PRA BURRO, FALTA PENA

Imagem: azcolorir.com


Talvez pelo nome, talvez pelo tempo de vida, sei lá, Elidério é o tipo do sujeito sério. Mas nem sempre foi assim.
Também aparenta ser um sujeito que sabe das coisas. Mas nem sempre é assim.
Assim, foi ele ontem certificar-se sobre um novo sistema de transporte da cidade, chamado de “MOVE”. É que ele tem uma consulta agendada pra hoje, em avenida servida por esse sistema de transporte.
Para aqueles que moram noutras cercanias, é preciso esclarecer: MOVE nada mais é do que um transporte por ônibus sanfonados, grandes, que usam pistas exclusivas. A prefeitura da cidade parece que desistiu definitivamente de proporcionar aos moradores o tão sonhado serviço de metrô.
O MOVE acaba sendo o que antiga propaganda de xampu dizia: aquele que parece, mas não é. A propaganda atual fala: Parece serviço de metrô, com os passageiros embarcando em plataformas situadas no mesmo nível dos ônibus. Pois, então: parece metrô, mas não é. Na falta de picolé, é preciso contentar com chup-chup.
Elidério foi se inteirar da forma correta de usar o tal de MOVE, o tipo da roupa que deveria estar vestindo, se social ou esportiva, se poderia estar calçando tênis, se teria direito de usar sua carteirinha de aposentado, se o acesso ao ônibus se daria pela plataforma da direita, se da esquerda.
Antes que alguém venha esbravejar contra tanto “se”, esclareço: Elidério carrega um trauma de adolescência, que nenhum metido a Freud conseguiu extirpar. E esse trauma tem a ver com ônibus.
Elidério morava no interior, em meio a cavalos, bois e burros. Ainda adolescente, veio morar nesta cidade grande, onde há poucos cavalos e bois; burros existem de várias espécies, inclusive aqueles usados nos bairros da periferia, para puxar carroças de entulhos.
A primeira vez em que Elidério pegou lotação, ele estava acompanhado de um colega, o sistema ainda era de catraca e a entrada se dava pela porta traseira.
O colega entrou, pagou a passagem e passou pela roleta. Distraído, Elidério vinha atrás e não notou como tudo aconteceu.
Entrando, ele se posicionou frente à catraca e pagou a passagem ao trocador (hoje, chamado “agente de bordo”). Este, assim que recebeu o dinheiro, falou:
            - Pode passar.
Elidério olhou para a catraca, olhou para o trocador e, com os olhos, perguntou:
            - Como?
O trocador não entendeu a pergunta. Falou:
            - Eu já disse que pode passar.
Elidério, com os olhos, perguntou angustiado:
            - Mas como?
Nessa altura, já havia um número grande de pessoas querendo passar pela roleta. O trocador esbravejou:
            - Passa!
Como último recurso, Elidério se agachou e passou por baixo da roleta.
As pessoas riram, debocharam do pobre coitado? Elidério não se lembra, que essas coisas ruins a gente deleta do disco rígido da memória. Ele só se lembra de ter passado por baixo da roleta de um ônibus.
Agora, com esse tal de MOVE, ele foi conferir, pra ver como é que é. Porque essa história de que ele, Elidério, é sério, sabe das coisas, não passa de uma casquinha, um parece que é mas não é. Em muitos casos, pra burro completo, só lhe falta pena ou estar puxando uma carroça.
Etelvaldo Vieira de Melo

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