SOCIO(EM)PATAIA
Dizem
que o Brasil é o país das desigualdades sociais. Existiu um tempo em que era
chamado de Belíndia, um cruzamento de Bélgica com Índia.
Agora
que deixo o asfalto da teoria e caio no lamaçal da prática, só tenho a dizer
que tais considerações não passam de baboseiras, lucubração de quem vive no
Mundo das Ideias.
Eu
me sinto como aquele intelectual que, entrando numa disputa política, aprendeu
com seu padrinho e mentor a comer “buchada de bode”.
Foi
depois desse aprendizado que ele passou a falar de maneira menos enrolada, num
português apropriado para o entendimento da patuleia.
Quando
estou tomando um chá de realidade, vejo que a barreira das desigualdades
sociais já foi demolida, não passa de “favas contadas”. E nem preciso ir até um
aeroporto para fazer tal constatação.
Perto
de Arraial d’Ajuda, onde passo uma semana de lazer e passeio, existe outro
vilarejo chamado Trancoso. É lá que astros da mais famosa emissora de TV do
país constroem suas mansões.
Pois
bem, elas estão ali pra quem quiser ver com os olhos. Talvez até seja possível
tirar fotos em frente a algumas delas, para serem postas no Face e deixar os
amigos “morrendo de inveja”.
Não
é i-s-s-o quebra das barreiras sociais? Ainda acha pouco? Pois tem mais:
Na praia,
a preço módico, é oferecida a possibilidade de você ser capa das mais famosas revistas que retratam o mundo de artistas, de
famosos, da nata da sociedade. Por alguns reais, através de fotomontagem, você
poderá comprar os seus quinze minutos de fama. Nem que isso seja para ficar só
com você mesmo e mais ninguém.
Ah,
estava me esquecendo: você poderá postar a revista de famosos com você na capa
nas páginas do Facebook. Além de deixar os amigos ainda mais vermelhos de
inveja, estará estreitando ainda mais o fosso das barreiras sociais.
Ou
estou sofrendo das vistas, ou estamos assistindo a uma implosão do capitalismo.
Juntando essas coisas ao sucesso das lojas de R$1,99, logo, logo estará se
concretizando a profecia de que lobos e cordeiros irão pastar juntos. Lá em
Trancoso eu vi fumaça dessa ansiada aproximação entre estribados e zé-povinho.
EM
BUSCA DE UM TEXTO LITERÁRIO
Leovigildo
– Leo, para os íntimos - está fazendo um curso de redação, tentando aprender um
pouco mais do que desenhar seu próprio nome.
O
professor tem lhe repassado várias técnicas de produção de texto. Numa delas o
texto é produzido fantasiosamente a partir de uma imagem captada pela visão.
Estando
de férias por uma semana, e frequentando uma praia, tentou nosso personagem
colocar em prática a sugestão do professor.
Sentado
numa cadeira e bebericando uma cerveja, com as ondas do mar quebrando à sua
frente, pegou uma caneta e um papel, querendo soltar a imaginação e escrever
alguma coisa.
A
primeira ideia que veio à sua cabeça foi a lembrança dos versos daquela música
de um compositor baiano, que dizia: “o mar, quando quebra na praia, é bonito, é
bonito”.
Entretanto,
Leovigildo viu que o mar e as areias em questão não eram tão bonitos assim,
pois havia um pouco de sujeira na água.
Quando
tentava fixar a vista em águas mais distantes, uma mulher fez o favor de se
acomodar numa espreguiçadeira bem à sua frente.
Todos
sabemos que os americanos valorizam os seios femininos, enquanto os brasileiros
dão mais valor a outras partes. E foram justamente essas outras partes que
tomaram todo o campo visual de Leovigildo, estando elas cobertas por um
minúsculo “fio dental”, que nem mesmo era possível ser visualizado por inteiro.
Numa
das aulas, o professor leu um texto de Clarice Lispector descrevendo uma de
suas personagens. A autora dizia que ela tinha o “traseiro alegre”. Leovigildo
entendeu perfeitamente suas palavras: um traseiro alegre é um traseiro
saltitante, que pula de lá para cá, que não sabe ficar quieto.
Leovigildo
– Leo, para os íntimos - confessa que não encontra as palavras para descrever o
traseiro da mulher que se acomodou na espreguiçadeira bem à sua frente.
Certamente não era um traseiro alegre. Num primeiro momento, ele lhe pareceu
sensual, mas, à medida que ia ingerindo doses de cerveja, a percepção ia se
modificando para erótico... sexual... pornográfico.
Quando
chegou nesse ponto, a vista de Leovigildo ficou turva, embaralhada, e seus
pensamentos se perderam num redemoinho de confusões. É por isso que está
ansioso em retomar as aulas de redação e perguntar pro seu professor como
produzir um texto literário sob aquelas condições de temperatura, pressão e
campo visual, aquelas que ele experimentou numa praia de arraial d’Ajuda, lá na
Bahia.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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