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Quando
algo dá errado pras minhas bandas, eu costumo pensar: “Console, Florisbela,
podia ser pior”. A essa maneira de pensar eu chamo de Filosofia de Vida. A FV
tem me valido em muitas situações, fazendo com que eu chegasse até aqui sem muitos
arranhões ou machucados. Ela é assim como as ferramentas de uma oficina ou as
muitas coisas que carrego na minha bolsa. Não sei por que os homens implicam
tanto com as bolsas femininas. Com suas calças, camisas e paletós, podem eles
dispor de, no mínimo, sete bolsos. Alguns ainda acham pouco: chegam a fazer uso
das cuecas para transportar outros bens, além dos genitais. Mas nós, mulheres,
só dispomos de um só bolso, que é a nossa bolsa. Na minha, eu carrego de tudo
um pouco. Tem até agulha e linha, para o caso do vestido rasgar ou a alça do
sutiã se soltar. Como diz o ditado, “seguro morreu de velho”. Agora, apesar de
todo cuidado, chego a experimentar situações constrangedoras. Minha amiga
Adalgisa havia me convidado para passar o final de semana na sua fazenda. Seria
ótimo, se eu não andasse com uma desconfiança danada dela. Da última e única
vez em que lá estive, quando saía do banho enrolada numa toalha, ela veio com
essa conversa assanhada: “Tira logo esta toalha pra eu te dar uns amassos”.
Então, eu falei: “Cruz credo, sai pra lá, sapatão! O que eu gosto mesmo é de homem,
homem com agá e, de preferência, maiúsculo”. Agora, ela está me convidando
novamente. Parece até que se esqueceu do esfrega que lhe dei. O meu problema é que, apesar das centenas de
anos de terapia, ainda não aprendi a ser totalmente assertiva. Quando, tal como
a ingênua Chapeuzinho Vermelho, estava indo pra cair nas garras do lobo, fui
salva no último minuto por um pedido de outra amiga, a Tatá. Foi o que falei
pra Adalgisa: “Sinto não poder ir pra fazenda com você. É que Tatá tá me
pedindo pra ficar com seu cãozinho de estimação. Ela vai passar o final de
semana na sua terra natal”. Ouvindo a justificativa, Adalgisa comentou, olhando
nos meus olhos com olhar pidão: “Que pena! Fica para a próxima”. Desse modo, eu
me salvei de um constrangimento, embora tenha saído da brasa pra cair no espeto:
o cãozinho de Tatá, um pequinês que atende pelo nome de Totó, é um capeta. Fica
focinhando tudo, fazendo xixi em todos os cômodos do apartamento, marcando
território, e eu correndo atrás, com balde e esfregão, para enxugar aquela
torneira ambulante. À noite, quando o coloco lá na área de serviço, ele fica
chorando feito cachorrinho querendo mamar, enquanto arranha a porta. Em situações
como essa é que me valho da FV: podia ser pior. Vai que não aparecesse a Tatá
com o Totó, e eu aceitasse o convite de Adalgisa. Vai que ela estivesse numa
situação de “matar cachorro a grito”, que ela viesse pra cima de mim feito uma
cadela zangada, e eu, desatualizada que ando com essa tal de assertividade...
Etelvaldo Vieira de Melo
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