admirar a beleza multicolorida de uma borboleta é fácil; difícil é suportar as lagartas devorando seu canteiro de couve.
         Votar em eleição até que é relativamente fácil; difícil ou quase impossível é acertar na escolha de um bom candidato.
         Uma mulher (ou homem) que se faz fácil é fácil; difícil ou quase impossível é que esse fácil não acabe por ser fácil.
         Ser honesto não é tão difícil; mais fácil é ser corrupto.
         Dar um tratamento mais humano para os animais é fácil; difícil é a gente levar uma vida de cachorro vira-lata.
         Ver o que é uma pessoa quando ela está fora de si é fácil; difícil é saber isso quando ela está dentro de si.
         Ser corrupto é fácil; difícil é ser movido pela ideologia da propina (à moda de Millôr Fernandes).
         É fácil ver sinceridade no ódio; ver sinceridade na admiração é difícil.
           É difícil, praticamente impossível, um camelo passar pelo fundo de uma agulha; daí, e só por isso, torna-se mais fácil um rico entrar no reino dos Céus.
         É fácil deixar o tempo passar; difícil é segurá-lo.
         Fazer um bom trailer de filme é fácil, fácil; difícil é esse filme ser razoável ou bom.
         Quando o aplauso é fácil, a vaia torna-se mais fácil ainda.
         Antigamente, era mais fácil um “ladrão de galinha” ser condenado e preso do que um “ladrão de colarinho branco”; hoje, é mais difícil um “ladrão de colarinho branco” ser condenado e preso do que um “ladrão de galinha”.
         Para quem mora no interior, é fácil escapar dos “vícios capitais”.
         O suborno é fácil, quando se sabe onde o outro deixa de ser difícil.
         É fácil colocar um homem público corrupto na cadeia: é só lhe tirar o dinheiro que tem; o que é difícil.
         - Já chega, né, cumpadre? Minha cabeça até dói de tanto arranjar comparação. Creio que seu professor vai se dar por satisfeito com tanta citação.
            - Sei lá, cumpadre; o professor é encrenqueiro pra danar. De qualquer modo, obrigado e vamos ver o que vai dar.
NOTA: Assim que acabei de digitar o texto, pensei: “Agora está fácil, é só mandar imprimir as cópias para o professor e os colegas da EJA”. Havia me esquecido de um detalhe: a impressora podia estar sem tinta. Estava. Aí ficou difícil.

Etelvaldo Vieira de Melo

BRINCANDO DE POESIA

1 AMARELINHA
    Observe o jogo de palavras:

       


2 – LEIA DE TRÁS PARA FRENTE:
     SOCORRAM-ME! SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS.

3 – PALAVRAS COM DEZ LETRAS, SEM NENHUMA REPETIÇÃO:
    Pernambuco – Crisântemo...

4 – VEJA AS PALAVRAS:
a)   Palavras barulhentas: vidrilho, trovão, bateria...
b)  Palavras coloridas: arco-íris, balão, beija-flor...
c)   Palavras tristes: cinza, Mariana...

5 - HAI-KAI
          Amor
     tece
     dor

6 – AVENTURA DE GATO E RATO:
     O gato comeu o rato
     e no ato
     ficou muito grato.

7 – A GARRA DO GAVIÃO:
     Gavião perdeu a garra
     e só voa de avião.


    



A ORDEM DOS FATORES ALTERA O PRODUTO?

Não sei se pedi para vir pra este mundo. O que gostaria é de ter escolhido a ordem dos acontecimentos de minha vida.
Se está certo o que dizem os árabes, maktub! (estava escrito!), se nosso destino está previamente determinado, o que queria mesmo é ter sentado com as entidades superiores e estabelecido a sequência de meu tempo de vida.
Se tal sequência fosse franqueada a todos, para que a vida na Terra não se tornasse uma bagunça, cada pessoa teria seu tempo dividido em fatias de cinco anos, podendo manipular essas fatias. O texto abaixo tenta explicar porque as coisas deveriam ser assim, e não desta forma que está aí.
Eu penso que existe algo de profundamente errado com a vida humana. Creio que não fica bem essa cronologia de nascer, crescer, fazer, aparecer, acontecer, ser, descer, padecer e desaparecer. Minhas razões, para pôr em dúvida aquilo que está estabelecido desde sempre, estão fundadas em arguta observação ao longo da minha existência.
Aprendi que, ao contrário do princípio matemático, na nossa vida a ordem dos fatores altera, e muito, o produto final. Como exemplo, eu me lembro de um técnico de futebol que dirigiu a seleção brasileira. Ele passou por duas situações extremas: a conquista do campeonato mundial de 2002 e a vergonhosa derrota (7X1) para a seleção da Alemanha, em 2014. Se fosse você, qual situação deveria vir por último?
Quando alguém chega perto de você e pergunta: “tenho duas notícias para lhe dar, uma boa e a outra ruim, qual quer saber primeiro?”, irá escolher a ruim, deixando a boa para o final, nem que seja para ficar com um gostinho bom na boca?
Quando está tomando um delicioso sorvete, ou comendo uma torta ou um pudim, você o faz moderadamente, saboreando cada porção até chegar à metade? Daí em diante, tem o sentimento de que o gosto passou a ser um pouco amargo, tudo por causa do fim que se avizinha? Assim acontece comigo, não sei se é este o seu sentimento.
Vamos supor que você ganhe de presente uma árvore de jabuticaba, carregadinha de frutos maduros. Quem lhe deu esse presente foi a dona Leíla, mulher do Bomba, farmacêutico renomado da cidade.
Depois de catar um balde cheio de frutos e depois de lavá-los em água corrente, você se senta à mesa e começa o processo de degustação. Qual o seu cuidado? Certamente, você se preocupa em mordiscar primeiro aquelas frutas menores e de pior aparência, evitando engolir os caroços, para que, depois, não venha a sofrer desagradáveis consequências.
Você deixa para o final aquelas jabuticabas graúdas e pretinhas. Quando morde uma, a sua boca faz um barulho de “ploc”, e seu sentimento é o de um prazer indescritível.
Clarice Lispector não foi uma menina que roubava livros, mas ela os amava de uma maneira que as pessoas hoje não têm como entender. Certa vez, conseguiu emprestado um livro de Monteiro Lobato chamado “As reinações de Narizinho”. Ela, ao invés de começar a ler avidamente, fez exatamente como você com o sorvete ou com as jabuticabas de dona Leíla. Ela abraçava o livro, lia, aleatoriamente, algumas frases, morria de ansiedade de perdê-lo. Resumindo, estas foram as suas palavras:
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Todos estes exemplos mostram que a felicidade acontece em determinados momentos da vida, com esses momentos nem sempre estando nos finais da história.
Acredito que nossa existência teria outro sentido e seria mais agradável se a cronologia ficasse a critério de cada um, segundo as próprias conveniências. Assim, pode ser que alguém prefira essa ordem que está aí, com o momento mais significativo sendo o da velhice e a consequente morte.
Pode ser que outro alguém queira nascer velho, liquidando de vez aquelas jabuticabas pequeninas e azedas, aquelas múltiplas e infindáveis dores que atacam seu corpo.
Quem sabe, haja alguém que prefira ter como momento final o de seu nascimento. Não quero dizer com isso que o indivíduo em questão nasce e morre logo; ele pode começar, por exemplo, na fase adulta; depois, passa para a infância e a velhice, terminando seus dias no nascimento. O importante é que a pessoa possa escolher aquele melhor momento de sua vida como sendo o derradeiro.
Millôr Fernandes já dizia algo a respeito:
Com precoce sabedoria jamais comemorei meus aniversários em ordem cronológica, porque percebi que assim não envelhecia cronologicamente. Fiz 30 anos aos 28, 34 aos 42 e 53 aos 49. Com isso pulei tranquilamente algumas efemérides deixando-as para quando fossem mais convenientes. Este ano estou comemorando 22 anos, dos quais, aliás, tinha me esquecido completamente.
Como podem ver, não estou criando algo de novo ao fazer estas considerações.
O que queria mesmo é que a vida imitasse aqueles filmes de antigamente, quando o FIM era estampado na tela com o herói e a mocinha se beijando apaixonadamente. Mascando chicletes, a gente saía do cinema como que caminhando nas nuvens. Era desta maneira que todos deveriam partir das próprias vidas. Chegando do outro lado, e havendo um outro lado, quando alguém nos perguntasse se valeu a pena viver, a nossa resposta seria um “sim” entusiasmado, nunca um “não” de quem comeu e não gostou. Além disso, é sempre bom fazer valer o ditado de que “a última impressão é a que vem no final”.
Etelvaldo Vieira de Melo