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Estou triste estou triste
/ Estou desinfeliz / Ó maninha ó maninha – Manuel Bandeira.
Eu sou brasileiro, com amor – apesar
de tudo; eu sou brasileiro, com vergonha - sobretudo.
Tenho vergonha de nossa deformação cultural,
herança histórica que nos tornou seres menores, medíocres.
Tenho vergonha por enxergar, também agora,
como nossas riquezas foram sempre usurpadas, confiscadas por ladrões e
aventureiros, por detentores do poder, que nunca se preocuparam em reverter
tanto bem em favor do povo do país.
Tenho vergonha de ver esse país,
“bonito por natureza”, com sua fauna, sua flora e seus recursos naturais, ser
explorado em favor da ganância e da irresponsabilidade ambiental (a Bacia do Rio
Doce, um exemplo, está ferida e sangrando).
Tenho vergonha de ter estudado uma
história de “faz de conta”, de mentiras deslavadas, e que impregnou minha mente
(e a de muitos) de uma consciência ingênua, crédula, de boa fé, facilmente
manipulável, facilmente usada como massa de manobra.
Tenho vergonha dessa história contada
de maneira ridícula, com os fatos sendo distorcidos a troco de interesses
menores.
Tenho vergonha desse país ter forjado
uma elite financeira selvagem, desmedidamente gananciosa, sem escrúpulos para
explorar e pisar sobre a cabeça dos menos favorecidos. Se você acha que estou
exagerando, veja como a disparidade social no país é das maiores no mundo.
Tenho vergonha dessa elite rancorosa,
que não compactua com o jogo democrático, com todas as classes tendo vez e voz.
Através de seus porta-vozes, enche a boca para falar em meritocracia, mas o que
ela pretende é instaurar uma oligarquia, uma aristocracia, uma plutocracia.
Tenho vergonha de ver a imprensa e os
meios de comunicação como filhos entranhados dessa elite. Dá vontade de chorar
de angústia e de medo, quando ficamos sabendo que os meios de comunicação em
todo o país são basicamente controlados por meia dúzia de famílias. E é essa
imprensa e essa TV que invadem lares, consultórios e locais públicos, fazendo
parte do dia a dia das pessoas, fazendo lavagem cerebral nas cabeças dos
ingênuos.
Tenho vergonha da classe política do
país, de nossos sistemas político e eleitoral. Tais sistemas permitem
legisladores se perpetuarem no poder, como castas e capitanias hereditárias (um
deputado federal dispõe de uma verba adicional de 2 milhões de reais –
41.666,66 mensais - só para, ao longo de seu mandato, “fazer política”, isto é,
visitar suas bases, seus currais eleitorais). A legislação faz com que os
partidos proliferem e sejam em número absurdo; o Fundo Partidário faz com que
muitos atuem como partidos de aluguel, vendendo-se a quem dá mais. A
promiscuidade no mundo político é vergonhosa, todo político deveria cobrir-se de vergonha só de pensar que é político
– parodiando uma antiga frase que detratava a mulher. A única coerência que
vejo em um político é a do interesse próprio, nunca aquela estampada nos
discursos carregados de demagogia.
Entre tantas vergonhas, tenho
vergonha de ver a máxima de que “o poder corrompe” ser tão veraz entre nós. A
ganância sufoca e mata idealismos e princípios, fazendo com que consciências se
deixem corromper e vender. Pessoas incompetentes se agarram no Poder, buscando
salvar suas vidas, enquanto o histérico mercado financeiro faz seu jogo de
interesses e o desemprego alastra, os assalariados sofrem.
Em meio a tudo, tenho vergonha de ver
a presidenta deposta ficar chorando qual bebê de quem foi roubada a mamadeira,
agindo feito cachorro do qual foi tirado o osso. Eu gostaria que ela, ao invés
de lamentar, desse uma lição de dignidade, reconhecendo suas falhas, seus
erros; gostaria que ela esclarecesse os meandros do golpe que a vitimou,
falasse das sujeiras que são varridas para debaixo do tapete, sem chegarem ao
conhecimento público.
Uma reforma política se faz
necessária e urgente nesse país que me envergonha, mas que eu amo. Uma reforma
séria, que privilegia a competência, a probidade, o cuidado com a coisa pública
e o bem comum. Não é possível uma reforma feita por esses políticos que estão
aí, pois irão legislar em causa própria, procurando manter seus privilégios
indecentes; não é possível uma reforma que deixe falar a voz do dinheiro, dos
conchavos, os financiamentos espúrios. Precisamos de partidos fortes e enxutos,
com identidade própria; precisamos de fidelidade partidária, de eleições de
baixo custo financeiro e representativas, de política como serviço, nunca como
profissão.
Em meio a tanta vergonha, quero
reafirmar o meu amor pelo país. Aqui é minha terra, aqui é meu lugar. Aqui está
a minha gente, aqui estão meus amigos. Aqui está o povo simples, trabalhador,
honesto, assalariado, povo cheio de desencanto, povo machucado e sofrido, mas
que carrega no coração uma esperança do tamanho do mundo. É esse povo a luz que
vislumbro em meio a tantas trevas, trevas de puro egoísmo. Ele, povo, que está
me ensinando uma lição de amor – apesar de tudo, uma lição de esperança – mesmo
contra toda desesperança.
Etelvaldo Vieira de Melo