URUBU QUER CANTAR

      Ao se encontrarem numa lanchonete, enquanto bebericavam um suco de Açaí, Fridolino Xexeo perguntou para Ingenaldo:

            - Ingenaldo, o que é...

            - O que é o quê? – cortou Ingenaldo, enquanto limpava os óculos azuis.
           
- ... que “sou branco de nascença, hoje sou preto como carvão, vida pra mim é tristeza, morte é consolação”.

            Após alguns segundos, com a mão direita segurando o queixo, Ingenaldo respondeu:

            - O urubu!
           
            - Muito bem – cumprimentou Xexeo. – vejo que está se dando bem com o tratamento para PFC.

            (PFC nada tem a ver com futebol; é uma sigla que nomeia um distúrbio psicossomático: Prolapso de Fim de Curso.)

            - Mas não estou aqui para propor adivinhações – continuou Fridolino. – Quero lhe contar uma história.

            - Que bom! Adoro ouvir uma boa história.
           
            - Era uma vez... – começou a contar Fridolino Xexeo.

O urubu-rei, tomado de extrema preocupação
Certo dia resolveu convocar o Conselho dos Melhores
Para, juntos, deliberarem, tomando uma decisão
Sobre como resolver um de seus problemas piores.

Perguntou sua majestade, dando início à sessão;
O que torna uma ave diferente dos demais
O que faz com que seja olhada com atenção
E não seja confundida com outros animais?

O Conselheiro Acácio, que já dispunha de idade avançada
Disse: Creio que seja o fato de poder voar
Um sonho acalentado por toda a bicharada
Mas que somente uma ave consegue realizar.

Antônio Conselheiro, bem mais jovem e de ar belicoso
Contestou aquela tese de seu par
Falando em tom raivoso:
Que uma galinha de ser ave não vai deixar
Mesmo querendo mas não sabendo voar
O que diferencia as aves dos outros, explico
São suas plumagens e o bico
Assim eu penso e mais não sei explicar.

Dou a mão à palmatória, falou Acácio conciliador
Tem razão o nobre colega em seu falar
Mas se tem algo que é da ave um pendor
Certamente é seu maravilhoso cantar.

Falou com ansiedade o urubu-rei:
Você tocou num ponto onde quero chegar
Até uma galinha dá seus cacarejos que eu sei
Mas nossa espécie é analfabeta na arte de estrilar.

E arrematou o nobre soberano:
A partir de hoje fica instituída a Escola Musical
Onde todos irão estudar, do tenor ao soprano
Passando pelo barítono, todos num acorde vocal.

O Conselheiro Acácio disse, tomando a palavra para si:
Pela minha idade provecta, contento-me com as aulas do EUJA
Talvez consiga aprender a solfejar o dó,ré,mi
Talvez aprenda qualquer outra coisa que seja.

E, assim, os estudos foram iniciados com muita animação
E quando algum, descuidado, punha-se a cantar
Caía uma chuva torrencial acompanhada de trovão
Mostrando a todos que não podiam o carro apressar
Que ainda não chegara a hora de soltarem o vozeirão.

Enquanto estudavam as partituras em teoria
Ouviram os urubus um canário certo dia
Estando ele pousado sobre o galho de um arvoredo
Num cantar alegre de um folguedo.

Como pode ser assim? - perguntou o urubu-professor
Por acaso você frequentou alguma escola particular
Onde lhe ensinaram a lição de cantar?
Mostre-nos seu diploma, por favor.

Meu canto eu não aprendi em nenhum lugar
Eu sempre fui assim, aprendi tudo sozinho
Não sei como posso lhe explicar
Se isso faz parte de minha natureza de canarinho.

Indignados e ofendidos, os urubus começaram a gritar
Enquanto atiravam pedras, tentando o pássaro acertar
E este, sentindo-se perseguido
E muito mais ofendido
Tratou de para longe voar.

É por isso que diz o ditado popular:
Em território de urubu, canário não pode cantar.

Etelvaldo Vieira de Melo





           

            

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