ENCICLOPÉDIA DE DITADOS POPULARES (VOLUME II)

DOURAR A PÍLULA
            * Expressões similares: engabelar, passar mel, morder e assoprar.
            * Origem histórica da expressão (etimologia):
            Tudo começou por ocasião das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI, com os portugueses buscando um caminho alternativo para as Índias, que não o Mediterrâneo, dominado pelos italianos.  Pelo Atlântico, contornando a África, no extremo sul, próximo à atual Cidade do Cabo, deparavam os navegadores com um acidente geográfico. Ali o mar era raivoso e traiçoeiro. Em 1488, o lusitano Bartolomeu Dias conseguiu cruzar pela primeira vez esse cabo, denominando-o Cabo das Tormentas. Estava, então, sendo inaugurado um novo caminho para as Índias, numa conexão entre os oceanos Atlântico e Índico, fato concretizado por Vasco da Gama em 1497.
            O rei de Portugal, Dom João II, renomeou aquele cabo, batizando-o de Cabo da Boa Esperança. A História registra este diálogo, feito através do WhatsApp, entre o monarca e Bartolomeu:
            - Majestade, acabo de atravessar um cabo aqui no extremo sul da África – falou Bartolomeu, todo ofegante. – Acho que ele vai dar lá nas Índias. Vou batizá-lo de Cabo das Tormentas.
            - Não faça isso, Bartô – retrucou o rei. – Agindo assim, você espanta quem quiser se aventurar ir até lá. Vamos “dourar a pílula”, chamando este acidente tormentoso de “Cabo da Boa Esperança”.
Estava o rei João, com aquele gesto, inaugurando, ora, pois, pois, o costume de “dourar a pílula”, embora eu – sinceramente e a bem da verdade – nem mesmo sei se naquele tempo havia essa tal de pílula. Sei que ela se tornou famosa na década de 60. Então, pílula era sinônimo de anticoncepcional e tão somente, um palavrão para as mentes conservadoras.
            Quanto ao seu sentido, a expressão significa fazer uma maquiagem em algo amargo ou doloroso. Seria como uma espécie de anestésico, mas que não anestesia completamente.
            * A expressão hoje:
            Exemplos recorrentes de “dourar a pílula” são: os centavos colocados nos preços de mercadorias, como no exemplo de uma sandália vendida a R$99,99; pessoas idosas serem chamadas de portadoras da “melhor idade”; um feio ser consolado com palavras de que vale mais a “beleza interior” (e ele pensando: “engana que eu gosto”).
            Um exemplo bem acabado para exemplificar o conceito vem dos tempos de antigamente, quando as mães davam óleo de rícino ou Emulsão Scott para seus filhos. Elas tapavam as narinas de seus rebentos e enfiavam-lhes o óleo goela abaixo, arrebentando-lhes a boca, a faringe, o esôfago, o estômago, o intestino delgado, o grosso, o reto e o ânus. O gosto era amargo e, só de pensar, meu sistema digestivo desembrulha. A compensação era não sentir o cheiro, horrível também. Para “dourar a pílula” havia também a promessa:
            - Se tomar direitinho, depois ganha um torrão de açúcar.
            Um exemplo atualizado desta expressão tem a ver com as pessoas do mundo moderno. Elas não aceitam a ordem natural da vida, que é fecundar, gestar, nascer, desenvolver, adolescer, juvenescer, procriar, amadurecer, envelhecer e morrer. Hoje, muitos riscam o termo “envelhecer” de seus dicionários e o substituem por rejuvenescer, o que é arduamente conquistado através de plástica e de botox.  Entretanto, envelhecer – com seus tributos e atributos, com seus ônus e bônus – ainda faz parte da ordem natural dos fatores. Fugir dos estragos do tempo ainda não passa de artimanha de “dourar a pílula”.
Etelvaldo Vieira de Melo 

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