POEMAS-PIADAS

ruralban.com
A placa pro boticão:
- "Eu sou a sua querida?"
E ele, com afetação:
- "Meu amor é o Tiradentes."

blogentrelacados.com
A mousse pro chocolate:
- "Façamos de noz as pazes."
E ele, com indiferença:
- "Eu sempre serei brigadeiro."


imagenstop.net
O mar diz à praia:
- "Venha até mim."
E ela, tirando espumas:
- "Não vou. Você só faz onda."


acasadeviver.com
O tijolo para a tijola:
- "O que é que existe entre nós?"
E a bela, com suas tijoias:
- "Entre nós há um ciumento."


radiolaguy.com
O radiolo pra radiola:
- "Vamos fazer um radinho?"
E a jovem, com muita mágoa:
- "Não posso. Sou stéreo."


- "Quer um yogurte?"
pergunta o passarinho.
E a pássara, cheia de asas:
- "Prefiro danoninho."


sementinhasparacrianças.blogspot.com

O peixinho diz à peixinha:
"Estou apeixonado."
E ela, brilhando esclamas:
- "Nada!"





PARA OS QUE CRUZAM O CABO DAS TORMENTAS

       Salta aos olhos da cara que este texto é endereçado a um público específico: aquele que passa pelas casas dos “entas”, que atingiu o patamar da “juventude acumulada”. Entretanto, que não o subestimem os demais possíveis leitores, pois haverão de chegar lá um dia – se as forças do destino conspirarem a favor.
           Antes de falar das considerações pertinentes, chamo a atenção para os eufemismos com que uma idade em que a vaca está indo pro brejo com chifre e tudo é brindada (não seria melhor dizer blindada?): melhor idade, terceira idade, juventude acumulada, maturidade, pessoa vivida e experiente. Tudo muito bonito, respeitando a máxima do “engana que eu gosto”. Já a expressão “pé na cova” é sinal de sadismo. Mas vamos ao que interessa.
       Sei que se sente como Bartolomeu Dias ao atravessar o Cabo das Tormentas. Você que até aqui navegou na sua vida em águas tranquilas, de repente, enfrenta um mar raivoso, acometido por dores pra tudo quanto é lado. Entretanto, tal qual Dom João II, quero lhe mostrar que, sob certos aspectos, este cabo pode ter outra denominação: Cabo da Boa Esperança. É o que vai ver em seguida. Não estou querendo “dourar a pílula”, engabelar você, fazê-lo de trouxa. Simplesmente, quero lhe mostrar que, o que dá pra chorar, também pode fazer rir.
            São oito as revelações. As quatro primeiras foram compiladas por Leon Beaugeste e estão em piadasantigasenovas.blogspot.com.br; as quatro últimas resultam de aconselhamento junto ao meu vizinho Jacinto das Dores Vitais, ele que já faz parte desse honroso (quase escrevi horroroso), garboso e impoluto time da “juventude acumulada”.
            De Leon Beaugeste – Quatro motivos para se sentir bem com a idade que tem:
               1º) Ninguém mais o considera hipocondríaco;
            2º) Seus segredos ficam bem guardados com os amigos, porque eles esquecem;
         3º) As suas articulações passam a ser mais confiáveis que o serviço de meteorologia;
              4º) O seu investimento em planos de saúde finalmente começa a valer a pena.
            Já Jacinto das Dores, com base em sua experiência de vida, pede que eu registre os seguintes conselhos:
 1º) Modere seu fluxo verbal.
Não se sabe bem por que, você, antes tão contido, reprimido, comprimido, tampado, travado, enrustido, de repente, abriu a porteira, destramelou a língua e desandou a falar “pelos cotovelos”. Eu daria parabéns para a sua fluidez verbal, se não notasse que ela passa dos limites da conveniência. Lembre-se do ditado que diz “quem fala muito dá bom-dia a cavalo”. Só posso dizer que moderação no linguajar (além do enigmático caldo de galinha) não faz mal a ninguém.
2º) Não se acanhe de se aproximar do sexo feminino.
Você se lembra como era difícil se aproximar do sexo feminino? Não é por nada não, mas agora você pode ir sem susto. As mulheres já se deram conta de que você se tornou um cão que ladra, mas não morde. Então, por brincadeira, uma vez ou outra tente atacar uma delas. Não vai dar em nada, mas ambos terão motivos para boas risadas.
3º) Procure expandir seu círculo de relações sociais.
Hoje em dia, as pessoas vivem isoladas umas das outras. A comunicação interpessoal está em petição de miséria. Aproveite de ser você uma exceção para essa regra. As pessoas não temem cumprimentá-lo. Use desse seu direito quase exclusivo, mas respeitando os limites, conforme primeira recomendação.
 4º) Usando da gratuidade do transporte coletivo, não se esqueça de um agrado para motoristas e trocadores (também chamados de “agentes de bordo”).
Finalmente, entenda que é natural a má vontade dos motoristas dos transportes coletivos em tê-lo como passageiro. Além de não pagar passagem, você tem se mostrado um sujeito cada vez mais lento e mais lerdo. Somado a um trânsito caótico, isto faz com que a profissão de “motô” se torne cada vez mais estressante. Uma coisa que poderá lhe render alguns dividendos é você se abastecer com algumas guloseimas – balas, especialmente – para oferecer aos motoristas e aos trocadores. Adoçando suas bocas, talvez amoleça seus corações.
Jacinto lembra que, depois de muita enrolação, 1º de outubro foi oficializado como Dia do Idoso. Também pede aos leitores para anotarem a data em suas agendas. Segundo ele, a data tem passado em brancas nuvens, sem que uma viva alma se lembre de lhe oferecer uma balinha jujuba que seja.
Etelvaldo Vieira de Melo

LIBERTAS QUAE SERA TAMEN

Desenho de tigre de bengala
Imagem: gartic.com.br

Os aposentados se reúnem        
no anfiteatro da Reitoria.
Vêm se defender
do ataque do governo
que quer cortar-lhes
(esperando que a morte tarde)
os esparsos benefícios.

Mestres e doutores
chegam de bengala
(tigrinhos de Bengala).
Todos velhos, todos cheios
de ideias e ideais.

Vão chegando
os ex-funcionários
da UFMG.
Como podem se defender
cãs nevadas
braços idosos?

Parecem passarinhos
agredidos pelo estilingue
do Poder.
Que covardia!
Que furor insano
dos governantes!

Enquanto isso,
na Câmara
os deputados deitam-se no ouro
e arrotam diamantes.









            

PARÓDIA

       O astro famoso do cinema tem uma vida muito mais intensa que a minha, mas porque sua vida não é a minha, quero crer que sua vida não é tão intensa quanto é a minha vida.
        O astro famoso do cinema quase todo dia é manchete de jornais e revistas, quase sempre está viajando pelo mundo (ele já conhece meio mundo), enquanto a quase totalidade do mundo o conhece por meio de seus filmes famosos. Quanto a mim, poucas pessoas me conhecem no lugar onde moro e eu conheço pouquíssimos lugares além daquele onde moro.
        Minha visão vai até onde meu olhar alcança e ele pouco mais alcança além das casas de meu vilarejo. É por isso também que minha vida é mais intensa que a vida do astro famoso do cinema, porque quanto mais uma pessoa vê, menos ela enxerga.
        A vida do astro famoso do cinema é completa, tão completa que lhe falta tempo para viver os momentos com intensidade. Sua vida flui superficialmente, tomada por múltiplas tarefas e solicitações. Ao contrário, minha pequena vida, talvez por ser pequena, pode ser vivida com intensidade em todos os detalhes, por pequeninos que sejam.
        Como minha vida é pequena e minha visão vai só até um pouco mais além das casas de meu vilarejo, sinto-me mais livre que o astro famoso do cinema, ele que, com sua vida tão intensa, mal consegue dar conta de seus atos. E é também por isso que considero minha vida mais intensa, porque me sinto essa pessoa livre e essa liberdade me torna um ser leve e só o que é leve pode voar melhor.
        Enfim, os olhos do astro famoso do cinema estão voltados para o mundo; ao contrário, os meus acolhem minha pequena aldeia, suas casas, ruas, pessoas e, assim, me acolhem, tornando minha pequena vida mais intensa que a intensa vida do astro famoso do cinema.
Etelvaldo Vieira de Melo

ABANDONO FEDERAL

Imagem: www.otempo.com.br

URUBU QUER CANTAR

      Ao se encontrarem numa lanchonete, enquanto bebericavam um suco de Açaí, Fridolino Xexeo perguntou para Ingenaldo:

            - Ingenaldo, o que é...

            - O que é o quê? – cortou Ingenaldo, enquanto limpava os óculos azuis.
           
- ... que “sou branco de nascença, hoje sou preto como carvão, vida pra mim é tristeza, morte é consolação”.

            Após alguns segundos, com a mão direita segurando o queixo, Ingenaldo respondeu:

            - O urubu!
           
            - Muito bem – cumprimentou Xexeo. – vejo que está se dando bem com o tratamento para PFC.

            (PFC nada tem a ver com futebol; é uma sigla que nomeia um distúrbio psicossomático: Prolapso de Fim de Curso.)

            - Mas não estou aqui para propor adivinhações – continuou Fridolino. – Quero lhe contar uma história.

            - Que bom! Adoro ouvir uma boa história.
           
            - Era uma vez... – começou a contar Fridolino Xexeo.

O urubu-rei, tomado de extrema preocupação
Certo dia resolveu convocar o Conselho dos Melhores
Para, juntos, deliberarem, tomando uma decisão
Sobre como resolver um de seus problemas piores.

Perguntou sua majestade, dando início à sessão;
O que torna uma ave diferente dos demais
O que faz com que seja olhada com atenção
E não seja confundida com outros animais?

O Conselheiro Acácio, que já dispunha de idade avançada
Disse: Creio que seja o fato de poder voar
Um sonho acalentado por toda a bicharada
Mas que somente uma ave consegue realizar.

Antônio Conselheiro, bem mais jovem e de ar belicoso
Contestou aquela tese de seu par
Falando em tom raivoso:
Que uma galinha de ser ave não vai deixar
Mesmo querendo mas não sabendo voar
O que diferencia as aves dos outros, explico
São suas plumagens e o bico
Assim eu penso e mais não sei explicar.

Dou a mão à palmatória, falou Acácio conciliador
Tem razão o nobre colega em seu falar
Mas se tem algo que é da ave um pendor
Certamente é seu maravilhoso cantar.

Falou com ansiedade o urubu-rei:
Você tocou num ponto onde quero chegar
Até uma galinha dá seus cacarejos que eu sei
Mas nossa espécie é analfabeta na arte de estrilar.

E arrematou o nobre soberano:
A partir de hoje fica instituída a Escola Musical
Onde todos irão estudar, do tenor ao soprano
Passando pelo barítono, todos num acorde vocal.

O Conselheiro Acácio disse, tomando a palavra para si:
Pela minha idade provecta, contento-me com as aulas do EUJA
Talvez consiga aprender a solfejar o dó,ré,mi
Talvez aprenda qualquer outra coisa que seja.

E, assim, os estudos foram iniciados com muita animação
E quando algum, descuidado, punha-se a cantar
Caía uma chuva torrencial acompanhada de trovão
Mostrando a todos que não podiam o carro apressar
Que ainda não chegara a hora de soltarem o vozeirão.

Enquanto estudavam as partituras em teoria
Ouviram os urubus um canário certo dia
Estando ele pousado sobre o galho de um arvoredo
Num cantar alegre de um folguedo.

Como pode ser assim? - perguntou o urubu-professor
Por acaso você frequentou alguma escola particular
Onde lhe ensinaram a lição de cantar?
Mostre-nos seu diploma, por favor.

Meu canto eu não aprendi em nenhum lugar
Eu sempre fui assim, aprendi tudo sozinho
Não sei como posso lhe explicar
Se isso faz parte de minha natureza de canarinho.

Indignados e ofendidos, os urubus começaram a gritar
Enquanto atiravam pedras, tentando o pássaro acertar
E este, sentindo-se perseguido
E muito mais ofendido
Tratou de para longe voar.

É por isso que diz o ditado popular:
Em território de urubu, canário não pode cantar.

Etelvaldo Vieira de Melo





           

            

QUADRINHAS MINEIRAS



- 1 –
Chove chuva miudinha
na corcova do meu chapéu.
marimbondo tá dizendo
que sapo não tem pescoço.
- 2 –
Atirei uma pedra n’água
de pesada foi ao fundo.
Os peixinhos me disseram:
“Ei, vamo pará com essas pedra aí?”

- 3 –
No alto daquela serra
passa boi passa boiada
passa boi passa boiada
passa boi passa boiada...
Eita, que movimento!
- 4 –
A lua vinha surgindo
redonda feito um tamanco.
Eu olhei pela janela
e cadê ela?
- 5 –
Eu subi na laranjeira
para ver meu amor passar.
Meu amor não passou,
eu desci com espinho na bunda.



                                               - 6 -
Vai-se a primeira pomba despertada.
vai-se uma
vai-se outra
vai-se outra...
Quem deixou a gaiola aberta?
- 7 –
    Atirei o pau no gato,
     o gato saiu correndo
        (o leitor que continue)




 

O PRETEXTO, O TEXTO E O CONTEXTO

         Uma das ideias recorrentes nestes textos que ando produzindo é a de que tudo na vida deve ser contextualizado. Acontecimentos, palavras e maneiras de pensar só poderão ser bem compreendidos sob a ótica do contexto em que foram criados.
         Quando escrevi sobre o aumento indiscriminado da produção de automóveis e do mal que eles acarretam, estava refletindo as condições de determinado momento da história de certo país. Pode ser que, em pouco tempo, sua leitura se torne difícil, tendo o ser humano inventado outros meios de locomoção, como seria o caso dos teletransportes. Os filmes de ficção científica exploram o tema, com instigantes alternativas para povoar o imaginário coletivo.
         O mesmo cinema comete o deslize, ao retratar fatos passados, de apresentar personagens como se vivessem no mundo contemporâneo. Quando assisto a um desses filmes, sinto-me tomado de complexo, como se eu fosse uma regressão histórica. Chego a pensar:
         - Puxa vida, de tanto falar que toda regra tem exceção, sinto-me a exceção da teoria da evolução das espécies, defendida por Darwin! Esses homens de antigamente se mostram mais evoluídos do que eu!
         Apesar de entender que todo texto reflete um contexto, gostaria muito que estes aqui fossem atemporais, que pudessem ser lidos em todos os tempos, já que meu público leitor, em sua maioria, está nas “nuvens”, sendo que muitos ainda nem viram a luz do mundo.
         Assentados os tijolos desta construção lógica e feito o reboco, resta dar o acabamento final, ou seja, aplicar uma camada de pintura sobre tudo o que foi dito. Gostaria que a tinta fosse de primeira, mas como custa caro, vamos abrir mão das sedas, veludos e prêmios, para arrematar com um produto de segunda linha mesmo.
         Tudo tem a ver com uma cerimônia de casamento a que assisti. Desde o começo vi que aquilo não ia dar certo.
         A cerimônia deveria acontecer às dezenove e trinta; no entanto, ela se atrasou por cerca de uma hora e quarenta minutos. Enquanto isso, o templo ia se enchendo de gente e o calor começou a se tornar insuportável e alguém teve a ideia de ligar alguns ventiladores e eles atingiam em cheio os cabelos de mulheres e moças que haviam se produzido com todo esmero para a cerimônia e aquilo era um fato que deixava todas elas aborrecidas.
         O tempo já beirava as vinte e duas horas quando o pastor começou a berrar suas locuções. Ele nem precisaria usar de microfone, já que seu tom de voz era tão alto que, se ali estivesse um fiscal da prefeitura, haveria de lhe aplicar uma sonora multa, por excesso de decibéis.
         E lá estava o dito pastor falando seus impropérios, cuidando de destrinchar o livro do Gênesis, em sua narrativa sobre a criação do homem e da mulher. A interpretação dada pelo pastor era tal como estava escrito, ipsis litteris, sem tirar nem por.
         Ora, convenhamos, aquela narrativa fala dos tempos antigos, quando havia um acordo tático, com a mulher dizendo assim para o homem:
         - Vou cuidar da comida e dos afazeres do lar; enquanto isso, você cuida do provimento da casa, usando de sua força bruta.
         O homem, então, pensou: “Eu serei o varão, o senhor, a cabeça da família”.
         Enquanto isso, pensou a mulher: “Sei o que você está pensando e eu vou deixar você pensar assim. Por enquanto, como adiantamento, vou segurá-lo pela barriga” – numa alusão ao fato de ser ela a dona da cozinha e ao ditado de que a mulher segura o homem pelo estômago. Sabia a mulher também que era dona de outras chaves que abriam outras portas, portões e cancelas. Por isso, sabia muito bem que teria seu homem sempre à mão.
         O pastor, contudo, parece não ter percebido isso. Sua fala era dirigida quase que exclusivamente ao noivo, tratado de varão, senhor, cabeça.
         Nesta altura, minha esposa me cutucou, sussurrando ao meu ouvido:
         - Não sou nenhuma mula sem cabeça, não!
         A fala do reverendo depreciava tanto a mulher, que eu não via a hora em que todas haveriam de se levantar, deixando o templo indignadas.
         Isso não ocorreu porque a noiva teve o cuidado de preparar a liturgia segundo suas conveniências, com encenações que contrariavam as palavras do celebrante. Por exemplo: enquanto ele vociferava varão pra cá e varão pra lá, um casal de crianças caminhava pelo centro do templo em direção aos noivos, levando as alianças. O menino puxava uma carroça... onde a menina estava acomodada.
         Ao final de tudo, ao contrário de meu temor, todos saíram felizes do templo: o pastor e os homens com o sentimento de serem senhores, as mulheres rindo interiormente, confortadas com o recado dos gestos daquela celebração.
         Tudo conforme ao que ouvi minha esposa falando, certo dia, para minha filha:
         - Os homens necessitam do sentimento de autoridade. A gente só finge que aceita. Assim, eles pensam que mandam, enquanto fingimos que obedecemos. É nesse jogo de faz de conta que iremos exercer nossa dominação, usando de nossas poderosas armas.
         É por isso que, depois de muitos anos de estrada, acatei as sábias palavras do ditado ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Etelvaldo Vieira de Melo

 

        
         

HERÓI DE VERDADE




Imagem: pt.wikipedia.org

Joaquim José da Silva Xavier,
o Tiradentes,
herói da Inconfidência.
Não o herói construído,
mas o herói feito a patíbulo, sangue e esperança.
Não tinha medo
de gritar aos quatro ventos
que a liberdade viria.

Seria ele
um bode expiatório
para afastar as suspeitas
sobre os poderosos de Minas
envolvidos na rebelião?
Talvez fosse, não importa.
Com a mesma eloquência
com que falava da pátria livre
chamava para si
o castigo dos inconfidentes
(embora não houvesse culpa
e as provas dos processos não coincidissem
na Arcádia mineira.)

Caminhando para o enforcamento
não  maldisse o verdugo.

Ele se entrega aos carrascos
enfrentando a fúria dos reis
ou dos governadores.
O único a ser morto
pela causa nacional:
Libertas quae sera tamem.

Bandido da coroa lusitana,
Cristo da República?
Não importa.
O importante é seu destemor
ante os políticos corruptos,
ante a guarda de Villa Rica,
naquele dia 21 de abril
De l789.

 

JOGANDO PEDRA EM CAIXA DE MARIMBONDO

        ANTES de tudo o mais, preciso deixar bem claro: toda regra tem exceção e, em certas circunstâncias, toda exceção tem sua regra. No primeiro caso, a regra é regra e a exceção é exceção; no segundo, a exceção é regra e a regra é exceção.
           
No presente relato, não saberei definir se estou falando da exceção de uma regra ou considerando que seja a exceção a própria regra, para a qual existe uma regra como exceção.
           
- Por que tanto cuidado com os termos? – poderá você perguntar, com ares de irritação e impaciência.
           
Só posso responder que o tema em questão é melindroso, que estarei mexendo em caixa de marimbondo, sem os devidos agasalhos de proteção. Vai lá que eu tenha uma espécie de alergia e uma ferroada me seja fatal!
           
Deixando de lado as alegorias, que até podem ensejar inferências maliciosas: vai que eu venha ferir susceptibilidades e, como um efeito em cascata, o mal entendido se propague, decretando a falência deste blog, um dos últimos redutos onde expresso minhas ideias? Não vou dizer que a minha vida irá chegar ao fim, o que seria um exagero, mas estarei enterrando momentos de alegria e de prazer.
           
- Por que não conta o que tem pra contar, deixando as conclusões por nossa conta? – pergunta você, indignado.
           
Está bem, entrego os pontos. Só mais um detalhe: quem atira as pedras é o Marciano, de quem eu vou falar mais na frente, ele que tem o nariz achatado, como se tivesse levado um tremendo de um soco.
           
Quanto ao relato, é o seguinte:
           
Estava eu andando pelas ruas da cidade em direção a um supermercado, onde iria comprar, prioritariamente, um quilo de feijão. Estou usando esta expressão “prioritariamente” porque tudo pode acontecer quando você entra em um supermercado ou em uma loja de departamento. No caso do supermercado, você pode comprar tanta coisa que acabará se esquecendo do principal – o feijão, no exemplo.
           
Estava eu, pois, indo em direção a um supermercado quando me deparei com Marciano, um ex-colega dos tempos ginasianos (por aí, você pode inferir que já estávamos nas casas dos “entas”).
           
Nosso relacionamento era superficial; daí, a conversa introdutória não ter durado mais que cinco minutos.
           
- E, então, onde você está indo agora? – perguntou-me Marciano, mais por perguntar.
           
- Estou indo a um supermercado comprar, pelo menos, um quilo de feijão. A propósito, existe alguma marca em especial que você me recomendaria?
           
- Olha – falou Marciano, cautelosamente. – Eu indicaria aquelas que eu não recomendo, mas não só de feijão.
           
- Como assim? – quis saber, curioso.
           
- Quando vou comprar um produto qualquer, procuro verificar na embalagem se existe expressão do tipo “Até aqui tem me ajudado o Senhor” ou “Deus é fiel”.
           
- Por que você se recusa a comprar produtos com esses dizeres nas embalagens?
           
- Porque invariavelmente são produtos de má qualidade. No caso do feijão, muitas vezes está velho (mesmo que a data de validade diga o contrário); outras, está bichado, com pedras, bagos de milho ou objetos estranhos.

- Casualmente, já observei isso também.

- Então, você pode concluir que muitos produtores, ao invocarem Deus em suas vendas, julgam que Deus poderá ajudá-los à custa de enganar os consumidores, tratando-os como panacas, trouxas.
           
- O que você está dizendo é sério e pode provocar comoção em muitas pessoas.
           
- Se você está melindrado com o que eu disse, pode tomar como exceção, enquanto que, de minha parte, considero como regra. Este é um princípio que uso sempre em minhas compras: invocou Deus, “tô” fora. Nota que enfatizei a palavra “compras”, pois respeito outras formas de manifestação de religiosidade. Concluindo, minha tese é que muitas denominações religiosas estimulam o individualismo, levando o adepto a só se preocupar consigo mesmo, deixando de lado os outros.
           
E, assim, nos despedimos. Não sei por que, lembrei-me de um ex-presidente, que tremeu feito vara verde quando assumiu o cargo, e que mandou colocar nas notas a expressão “Deus seja louvado”, querendo, entre outros propósitos, exorcizar o demônio da inflação. Parece que Deus não gostou daquilo, pois foi nesse governo que a inflação comeu solta, com os preços aumentando a cada minuto e a população tendo que pular feito milho de pipoca para sobreviver.
           
Há um provérbio antigo que diz “o castigo vem a cavalo” (hoje, poderia ser atualizado por táxi, “mala direta”, a jato). Isso acontece porque pessoas, tidas como muito religiosas, esquecem-se daquele preceito de “não pronunciarás o Nome do Senhor, teu Deus, em vão”, conforme prescrito no Livro do Êxodo.
           
Por essa e outras que acabo dando razão ao Marciano: é preciso desconfiar daqueles que usam em demasia o nome de Deus.
            Etelvaldo Vieira de Melo