ANTES de tudo o mais, preciso deixar bem claro: toda regra tem
exceção e, em certas circunstâncias, toda exceção tem sua regra. No primeiro
caso, a regra é regra e a exceção é exceção; no segundo, a exceção é regra e a
regra é exceção.
No presente relato,
não saberei definir se estou falando da exceção de uma regra ou considerando
que seja a exceção a própria regra, para a qual existe uma regra como exceção.
- Por que tanto
cuidado com os termos? – poderá você perguntar, com ares de irritação e
impaciência.
Só posso responder que
o tema em questão é melindroso, que estarei mexendo em caixa de marimbondo, sem
os devidos agasalhos de proteção. Vai lá que eu tenha uma espécie de alergia e
uma ferroada me seja fatal!
Deixando de lado as
alegorias, que até podem ensejar inferências maliciosas: vai que eu venha ferir
susceptibilidades e, como um efeito em cascata, o mal entendido se propague,
decretando a falência deste blog, um dos últimos redutos onde expresso minhas
ideias? Não vou dizer que a minha vida irá chegar ao fim, o que seria um
exagero, mas estarei enterrando momentos de alegria e de prazer.
- Por que não conta o
que tem pra contar, deixando as conclusões por nossa conta? – pergunta você,
indignado.
Está bem, entrego os
pontos. Só mais um detalhe: quem atira as pedras é o Marciano, de quem eu vou
falar mais na frente, ele que tem o nariz achatado, como se tivesse levado um
tremendo de um soco.
Quanto ao relato, é o
seguinte:
Estava eu andando
pelas ruas da cidade em direção a um supermercado, onde iria comprar,
prioritariamente, um quilo de feijão. Estou usando esta expressão
“prioritariamente” porque tudo pode acontecer quando você entra em um
supermercado ou em uma loja de departamento. No caso do supermercado, você pode
comprar tanta coisa que acabará se esquecendo do principal – o feijão, no
exemplo.
Estava eu, pois, indo
em direção a um supermercado quando me deparei com Marciano, um ex-colega dos
tempos ginasianos (por aí, você pode inferir que já estávamos nas casas dos
“entas”).
Nosso relacionamento
era superficial; daí, a conversa introdutória não ter durado mais que cinco
minutos.
- E, então, onde você
está indo agora? – perguntou-me Marciano, mais por perguntar.
- Estou indo a um
supermercado comprar, pelo menos, um quilo de feijão. A propósito, existe
alguma marca em especial que você me recomendaria?
- Olha – falou
Marciano, cautelosamente. – Eu indicaria aquelas que eu não recomendo, mas não
só de feijão.
- Como assim? – quis
saber, curioso.
- Quando vou comprar
um produto qualquer, procuro verificar na embalagem se existe expressão do tipo
“Até aqui tem me ajudado o Senhor” ou
“Deus é fiel”.
- Por que você se
recusa a comprar produtos com esses dizeres nas embalagens?
- Porque invariavelmente
são produtos de má qualidade. No caso do feijão, muitas vezes está velho (mesmo
que a data de validade diga o contrário); outras, está bichado, com pedras,
bagos de milho ou objetos estranhos.
- Casualmente, já
observei isso também.
- Então, você pode
concluir que muitos produtores, ao invocarem Deus em suas vendas, julgam que
Deus poderá ajudá-los à custa de enganar os consumidores, tratando-os como panacas,
trouxas.
- O que você está
dizendo é sério e pode provocar comoção em muitas pessoas.
- Se você está
melindrado com o que eu disse, pode tomar como exceção, enquanto que, de minha
parte, considero como regra. Este é um princípio que uso sempre em minhas compras: invocou Deus, “tô” fora. Nota
que enfatizei a palavra “compras”, pois respeito outras formas de manifestação
de religiosidade. Concluindo, minha tese é que muitas denominações religiosas
estimulam o individualismo, levando o adepto a só se preocupar consigo mesmo,
deixando de lado os outros.
E, assim, nos
despedimos. Não sei por que, lembrei-me de um ex-presidente, que tremeu feito
vara verde quando assumiu o cargo, e que mandou colocar nas notas a expressão “Deus seja louvado”, querendo, entre
outros propósitos, exorcizar o demônio da inflação. Parece que Deus não gostou
daquilo, pois foi nesse governo que a inflação comeu solta, com os preços
aumentando a cada minuto e a população tendo que pular feito milho de pipoca
para sobreviver.
Há um provérbio antigo
que diz “o castigo vem a cavalo”
(hoje, poderia ser atualizado por táxi, “mala direta”, a jato). Isso acontece
porque pessoas, tidas como muito religiosas, esquecem-se daquele preceito de “não
pronunciarás o Nome do Senhor, teu Deus, em vão”, conforme prescrito no Livro
do Êxodo.
Por essa e outras que
acabo dando razão ao Marciano: é preciso desconfiar daqueles que usam em
demasia o nome de Deus.
Etelvaldo Vieira de Melo
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