Madurino Cruz gosta de cantarolar a música “Deixa a
vida me levar, vida leva eu”. Ele vai levando a vida com jeito e cuidado para
não ser atacado pelos nervos, que deixam suas mãos tremendo feito vara verde e
uma taquicardia desenfreada.
Como resguardo e prevenção, ele faz terapia
ocupacional duas vezes por semana, lá no Centro Comunitário de sua cidadezinha.
É lá que, além da assistência psicológica, aprende técnicas de tricô e bordado,
atividades que – até bem pouco tempo – seriam da maior ofensa para os homens.
Apesar de se cercar com tantos cuidados, Madurino
não deixa de ter seus contratempos, que lhe acarretam tombos aqui e ali.
Ele tem em sua casa uma coleção de pássaros, das
poucas alegrias na vida, aquela que lhe dá especial prazer. Na área onde ficam
as gaiolas, tudo é organizado com detalhes: as caixinhas de ração, os
comedouros reservas, os nomes dos pássaros gravados abaixo das respectivas
gaiolas e uma caderneta onde tudo é anotado meticulosamente – os dados de cada
pássaro, a data de aquisição e preço, os períodos de muda de pena e os
possíveis problemas de saúde.
Antes que um fiscal do IBAMA, ao ler este texto,
engorde os olhos diante da perspectiva de uma sonora multa, quero deixar bem
claro que Madurino segue todos os trâmites legais com seu criadouro de
pássaros. Todos eles estão devidamente registrados e anilhados.
O tropeço que Madurino enfrenta agora tem a ver com
um de seus pássaros de estimação, um Bico de Pimenta preto, que cismou ter um
comportamento de morcego: ele fica de cabeça para baixo na gaiola com as unhas
presas nas varetas, e Madurino não encontra meios de fazer com que o emplumado
volte à posição normal.
Existe um finado jogador e comentarista esportivo
que dizia: “No Brasil, o errado é que está certo”. Pensando nesta frase, sugeri
ao Madurino colocar a gaiola de cabeça para baixo.
- E o que vai acontecer com a ração e a água? –
perguntou ele, mais na dúvida do que no crédito.
- Ora, você tira a comida e vira a gaiola. Quando o
pássaro começar a sentir fome e sede, você retoma a posição inicial. O pássaro
vai aprender que é assim que deve ser.
Quando fiz estas observações, lembrei-me de um fato
histórico guardado em uma das gavetas de minha memória.
Rodogério Santino foi levar uma TV até a casa de
Geni, uma senhora que prestava serviço em sua residência. A TV era um presente
de Maurilênio Passadas, um colega de casa.
Este fato ocorreu justo no tempo em que o
compositor Chico Buarque inventou de inventar uma música que deixou todas as
Genis cuspindo marimbondo de raiva. O
compositor, sem freios na língua, escreveu todos estes desaforos: “Joga pedra
na Geni, joga bosta na Geni, ela dá pra qualquer um...”.
A Geni em questão teve sua dor amenizada com o
presente de uma TV. Ela morava num aglomerado. A chegada de Rodogério com a
televisão causou o maior alvoroço na comunidade, com todo mundo se deslocando
até o barraco de Geni para assistir à inauguração. Crianças se acotovelavam
pelo minúsculo cômodo onde havia de tudo: cadeiras, bancos, cama, fogão e um
armário - sobre o qual Rodogério instalou a TV.
Quando ele ligou o aparelho, esse ficou ciscando,
fazendo aquele barulho de querer fazer alguma coisa, mas não mostrando nada.
Rodogério ficou apreensivo. Geni fez ares de choro
e a plateia ameaçou iniciar um motim.
Suando frio, Rodogério pensou: “Maurilênio é meio
doido e esta televisão também deve ser”. Assim pensando, virou a antena interna
de ponta para baixo. Para seu espanto e alívio, a televisão passou a funcionar,
pegando todos os canais.
Por tudo isso, aprendi uma lição que levo pela vida
a fora: quando as coisas não funcionam de um jeito, elas podem ir de outro.
Tudo de acordo com o canto de outro compositor: “Desesperar jamais!”.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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Legal!
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