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Por longos anos cultivei uma
saudável inveja daquela criança e de sua intensa emoção.
Somos tomados por emoções a todo
instante, com exceção das pessoas tidas como fleumáticas, amorfas ou apáticas.
Não sei se por defeito congênito, erro de fabricação, os reservatórios de
lágrimas dessas pessoas parecem zerados ou em estado alarmante, como o de
Cantareira em São Paulo, quando de seca prolongada.
Ainda bem que posso ser classificado
como um emotivo, já que a vida é formada de razão e emoção, com uma temperando
a outra. Confesso que, no meu caso, a emoção tem uma dosagem maior do que a
razão. É por isso que sou tido como uma “manteiga derretida”, um chorão. Não
chego ao ponto daquele que “um beijo de novela faz chorar”, por duas razões:
primeira, porque não assisto a novelas; segunda, beijo de novela, hoje em dia,
dá mais que tiririca quando infesta um gramado (se tem outra analogia melhor,
pode colocar aí). Quem chora com beijo de novela deve ser uma torneira
estragada, que precisa trocar de bucha. Em TV e em cinema, sou mais daqueles
beijos bem dados, que acontecem nos finalmentes e que despertam um sentimento
parecido com o de Diego do Galeano.
Estou fazendo este preâmbulo
introdutório pra dizer que, finalmente, experimentei um sentimento que se
aproximou, emparelhou e ultrapassou aquele do menino vendo o mar.
A emoção que tomou conta de mim se
deu recentemente quando, como é via de regra, estava dentro de um lotação e,
estando o ônibus ainda no bairro, vi entrando pela porta de passageiro... uma
garota.
Ah, eu sou péssimo fisionomista, não
sei reter a lembrança de uma imagem. Descrevê-la, então, torna o desastre
completo. Neste ponto, sou igual aos índios inge-inge,
cuja linguagem só consistia dessa expressão “inge-inge”.
A garota, assim que entrou no
ônibus, foi se sentar bem à minha frente. A visão que tive de seu rosto foi
rápida; estando no banco de trás, o máximo que vislumbrava era um pouco de seu
perfil.
Ela estava usando um vestido de
tecido tipo linho. Ele era comprido, indo até os tornozelos, seus pés eram
pequenos e estavam acomodados num par de sandálias. Era uma adolescente, tendo
entre quinze e dezesseis anos. Seu rosto era incrivelmente bem arredondado, sua
pele era clara e seus cabelos, castanhos, estavam cortados bem curtos. Um par
de brincos pretos perfurava suas orelhas. Assim que se assentou, ela colocou um
fone de ouvidos, conectado a um aparelho celular.
Assim transcorreu a viagem até o
centro da cidade, ela ouvindo suas músicas e eu tentando ler alguma coisa num
livro. Ela desceu um ponto antes do meu. Tive ímpetos de descer atrás. Juro que
cheguei a pensar na ousadia de me aproximar e lhe dar os parabéns por ser uma
menina tão linda.
- Não me leve a mal – começaria eu a
dizer...
Antes de terminar este texto, andei
trocando informações com uma amiga. Por exemplo, eu não sabia o nome desse
brinco colado na orelha. Minha amiga disse que se chama “alargador” e as
pessoas que o usam sentem necessidade de usar um cada vez maior. Ela quis saber
o tipo de sandália que a menininha usava, daquelas sandálias da feira, o tipo
de roupa. Depois de receber todas as informações, veio com o diagnóstico: “É o
tipo de maconheira, que adora usar desse brinco. Vai ver que seu namoradinho é
outro maconheiro”.
As palavras de minha amiga me
deixaram abalado. Não quis dar crédito, embora saiba que ela não
diria aquilo a troco de nada. Tudo piorou quando veio com aquela recomendação
fatal:
- Se a vir de novo, por favor, não
queira puxar conversa, dizendo que ela é bonita e coisa e tal. Ela vai se
sentir intimidada, procurando chamar um policial, acusando você de pedofilia,
de velho safado.
Não tem jeito. Diego Galeano volta
imbatível para o topo da parada de sucessos.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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