Para
Vicente de Melo, presença amiga nas páginas deste blog, seja através de
comentários, seja através de pseudônimos como Adilcente, Alterliano, Celestino
Faustino, Florival Floriano e tantos outros, pelo aniversário, com os votos de
toda felicidade possível e imaginável.
Tenho
notado, à base de intensa observação (o que me dá direito de crer estar frente
a uma teoria científica) que minhas inspirações literárias ocorrem quando estou
dentro de um ônibus, em deslocamento para o centro da cidade ou em direção à
minha residência.
O sacolejar do ônibus mexe e remexe
com os meus neurônios, fazendo com que as ideias aflorem. As conversas
discretas dos passageiros servem como fundo musical. Nesses contextos, o que
tiver que acontecer, acontece.
Existe uma exceção para tal regra: é
quando uma mulher está sentada atrás de mim, conversando ao telefone. Se ela
está ao meu lado, aguço os ouvidos para ver se pesco algo tenebroso ou picante.
Nessas ocasiões, eu me torno um enxerido, bisbilhoteiro, não por maldade, mas
para buscar subsídios e arcabouços de possíveis histórias. Agora, quando a
mulher está sentada atrás e pega um telefone, aí sou acometido por um ataque de
nervos. Primeiro, porque não entendo nada do que ela fala (por causa de minha
“leve perda auditiva”); depois, eu sei que aquela lenga-lenga vai se estender
até o ponto onde irei descer do ônibus. E, então, adeus inspiração, pois não
tenho como me concentrar com aquele trilhar de maritaca nos ouvidos.
Vamos e convenhamos: como regra, o
homem é comedido, conciso e preciso quando fala ao telefone; já a mulher é
prolixa, imprecisa e dispersiva quando conversa com alguém, especialmente
quando esse alguém é outra mulher. Nessas ocasiões, o aparelho telefônico chega
a soltar fumaças.
Como a frequência de mulheres em
bate-papos telefônicos nos coletivos tem aumentado assustadoramente, minha
produção de textos tem tido uma redução drástica. Os textos que produzo hoje
ficam como reservas para amanhã, assim como lenhas para antigas marias-fumaças,
aquelas locomotivas à base de carvão. O estoque de reserva tem que ter um
nível satisfatório, para meu equilíbrio psicológico, já que não sei trabalhar
sob pressão. O que observo é esse reservatório estar tão baixo quanto o
reservatório de água de Cantareira, em São Paulo, em fins de 2014. Estou me
vendo na iminência de dar um espaço maior entre as postagens do blog, sob o risco
de ver minha produção literária reduzida a zero.
Diante deste quadro assustador,
antevejo duas alternativas de conserto: ou as operadoras de telefonia móvel
aumentam ainda mais suas absurdas tarifas, acabando até mesmo com os créditos
promocionais das falas ilimitadas, ou tenho que buscar outros ares de paz e
sossego.
Em conversa telefônica com Madurino
Cruz (conversa que se arrastou por mais de uma hora), aquele mesmo que fez uma
viagem até Bonito, levando Terebentina para visitar sua irmã Abrilina (conferir
postagem de 03/01/2015), ele me falou que seu trauma de infância (o de “chamar
o mico”) eclodiu, misturando-se com outro decorrente de sua profissão. O
resultado é que ele se encontra afastado do trabalho e em tratamento
psicológico. Para não surtar de vez, todo domingo ele se aventura no meio do
mato em direção a um ponto chamado Iguaçu, onde existe uma pedreira desativada.
Ele sobe nas pedras e ali fica sentado ou de cócoras olhando para a paisagem:
pedras, um rio preguiçoso, vacas pastando. É assim que acalma os neurônios até
voltar, de tardezinha, para casa. Ele falou que, nesses momentos, tem longas
conversas com as vacas, em especial uma que ele apelidou de Mimosa, por causa
do jeito afetuoso do olhar.
Estou vendo aí outra opção para
retomar o fluxo dos textos: me mandar para minha terra natal e ir em busca
desse Xangrilá, esse tal de Iguaçu. Pensando na ideia, até antevejo o título de
uma postagem: “Quem Disse Que Os Puns
Das Vacas São Os Principais Responsáveis Pelo Efeito Estufa?”.
Tem um
político em fim de carreira que, em certo momento de sua trajetória, disse ter
perdido o Norte, isto é, estava des-norte-ado, sem rumo. Deixo aqui o convite
para que se integre à comitiva de Iguaçu. Assim, estaremos os três sobre aquela
pedreira: Madurino conversando com Mimosa, o Edu olhando para o horizonte em
busca de seu Norte, e eu de olho no riacho, para ver se dali posso pescar algum
peixe literário, piabinha que seja.
Etelvaldo
Vieira de Melo
1 comentários:
Primeiramente, o anônimo, agora identificado como sendo o Vicente, agradece sensibilizado a dedicação . A minha presença amiga no blog se deve ao prazer de uma leitura que agrega saber, humor, lembranças. Não acredito na analogia da produção literária do cronista amigo com o nível de criticidade do Cantareiras e tantos outros reservatórios. Enquanto durarem suas idas e vindas by coletivos, não lhe faltarão inspirações para novas crônicas que são um presente para os seus leitores. Abraço e reiterada admiração .
Postar um comentário