SOBRE NOMES
Alguns
leitores ocasionais deste blog comentam, ocasionalmente, como chegam a ser
engraçados os nomes de pessoas que invento ou que copio aqui e ali.
Sempre
achei que a ficção procura fazer confronto com a realidade, notadamente quando
seu gênero é o da crônica. Quanto à questão dos nomes, o que não podia imaginar
é como a realidade consegue superar a ficção.
Isto
é verdade especialmente no nordeste brasileiro, e foi o que observei quando
estive em Arraial d’Ajuda, na Bahia.
Numa
barraca na praia de Pitinga, fomos atendidos por um fulano. Quando converso com
alguém, sempre procuro saber seu nome. Os orientais falam que saber o nome de
uma pessoa é uma forma de ter um domínio sobre ela. Sendo assim, logo quis
saber:
- Qual o seu nome?
- Desmil – falou ele.
Julguei
que aquilo ou era apelido ou uma maneira de botar o freguês pra correr, mas ele
confirmou:
- É nome verdadeiro, de registro em
cartório.
Curioso,
quis saber por que.
- É que meu pai só conseguiu se
casar com minha mãe depois de dar dez mil cruzeiros para seus familiares.
Quando nasci, ele teve ideia de registrar aquela lembrança, de como eu havia
custado tão caro.
Caro
mesmo foi a consumação daquela barraca. Não cheguei a gastar dez mil reais, mas
saí da praia com uma mão na frente e a outra atrás.
QUANDO UM PINGO É MAIS DO QUE UMA LETRA
Muitos
atos são conscientes, outros são inconscientes, e existem aqueles que são nem
uma coisa ou outra.
Quanto
à interpretação de tais atos, tudo depende dos interlocutores. Existem aqueles
que têm o desconfiômetro quebrado, existem aqueles que a simples menção de um
pingo não só enxergam uma letra, mas uma frase inteira.
Creio
que a colocação de uma figura de “namoradeira” no balcão da recepção da pousada
onde estive hospedado em Arraial d’Ajuda foi um ato meramente decorativo.
Acontece
que, do outro lado, estão dispostas mesas e cadeiras onde é servido o café da
manhã. A namoradeira está colocada de modo a ficar “olhando” para as pessoas
ali sentadas fazendo o desjejum.
O
que me chamou atenção na estátua foi o seu olhar opaco. Ela fica ali olhando
para as pessoas, com a mão no queixo. Sua expressão corporal, em especial seu
olhar, parece dizer: “Puxa, como você come! Que coisa!”.
Creio
que não era intenção dos donos da pousada refrear o apetite dos hóspedes, mas
me senti como aquele para quem um pingo é uma enciclopédia.
Por
isso, todo dia, no café da manhã, eu me sentava de costas para a “namoradeira”.
Quando me levantava, depois de ter comido e bebido tudo que pudera suportar, e
deparava com aquele olhar de reprimenda, dizia em pensamento: “- Sinto muito,
mas agora Inês já é morta!” – Ou, traduzindo para um português mais consistente
e inteligível: “- Sinto muito, mas agora a vaca já foi pro brejo com chifre e
tudo!”.
Etelvaldo Vieira de Melo
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