É
de Rolando Boldrin o crédito do título acima. É ele quem diz em Vide, Vida Marvada: A baba do boi, ao
mascar o capim, sempre foi santa e purificada; quem refuga o mundo resmungando
passará berrando essa vida marvada. Ele diz todas essas coisas danadas de
bonitas, pra concluir num arremate: Cumpadi meu que inveieceu cantando diz que
ruminando dá pra ser feliz.
No dia da votação do encaminhamento do processo de impeachment da
presidenta do país pela Câmara dos Deputados, tive uma discussão com pessoa
próxima.
Numa
discussão ninguém acaba tendo razão. Isso porque os argumentos são deixados de
lado a troco de ofensas.
Como
meus reflexos andam um pouco enferrujados, acabei levando a pior: a palavra
final ficou por conta do oponente. Ele era a favor do impeachment.
-
Já que você é a favor dos pobres, vá morar numa favela – arrematou ele.
Eu
havia dito que a elite brasileira é rancorosa, não admite que pobres tenham
acesso ao ensino superior e possam, eventualmente, viajar de avião.
Bom,
não dei o troco na hora, por causa de minha lerdeza de boi que precisa ruminar;
faço-o agora, escorado numa série de razões e exemplos.
Na
verdade, não quero morar numa favela. Quero que os favelados tenham condições
de uma vida melhor. Todo ser humano merece a felicidade, merece viver com
dignidade, tendo acesso à educação, à saúde, a uma vida decente. Os bens
criados pela técnica devem ser disponibilizados para o maior número de pessoas.
Eu
penso que, quanto mais as pessoas viverem com dignidade e tendo alegrias, o
mundo irá se tornar cada vez melhor. E isso não é bom?
Um
dos componentes que tornam a vida difícil e perigosa hoje é a violência. Ela já
está batendo à porta das casas, fazendo com que as pessoas se tornem paranoicas.
Quando estive no Sul-Maravilha, uma das
vantagens que o guia apregoava era da segurança, com as pessoas podendo
circular a qualquer hora pelas ruas do balneário.
Muitos
fatores geram violência; entre eles, a desigualdade social. A falta da educação é outro. No entanto, fica
difícil a prática da educação quando as condições de vida são precárias. Eu
vejo isso nas escolas, na ação dos governos que parece não enxergarem que suas
iniciativas são paliativas, remendos tentando sustentar o arranjo social no
limite do suportável.
É
do tempo de Matusalém o ditado: em vez de dar o peixe, ensine a pescar. Tem
razão os que reclamam que trabalham para sustentar vagabundos. Também acho que
não faz sentido uns se sacrificarem para atender a outros, que não fazem por
merecer. Não defendo medidas assistencialistas, paternalistas. O trabalho é que
faz a grandeza da condição humana; trabalho digno, decente, justo. Como dizia
Gonzaguinha, o trabalho é a honra do homem; sem ele, o homem é sem honra.
Não
podemos nos esquecer de que existem os párias da sociedade, os que vivem nas
sarjetas, dormindo sob marquises, disputando com gatos, cachorros vira-latas e
ratos os restos de comida nos lixos. Como bem lembrou o poema “O Bicho”, de
Manuel Bandeira. Para esses, os governos e as obras assistenciais devem ter um
cuidado especial, já que não têm o mínimo de consciência de sua dignidade.
É
isso que eu penso, é isso que fico ruminando, é isso que desejo para meu país.
Todas as nações desenvolvidas conquistaram seu progresso à custa de investimentos
em saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura.
Uma
sociedade estabelecida sob desigualdades gritantes, com uns tendo demais e
outros tendo quase nada, não pode viver em paz e harmonia.
Infelizmente,
o capitalismo entre nós apresenta uma dimensão perversa: ele diz que é bom que
você tenha posses e possa consumir. Mas ele diz também que a felicidade só será
perfeita se o outro não tiver acesso a esses bens. Não foi isso que disse uma
professora, nas entrelinhas, ao ver um sujeito não tão bem vestido na sala de
embarque de um aeroporto?
Foi
isso que disse um amigo, comentando sobre alguém que prestava serviço para ele:
-
Veja você que o bostinha tem até carro e moto!
Eu
não culpo essa pessoa próxima, que mencionei no início do relato, e nem a esse
amigo. Eles são o retrato de nossa cultura, essa herança que arrastamos desde a
colonização. Só que ela nos torna seres menores, medíocres.
É
isso que penso, sem ter a pretensão de ser dono da verdade. Você pode me
acusar, dizendo que sou idealista, ingênuo. Mas penso que, no mínimo, falta bom
senso ás pessoas. No mais, gosto de ruminar, porque acredito como Aristóteles
que “a vida sem ruminação (reflexão) não merece ser vivida”. Depois, teve o
filósofo Rolando Boldrin pra dizer: ruminando dá pra ser feliz... mesmo que o
presente seja mais de choro e ranger de dentes.
Etelvaldo Vieira de Melo
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