A VIAGEM

V
ai Terebentina visitar sua irmã Abrilina na cidade de Bonito. Uma série de inconveniências se apresenta bem antes dela colocar o pé na estrada. Pé na estrada é força de expressão, já que eles, os pés, estarão sobre as rodas de um automóvel.
           
Bonito é um lugar que faz honra ao nome, sendo reconhecido internacionalmente pelas águas cristalinas de seus rios. Lá se pratica o que chamam de ecoturismo. Como tudo ali é preservado, as muriçocas voam de braçadas, atacando impiedosamente aqueles incautos turistas que não se armam com repelentes.
           
Foi isso que ocorreu e que vi com meus próprios olhos, quando atacaram o casal Flores das Laranjeiras, precisamente o marido, Florival Floriano. Sua esposa dava-lhe tapas e mais tapas. Ele reclamou:
           
- Mulher, você está me batendo demais. Está doendo pra chuchu! -(uma expressão da qual não sei o propósito).
           
A mulher alegou que era por causa das muriçocas. Entretanto, ficou no ar a suspeita de que os tabefes vinham por causa de outras razões. Os mosquitos funcionaram como pretexto.
           
Se você quer uma desculpa para dar uns bons cascudos no seu companheiro ou companheira, fica aqui a sugestão para uma visita a Bonito. Lá, você poderá juntar o útil ao agradável.
           
As muriçocas e o risco que representam se constituem a primeira inconveniência para o passeio de Terebentina. Ela anda tão esmirradinha, tão debilitada que qualquer gotinha de sangue a menos pode lhe custar caro. Levando em conta essa razão, eu lhe daria um veto. Entretanto, tem mais.
           
Terebentina sofre de intestino solto, parece uma torneira que perdeu a bucha. Por isso, ela precisa tomar uns comprimidos de Imosec para segurar as pontas até chegar ao destino. O problema é que, às vezes, a dosagem passa da conta e Terebentina acaba ficando vários dias entupida, o que não deixa de ser outro inconveniente a marcar pontos contra a viagem.
           

Coroando essa série de riscos, fiquei sabendo que o motorista da viagem será o seu sobrinho Madurino Cruz. Não tenho nenhum reparo quanto as suas habilidades no volante, mas sei bem dos traumas de infância e adolescência que ele carrega e que podem a qualquer hora, sem mais nem menos, explodir com consequências imprevisíveis.
           
Até seus quinze anos de vida, Madurino sofria com enjoos quando viajava. Sei disso muito bem, pois estava ao seu lado, quando de um passeio a Resplendor.  Sabendo da facilidade com que ele “chamava o mico” (outra expressão da qual também não sei o propósito), sua mãe cuidava de lhe fornecer muitos limões para serem cheirados e muitos palitos de fósforo para serem mastigados (os donos da fábrica de fósforos “Fiat Lux” deveriam ficar rindo à toa nesses momentos, em decorrência do aumento das vendas).

Nessa viagem a Resplendor, o transcurso foi feito à noite. Tínhamos que atravessar uma região montanhosa e o frio era intenso. Logo, Madurino fez o favor de escancarar a janela ao lado de sua poltrona, colocando o rosto para fora e recebendo aquela lufada de ar frio. Estava pálido, com um limão rente ao nariz, enquanto um palito de fósforo rolava na sua boca tal como uma bengala em mão de cego.
           
Tentando ser agradável, tentando amenizar-lhe a angústia ante a iminência de um vômito, puxei conversa, falando de coisas banais.
           
Para quê! Madurino olhou-me com olhos enraivecidos e me disse essas palavras duras, das quais eu não me esqueço até hoje:
           
- O senhor sabe muito bem que não gosto de conversa, quando estou viajando.
           
Junta tudo isso num liquidificador, as muriçocas, a debilidade de Terebentina, seu intestino solto, os imosecs, o trauma de infância de Madurino, ainda não terapeuticamente tratado, e veja se não tenho minhas razões para estar preocupado, se não estou certo em achar nada bonito essa viagem a Bonito.
           
Caso considere isso pouco, fique sabendo que Madurino está levando também sua namorada, Dosolina Bubina. Como a relação deles anda instável, qual placa tectônica, é bem provável que ela utilize do pretexto das muriçocas para aplicar-lhe uns bons tabefes. Vai daí que, ao retornar da viagem, o trauma de infância de Madurino não venha a eclodir e ele, desorientado por causa de ter o rosto e o corpo cobertos de hematomas, ao invés de tomar o rumo das Minas Gerais, entranhe pelas terras paraguaias, sem hablar um tiquito de castelhano e com o estoque de Imosec da Terebentina zerado. Há o sério risco de termos vômitos pra tudo quanto é lado, pra cima, pra baixo, pros lados. Eu é que não gostaria de estar pelas proximidades, embora uma visita a Ciudad del Este esteja entre meus sonhos de consumo.
Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Anônimo disse...

Prezado cronista
Eu , um de seus leitores assíduos, tive a oportunidade de conhecer Bonito , que, conforme vicê bem o disse, faz jus ao nome. Testemunhei, passeando de bote em um de seus rios de águas cristalinas, uma turista dar vários tabefes no marido, usando do pretexto de estar matando muriçocas. Realmente , elas existem aos montes, pois eu mesmo recebi alguns tabefes em virtude do zelo de minha esposa e companheira de passeio, na tentativa de espantar ou matar os inoportunos insetos.A estória ou história contada na sua crônica é deveras hilária e me roubou muitos risos. Parabéns, mais uma vez.

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