UM MENINO, O MAR, UMA MENINA

Imagem: fatosdesconhecidos.com.br
          
           Já se tornou um clássico, daquelas citações edificantes que pululam nas redes sociais, a passagem do Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, onde o pequeno Diego, ao ver o mar pela primeira vez e tomado de emoção, segura a mão de seu pai Santiago e pede: - Pai, me ajuda a olhar!
            Por longos anos cultivei uma saudável inveja daquela criança e de sua intensa emoção.
            Somos tomados por emoções a todo instante, com exceção das pessoas tidas como fleumáticas, amorfas ou apáticas. Não sei se por defeito congênito, erro de fabricação, os reservatórios de lágrimas dessas pessoas parecem zerados ou em estado alarmante, como o de Cantareira em São Paulo, quando de seca prolongada.
            Ainda bem que posso ser classificado como um emotivo, já que a vida é formada de razão e emoção, com uma temperando a outra. Confesso que, no meu caso, a emoção tem uma dosagem maior do que a razão. É por isso que sou tido como uma “manteiga derretida”, um chorão. Não chego ao ponto daquele que “um beijo de novela faz chorar”, por duas razões: primeira, porque não assisto a novelas; segunda, beijo de novela, hoje em dia, dá mais que tiririca quando infesta um gramado (se tem outra analogia melhor, pode colocar aí). Quem chora com beijo de novela deve ser uma torneira estragada, que precisa trocar de bucha. Em TV e em cinema, sou mais daqueles beijos bem dados, que acontecem nos finalmentes e que despertam um sentimento parecido com o de Diego do Galeano.
            Estou fazendo este preâmbulo introdutório pra dizer que, finalmente, experimentei um sentimento que se aproximou, emparelhou e ultrapassou aquele do menino vendo o mar.
            A emoção que tomou conta de mim se deu recentemente quando, como é via de regra, estava dentro de um lotação e, estando o ônibus ainda no bairro, vi entrando pela porta de passageiro... uma garota.
            Ah, eu sou péssimo fisionomista, não sei reter a lembrança de uma imagem. Descrevê-la, então, torna o desastre completo. Neste ponto, sou igual aos índios inge-inge, cuja linguagem só consistia dessa expressão “inge-inge”.
            A garota, assim que entrou no ônibus, foi se sentar bem à minha frente. A visão que tive de seu rosto foi rápida; estando no banco de trás, o máximo que vislumbrava era um pouco de seu perfil.
            Ela estava usando um vestido de tecido tipo linho. Ele era comprido, indo até os tornozelos, seus pés eram pequenos e estavam acomodados num par de sandálias. Era uma adolescente, tendo entre quinze e dezesseis anos. Seu rosto era incrivelmente bem arredondado, sua pele era clara e seus cabelos, castanhos, estavam cortados bem curtos. Um par de brincos pretos perfurava suas orelhas. Assim que se assentou, ela colocou um fone de ouvidos, conectado a um aparelho celular.
            Assim transcorreu a viagem até o centro da cidade, ela ouvindo suas músicas e eu tentando ler alguma coisa num livro. Ela desceu um ponto antes do meu. Tive ímpetos de descer atrás. Juro que cheguei a pensar na ousadia de me aproximar e lhe dar os parabéns por ser uma menina tão linda.
            - Não me leve a mal – começaria eu a dizer...
            Antes de terminar este texto, andei trocando informações com uma amiga. Por exemplo, eu não sabia o nome desse brinco colado na orelha. Minha amiga disse que se chama “alargador” e as pessoas que o usam sentem necessidade de usar um cada vez maior. Ela quis saber o tipo de sandália que a menininha usava, daquelas sandálias da feira, o tipo de roupa. Depois de receber todas as informações, veio com o diagnóstico: “É o tipo de maconheira, que adora usar desse brinco. Vai ver que seu namoradinho é outro maconheiro”.
            As palavras de minha amiga me deixaram abalado. Não quis dar crédito, embora saiba que ela não diria aquilo a troco de nada. Tudo piorou quando veio com aquela recomendação fatal:
            - Se a vir de novo, por favor, não queira puxar conversa, dizendo que ela é bonita e coisa e tal. Ela vai se sentir intimidada, procurando chamar um policial, acusando você de pedofilia, de velho safado.
            Não tem jeito. Diego Galeano volta imbatível para o topo da parada de sucessos.

Etelvaldo Vieira de Melo

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