DE AMOR E VERGONHA

Imagem: kakasp.wordpress.com

Estou triste estou triste / Estou desinfeliz / Ó maninha ó maninha – Manuel Bandeira.

Eu sou brasileiro, com amor – apesar de tudo; eu sou brasileiro, com vergonha - sobretudo.
Tenho vergonha de nossa deformação cultural, herança histórica que nos tornou seres menores, medíocres.
Tenho vergonha por enxergar, também agora, como nossas riquezas foram sempre usurpadas, confiscadas por ladrões e aventureiros, por detentores do poder, que nunca se preocuparam em reverter tanto bem em favor do povo do país.
Tenho vergonha de ver esse país, “bonito por natureza”, com sua fauna, sua flora e seus recursos naturais, ser explorado em favor da ganância e da irresponsabilidade ambiental (a Bacia do Rio Doce, um exemplo, está ferida e sangrando).
Tenho vergonha de ter estudado uma história de “faz de conta”, de mentiras deslavadas, e que impregnou minha mente (e a de muitos) de uma consciência ingênua, crédula, de boa fé, facilmente manipulável, facilmente usada como massa de manobra.
Tenho vergonha dessa história contada de maneira ridícula, com os fatos sendo distorcidos a troco de interesses menores.
Tenho vergonha desse país ter forjado uma elite financeira selvagem, desmedidamente gananciosa, sem escrúpulos para explorar e pisar sobre a cabeça dos menos favorecidos. Se você acha que estou exagerando, veja como a disparidade social no país é das maiores no mundo.
Tenho vergonha dessa elite rancorosa, que não compactua com o jogo democrático, com todas as classes tendo vez e voz. Através de seus porta-vozes, enche a boca para falar em meritocracia, mas o que ela pretende é instaurar uma oligarquia, uma aristocracia, uma plutocracia.
Tenho vergonha de ver a imprensa e os meios de comunicação como filhos entranhados dessa elite. Dá vontade de chorar de angústia e de medo, quando ficamos sabendo que os meios de comunicação em todo o país são basicamente controlados por meia dúzia de famílias. E é essa imprensa e essa TV que invadem lares, consultórios e locais públicos, fazendo parte do dia a dia das pessoas, fazendo lavagem cerebral nas cabeças dos ingênuos.
Tenho vergonha da classe política do país, de nossos sistemas político e eleitoral. Tais sistemas permitem legisladores se perpetuarem no poder, como castas e capitanias hereditárias (um deputado federal dispõe de uma verba adicional de 2 milhões de reais – 41.666,66 mensais - só para, ao longo de seu mandato, “fazer política”, isto é, visitar suas bases, seus currais eleitorais). A legislação faz com que os partidos proliferem e sejam em número absurdo; o Fundo Partidário faz com que muitos atuem como partidos de aluguel, vendendo-se a quem dá mais. A promiscuidade no mundo político é vergonhosa, todo político deveria cobrir-se de vergonha só de pensar que é político – parodiando uma antiga frase que detratava a mulher. A única coerência que vejo em um político é a do interesse próprio, nunca aquela estampada nos discursos carregados de demagogia.
Entre tantas vergonhas, tenho vergonha de ver a máxima de que “o poder corrompe” ser tão veraz entre nós. A ganância sufoca e mata idealismos e princípios, fazendo com que consciências se deixem corromper e vender. Pessoas incompetentes se agarram no Poder, buscando salvar suas vidas, enquanto o histérico mercado financeiro faz seu jogo de interesses e o desemprego alastra, os assalariados sofrem.
Em meio a tudo, tenho vergonha de ver a presidenta deposta ficar chorando qual bebê de quem foi roubada a mamadeira, agindo feito cachorro do qual foi tirado o osso. Eu gostaria que ela, ao invés de lamentar, desse uma lição de dignidade, reconhecendo suas falhas, seus erros; gostaria que ela esclarecesse os meandros do golpe que a vitimou, falasse das sujeiras que são varridas para debaixo do tapete, sem chegarem ao conhecimento público.
Uma reforma política se faz necessária e urgente nesse país que me envergonha, mas que eu amo. Uma reforma séria, que privilegia a competência, a probidade, o cuidado com a coisa pública e o bem comum. Não é possível uma reforma feita por esses políticos que estão aí, pois irão legislar em causa própria, procurando manter seus privilégios indecentes; não é possível uma reforma que deixe falar a voz do dinheiro, dos conchavos, os financiamentos espúrios. Precisamos de partidos fortes e enxutos, com identidade própria; precisamos de fidelidade partidária, de eleições de baixo custo financeiro e representativas, de política como serviço, nunca como profissão.
Em meio a tanta vergonha, quero reafirmar o meu amor pelo país. Aqui é minha terra, aqui é meu lugar. Aqui está a minha gente, aqui estão meus amigos. Aqui está o povo simples, trabalhador, honesto, assalariado, povo cheio de desencanto, povo machucado e sofrido, mas que carrega no coração uma esperança do tamanho do mundo. É esse povo a luz que vislumbro em meio a tantas trevas, trevas de puro egoísmo. Ele, povo, que está me ensinando uma lição de amor – apesar de tudo, uma lição de esperança – mesmo contra toda desesperança.
Etelvaldo Vieira de Melo
                 

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