NOVO PACOTE


Imagem: www.soniarabello.com.br



Não morram os senhores
ainda esta noite.
Suspendam o ar
fechem a água
nada de fogo
nada de terra.

Apertem os cintos
tirem a roupa
fogão à lenha
nenhuma saúde
nenhum desatino .

Desliguem as luzes
vendam  a mobília
recontem o mês
abaixo a geladeira
(esse luxo burguês)
Só sopa na barriga
(cheia de lombrigas)
pouco chão.

Fica abolida
qualquer forma de morte
por causa dos gastos
com o caixão.

Não criem mais filhos
inventem abortos
e à vida futura
digam NÃO.

Redução de gastos
metade do pão
nada de farmácia
ou reunião.

Será o fim dos tempos?
Ainda não é
muita gente se alimenta
de pastores da fé.

Por trás dos muros
duros olhos espiam
mordazes morcegos
da escuridão.

Os mendigos nas pontes
maltrapilhos, doentes.
Os políticos comendo
cavalinhos correndo
e a poesia

na contramão.

COM JEITO VAI

Madurino Cruz gosta de cantarolar a música “Deixa a vida me levar, vida leva eu”. Ele vai levando a vida com jeito e cuidado para não ser atacado pelos nervos, que deixam suas mãos tremendo feito vara verde e uma taquicardia desenfreada.
Como resguardo e prevenção, ele faz terapia ocupacional duas vezes por semana, lá no Centro Comunitário de sua cidadezinha. É lá que, além da assistência psicológica, aprende técnicas de tricô e bordado, atividades que – até bem pouco tempo – seriam da maior ofensa para os homens.
Apesar de se cercar com tantos cuidados, Madurino não deixa de ter seus contratempos, que lhe acarretam tombos aqui e ali.
Ele tem em sua casa uma coleção de pássaros, das poucas alegrias na vida, aquela que lhe dá especial prazer. Na área onde ficam as gaiolas, tudo é organizado com detalhes: as caixinhas de ração, os comedouros reservas, os nomes dos pássaros gravados abaixo das respectivas gaiolas e uma caderneta onde tudo é anotado meticulosamente – os dados de cada pássaro, a data de aquisição e preço, os períodos de muda de pena e os possíveis problemas de saúde.
Antes que um fiscal do IBAMA, ao ler este texto, engorde os olhos diante da perspectiva de uma sonora multa, quero deixar bem claro que Madurino segue todos os trâmites legais com seu criadouro de pássaros. Todos eles estão devidamente registrados e anilhados.
O tropeço que Madurino enfrenta agora tem a ver com um de seus pássaros de estimação, um Bico de Pimenta preto, que cismou ter um comportamento de morcego: ele fica de cabeça para baixo na gaiola com as unhas presas nas varetas, e Madurino não encontra meios de fazer com que o emplumado volte à posição normal.
Existe um finado jogador e comentarista esportivo que dizia: “No Brasil, o errado é que está certo”. Pensando nesta frase, sugeri ao Madurino colocar a gaiola de cabeça para baixo.
- E o que vai acontecer com a ração e a água? – perguntou ele, mais na dúvida do que no crédito.
- Ora, você tira a comida e vira a gaiola. Quando o pássaro começar a sentir fome e sede, você retoma a posição inicial. O pássaro vai aprender que é assim que deve ser.
Quando fiz estas observações, lembrei-me de um fato histórico guardado em uma das gavetas de minha memória.
Rodogério Santino foi levar uma TV até a casa de Geni, uma senhora que prestava serviço em sua residência. A TV era um presente de Maurilênio Passadas, um colega de casa.
Este fato ocorreu justo no tempo em que o compositor Chico Buarque inventou de inventar uma música que deixou todas as Genis cuspindo marimbondo de raiva. O compositor, sem freios na língua, escreveu todos estes desaforos: “Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni, ela dá pra qualquer um...”.
A Geni em questão teve sua dor amenizada com o presente de uma TV. Ela morava num aglomerado. A chegada de Rodogério com a televisão causou o maior alvoroço na comunidade, com todo mundo se deslocando até o barraco de Geni para assistir à inauguração. Crianças se acotovelavam pelo minúsculo cômodo onde havia de tudo: cadeiras, bancos, cama, fogão e um armário - sobre o qual Rodogério instalou a TV.
Quando ele ligou o aparelho, esse ficou ciscando, fazendo aquele barulho de querer fazer alguma coisa, mas não mostrando nada.
Rodogério ficou apreensivo. Geni fez ares de choro e a plateia ameaçou iniciar um motim.
Suando frio, Rodogério pensou: “Maurilênio é meio doido e esta televisão também deve ser”. Assim pensando, virou a antena interna de ponta para baixo. Para seu espanto e alívio, a televisão passou a funcionar, pegando todos os canais.
Por tudo isso, aprendi uma lição que levo pela vida a fora: quando as coisas não funcionam de um jeito, elas podem ir de outro. Tudo de acordo com o canto de outro compositor: “Desesperar jamais!”.
Etelvaldo Vieira de Melo

            

CONTRASTES

Imagem: brasildelonge.com





Assim mesmo, rebaixada,
a  terra, entretanto, si muove
cumprindo o seu destino
de chegar a algum lugar.

É uma Pátria conspurcada
pelos mandatários capangas,
sempre vencedores
sobre os estilhaços
dos pobres homens vencidos.

Eis um Brasil caprichoso,
cheio de ouro por baixo
cheio de miséria por cima.

Desde o descobrimento
(nos alerta o Boca do Inferno)
os mendigos e trabalhadores
caem  pela minas e sarjetas
de Villa Rica ou Brasília.

Os mascates levam escravos.
A agonia do povo
e a morte dos conquistados
continuam a ver Chico Mendes
na luta fausta e inglória
pela Amazônia sem lei.

Há tanto para dizer
do silêncio dos sentenciados
e das provas que ainda resistem!
Dói na alma a inversão dos valores
a confissão dos ignorantes
de que o dinheiro é maior do que os livros.
Afinal, para que ler livros,
sonhar com o futuro do solo,
se não há país nenhum?

E as crianças que vão nascer?
E os jovens que vão crescer?
O nascituro
já traz o codicilo
Impresso na cabeça.

Assim mesmo, rebaixada,
(E daí? E daí?)
a gente sangra em frente,
com as incertezas de sempre
com a pedra no meio do caminho.

Quem sabe o Rei David
esteja surgindo de novo?
Quem sabe a claridade
vai raiar de uma menina?

O presente será passado
a limpo, em 2050.
Os perseguidos perseguirão
os políticos da Nação.

Neste momento de agrura,
agora, o país precisa
é de uma grande e inconteste
senhora (r)evolução.


LITERATURA & POLÍTICA

Literatura tem muitas utilidades; seus títulos, por exemplo, ajudam a explicar o que aparenta ser complexo e obscuro.

A Culpa é das Estrelas... do PT > para entender o caos político e a corrupção desenfreada em que o país mergulhou.
As Ilusões Perdidas > o sentimento de frustração de eleitores com um partido político que se fazia paladino da honestidade e moralidade.
Por Quem Os Sinos Dobram > a aparente morte política da presidenta da República.
O Sonho de uma Noite de Verão > a ilusão do PT de se perpetuar no poder.
Crime e Castigo > Mensalão e Operação Lava-Jato.
Jogos Vorazes > o mundo político.
Admirável Mundo Novo > discurso de político em campanha.
O Morro dos Ventos Uivantes > a Esplanada dos Ministérios em Brasília e a Praça dos Três Poderes.
As Relações Perigosas > a promiscuidade entre partidos políticos, num “dá cá que eu vou ver se dou lá”.
O Processo > estado permanente da Justiça com os casos de corrupção.
A Cidadela > Brasília frente ao Brasil.
O Som e a Fúria > As manifestações do povo nas ruas.
Tijolo de Segurança > a Constituição? as leis? o Judiciário?
Leite Derramado > o vazamento das roubalheiras através de delações premiadas.
A Mão e a Luva > banqueiros e governo e a política de alta de juros.
Mãe > talvez a única a afagar o filho político indiciado em processo de corrupção.
PS: os títulos de filmes também ajudam a entender nosso quadro político. Exemplos:
Quanto Mais Quente Melhor > políticos oportunistas torcendo para que outros se explodam (e até mesmo o país e seu povo).
Faroeste Caboclo > a briga política em Brasília.
Se Eu Ficar > Drama da presidente, diante das ameaças que pairam sobre sua cabeça.
O Doador de Memórias > aquele “dedo-duro” que faz delação premiada (quem faz delação não premiada é “dedo-mole” e protagonista de “Em Nome da Honra”).

Etelvaldo Vieira de Melo

Belo Horizonte de A a Z

Imagem: www.coneal.com.br

A - amores, álcool, asfalto
B - balas, belas, bundas
C - cinema, cerveja, carne
D - domingo, drogas
E - escuro, emendas
F - frito frio fedorento fraco
G - grades, gatos gordos
H - hospício, hostes, hora
I - igreja, ignorância, ímpios
J - JK, Jota Quest, jeitim
L - ladrões, lagoa, lero-lero
M - mendigos, mulheres, mamas
N - nós
O - olho, oh!
P - política, Pampulha, pardal
Q - quotas, questões
R - rock-n-roll, rosca da rainha
S - sexo, supermercados
T - trânsito, tiros, tesão
U - Universidade Única
V - velhos, vigias, vazio
X - xixis, xoxotas, xeretas
Z - zói, zunha, zoreia, zoológico.

MINEIRICE

No curioso romance “A Guerra de Don Emmanuel”, o autor, Louis de Bernières, faz referência a uma tribo indígena da América do Sul cujo vocabulário era constituído tão somente da expressão “inge-inge”. O entendimento ficava por conta das várias entonações, dos gestos, trejeitos e expressões faciais com que a palavra era dita.
Vamos imaginar um diálogo entre dois índios:
- Inge-inge – fala um deles, querendo dizer: “Vamos pescar?”.
- Inge-inge – responde o outro, numa recusa: “Não posso, Anauá me chamou pra capuí”.
(A palavra “capuí” é do vocabulário da língua guaná ou chané, tribo do Mato Grosso. Aparece em seu formato original, para que eu não tenha que subscrever na epígrafe do texto: “O texto a seguir é desaconselhável para menores de 12 anos por conter citações impróprias de sexo e linguagem obscena”. Assim, ele se torna permitido para todas as idades.)
O Brasil ainda preserva muitos regionalismos, apesar da invasão cultural dos plim-plis eletrônicos. Nas Minas Gerais, por exemplo, ainda chega a acontecer este tipo de diálogo, que se tornou anedota, e que eu não tenho vergonha em transcrever:
- Po pô pó? – pergunta um mineiro.
- Po pô – responde o outro.
Para os que moram em outras adjacências, esclareço que o diálogo reproduz um mineiro perguntando pro outro, enquanto está coando café: “- Posso por o pó?”; “- Pode por”, responde o segundo.
Mineiro genuíno – legítimo, melhor dizendo, para que não seja confundido com aquele que é genuíno só no nome, - é desconfiado, arisco, previdente, econômico. Já dizia nosso escritor maior, o Guimarães Rosa, o Joãozito: “Não sei de quase nada, mas desconfio de muita coisa”. Previdente, ele se adianta, pra não chegar atrasado. É por isso que não perde trem.
Falando no dito, “trem” é uma palavra que mineiro emprega para designar um tanto de coisa, ou até mesmo qualquer coisa. Faz lembrar o inge-inge indígena.
Infelizmente, com a globalização e a modernidade, vamos perdendo traços de nossa herança cultural. É uma pena, já que tudo fica disforme na uniformidade da mesmice – como até poderia dizer um compositor baiano, que gosta de empregar essas hipérboles, esses exageros verborrágicos.
A herança cultural é repassada de geração em geração por uma série de fatores, uns determinantes, outros fortuitos e acidentais. A fala mansa, arrastada, parcimoniosa e econômica do mineiro tem a ver com a topografia acidentada do Estado. Definitivamente, não dá pra ficar jogando conversa fora, falando demais (e “dando bom dia a cavalo”), tendo que subir e descer morro. Só de olhar pro horizonte, e descortinar serras, morros e montanhas, já dá uma canseira danada, mais a necessidade de arrastar um banquinho pra colocar o assento.
Porque quase não sai do lugar, o mineiro olha com desconfiança para os estranhos, para os burburinhos e agitos. Não tem nenhuma maldade nesse jeito de ser; o que existe mesmo é insegurança, timidez.
Quanto ao vocabulário quase ingenês, tudo não passa de uma deferência para com a palavra “trem”. O termo que, inicialmente, aparece como meio de locomoção, meio de descansar as pernas, passa a ser usado para designar tudo que aparece pela frente. Vai de uma mulher bonita, “Eita, trem bom, sô!”, até um parafuso que não quer se soltar: “Este trem não sai nem que a vaca tussa!”.
Na minha infância, convivi com dois “trens”, agora usados como meios de transporte.
Por causa de sua topografia acidentada, minha cidade natal nunca dispôs de uma estação ferroviária própria, o que, por longos anos, emperrou o seu progresso, além de nos tornarmos motivo de chacota para os moradores das cidades vizinhas.
            Quando íamos a uma cidade, ou deslocávamos até a Estação da Tartária, ou recorríamos aos préstimos do senhor José Adão e seu caminhão leiteiro.
            A Estação da Tartária era usada para deslocamentos até Oliveira, Perdões ou Lavras. Nessas ocasiões havia algo grave acontecendo, ou seja, tais viagens eram motivadas por problemas de saúde, tendo eu, então, direito a alguns biscoitinhos de maisena ou cream cracker, quase sempre acompanhados de banana prata ou maçãs argentinas. Essas vinham embaladas em papel azul, fininho, e exalavam um inebriante perfume. Tinha vez que só o cheiro da maçã dava conta de sarar minha indisposição.
            Já o caminhão leiteiro do senhor José Adão servia para nos levar até Bom Sucesso, cidade vizinha e onde moravam meu tio e sua família.
            Eu gostava muito desses passeios e que ocorriam uma vez por ano. Quase toda noite, meu tio rateava um tanto de moedas entre os meninos para uma disputa de Bingo. Naquela época, eu era sortudo, chegando a ganhar uns bons trocadinhos. Durante o dia, o tempo era tomado com brincadeiras com um primo de minha idade e sua irmã.  Com essa prima eu me lembro de muitas brincadeiras gostosas de casinha e de médico.
            A chegada até Bom Sucesso era problemática, pois o caminhão do senhor José Adão ia passando pelas fazendas, catando leite. Como as estradas eram todas esburacadas e viajávamos na carroceria, quando chegávamos ao destino, tínhamos que ficar de quinze a trinta minutos nos ajeitando para colocar coração, pulmão, fígado e outras coisas no lugar.
            Deixo aí o registro de minha particular estima para com a palavra “trem”. Pela razão de minha cidade não dispor de uma estação ferroviária própria, sinto-me igual ao Carlos Drummond quando olha para o retrato de sua Itabira: essa falta do trem faz com que eu me sinta um mineiro pela metade, carregando um trauma que talvez ainda necessite ser tratado em sessões de terapia.
O caminhão do José Adão parece que me deixou uma sequela física: frequentemente estou me apalpando, com a sensação de que meus órgãos internos estão fora de lugar; meu coração, por exemplo, ora está batendo do lado direito do peito, ora está na barriga. Como o leite das latas muitas vezes se esparramava pela carroceria, e como o sol era de esturricar, ficava no ar um cheiro azedo. Desde então, “eu não se me dou bem” com o dito leite. Só recentemente é que os médicos modernosos vieram com o diagnóstico acertado, de que tenho intolerância à lactose. Como haveria de dizer mais uma vez o Guimarães, “não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída” pra colocar os pingos nos “is” e acentos nos assentos.
Etelvaldo Vieira de Melo

            

TEMPO DE VIDA CHEIA





Ana Clara está chegando!
Por isso a lua
aparece na rua
e veste de azul
o sorriso da avó.

Ela vem de muito longe
com papai Rodrigo
para o aniversário
do vovô amigo.

Ele faz setenta anos
no dia cinco de setembro.
Clara traz como presente
uma coruja e seis aninhos,
além do próprio nome.

Vovó já comprou flores
para recebê-la.
Em cima do apartamento
nasce rindo uma estrela.

Até o gato
que mia, mia
brinca no telhado
com alegria.

Até os passarinhos
param na janela
e perguntam por ela.

O avô prepara a festa
junto à Vanda e ao violão.
Ana Clara quer chocolate
com purê e feijão.

O bolo do vovô
Clara vai comer sozinha.
(E nada de verdurinha!)

A netinha está chegando!
É hora de ser feliz!
Vovô e vovó só fazem
o que manda São Luís.

NÍVEL DE RESERVATÓRIO DE IDEIAS ATINGE NÍVEL ALARMANTE!

Para Vicente de Melo, presença amiga nas páginas deste blog, seja através de comentários, seja através de pseudônimos como Adilcente, Alterliano, Celestino Faustino, Florival Floriano e tantos outros, pelo aniversário, com os votos de toda felicidade possível e imaginável.        
Tenho notado, à base de intensa observação (o que me dá direito de crer estar frente a uma teoria científica) que minhas inspirações literárias ocorrem quando estou dentro de um ônibus, em deslocamento para o centro da cidade ou em direção à minha residência.
            O sacolejar do ônibus mexe e remexe com os meus neurônios, fazendo com que as ideias aflorem. As conversas discretas dos passageiros servem como fundo musical. Nesses contextos, o que tiver que acontecer, acontece.
            Existe uma exceção para tal regra: é quando uma mulher está sentada atrás de mim, conversando ao telefone. Se ela está ao meu lado, aguço os ouvidos para ver se pesco algo tenebroso ou picante. Nessas ocasiões, eu me torno um enxerido, bisbilhoteiro, não por maldade, mas para buscar subsídios e arcabouços de possíveis histórias. Agora, quando a mulher está sentada atrás e pega um telefone, aí sou acometido por um ataque de nervos. Primeiro, porque não entendo nada do que ela fala (por causa de minha “leve perda auditiva”); depois, eu sei que aquela lenga-lenga vai se estender até o ponto onde irei descer do ônibus. E, então, adeus inspiração, pois não tenho como me concentrar com aquele trilhar de maritaca nos ouvidos.
            Vamos e convenhamos: como regra, o homem é comedido, conciso e preciso quando fala ao telefone; já a mulher é prolixa, imprecisa e dispersiva quando conversa com alguém, especialmente quando esse alguém é outra mulher. Nessas ocasiões, o aparelho telefônico chega a soltar fumaças.
            Como a frequência de mulheres em bate-papos telefônicos nos coletivos tem aumentado assustadoramente, minha produção de textos tem tido uma redução drástica. Os textos que produzo hoje ficam como reservas para amanhã, assim como lenhas para antigas marias-fumaças, aquelas locomotivas à base de carvão. O estoque de reserva tem que ter um nível satisfatório, para meu equilíbrio psicológico, já que não sei trabalhar sob pressão. O que observo é esse reservatório estar tão baixo quanto o reservatório de água de Cantareira, em São Paulo, em fins de 2014. Estou me vendo na iminência de dar um espaço maior entre as postagens do blog, sob o risco de ver minha produção literária reduzida a zero.
            Diante deste quadro assustador, antevejo duas alternativas de conserto: ou as operadoras de telefonia móvel aumentam ainda mais suas absurdas tarifas, acabando até mesmo com os créditos promocionais das falas ilimitadas, ou tenho que buscar outros ares de paz e sossego.
            Em conversa telefônica com Madurino Cruz (conversa que se arrastou por mais de uma hora), aquele mesmo que fez uma viagem até Bonito, levando Terebentina para visitar sua irmã Abrilina (conferir postagem de 03/01/2015), ele me falou que seu trauma de infância (o de “chamar o mico”) eclodiu, misturando-se com outro decorrente de sua profissão. O resultado é que ele se encontra afastado do trabalho e em tratamento psicológico. Para não surtar de vez, todo domingo ele se aventura no meio do mato em direção a um ponto chamado Iguaçu, onde existe uma pedreira desativada. Ele sobe nas pedras e ali fica sentado ou de cócoras olhando para a paisagem: pedras, um rio preguiçoso, vacas pastando. É assim que acalma os neurônios até voltar, de tardezinha, para casa. Ele falou que, nesses momentos, tem longas conversas com as vacas, em especial uma que ele apelidou de Mimosa, por causa do jeito afetuoso do olhar.
            Estou vendo aí outra opção para retomar o fluxo dos textos: me mandar para minha terra natal e ir em busca desse Xangrilá, esse tal de Iguaçu. Pensando na ideia, até antevejo o título de uma postagem: “Quem Disse Que Os Puns Das Vacas São Os Principais Responsáveis Pelo Efeito Estufa?”.
            Tem um político em fim de carreira que, em certo momento de sua trajetória, disse ter perdido o Norte, isto é, estava des-norte-ado, sem rumo. Deixo aqui o convite para que se integre à comitiva de Iguaçu. Assim, estaremos os três sobre aquela pedreira: Madurino conversando com Mimosa, o Edu olhando para o horizonte em busca de seu Norte, e eu de olho no riacho, para ver se dali posso pescar algum peixe literário, piabinha que seja.

Etelvaldo Vieira de Melo