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causa de sua crendice e boa fé, está se tornando cada vez mais difícil para
Ingenaldo sobreviver no mundo de hoje. Apesar de seu esforço físico, ele não dá
conta de driblar tantas decepções: ao final de cada dia está ele coberto de
arranhões e hematomas.
Fridolino
Xexeo, seu amigo, encontrando-o certo dia com o braço direito enfaixado e com o
olho esquerdo todo roxo e inchado, tentou aplicar-lhe uma vacina através de
palavras de alerta. Disse Fridolino:
Você conhece aquela piada do sujeito esperto? Tendo
encontrado uma moeda no piso de uma igreja, em frente a uma imagem de São
Benedito, fez esta proposta ao santo: “Seu santo, mais honesto que isto não é
possível. O senhor mesmo está vendo: acabo de achar uma moeda. Vou jogá-la para
o alto. Quando cair, se der ‘cara’, ela será minha; se der ‘coroa’, também. A
moeda fica para o senhor, se cair em pé.”
Assim ele fez, jogando-a para cima. Assim que caiu
no piso, ela foi rolando, rolando, até ficar em pé, junto à imagem do santo.
Quando viu aquilo, o sujeito falou, indignado: ”Roubar
não vale. O senhor segurou com o pé. A moeda é minha!”
Veja, meu caro amigo, como hoje vale a esperteza,
como as pessoas não têm mais escrúpulos em furar os olhos dos outros. Por esses
dias, foi um técnico lá em casa fazer um reparo no aquecedor solar. Tinha ele
uma conversa mansa e humilde, o que me deixou um pouco aliviado. Pensei: “taí
um cara que não vai me meter a mão com um preço absurdo”. Ele calculou que
gastaria dois dias de serviço, com a mão de obra custando seiscentos reais.
Apesar de meu salário não chegar aos pés de sua proposta, considerei que era
razoável, e que era o meu salário que não prestava. Acontece que o sujeitinho
de fala mansa gastou trinta minutos, quando muito, para terminar todo o serviço.
Como o almoço estava pronto, ele não se fez de rogado ao convite, comeu um
prato, de comida, que, se não atingiu o cume do Pico da Neblina, ultrapassou o
da Serra da Piedade. Piedade que ele não teve na hora do acerto de conta: foram
seiscentos reais, sem tirar nem pôr. Depois, ele explicou que havia levado sua
caminhonete para fazer uma retífica de motor. O conserto girou em torno de
oitocentos reais. Concluindo a conversa, que já me dava voltas no estômago, ele
disse: “A vida é assim: um toma lá, dá cá”.
Ingenaldo, você está entendendo minhas palavras, ou
estou falando para as paredes?
Ingenaldo
olhou por sobre as lentes dos óculos azuis, fazendo um gesto de “sim” com a
cabeça.
Quando
se despediram, foi ele para o ponto de lotação (Ingenaldo é parente do
Eleutério). Ali, uma menina de 9 a 10 anos de idade, que estava de uniforme
escolar e carregava nas costas uma mochila, lhe perguntou:
- Você não viu por acaso uma nota de
R$10,00 aí no chão?
Ingenaldo
achou estranho aquele tipo de pergunta. A menina insistiu em dar detalhes sobre
o sumiço da nota.
- Eu ia passar na farmácia comprar
um xampu para minha mãe. Quando fui ver, o dinheiro havia sumido.
Ingenaldo
ficou condoído com o sofrimento da menina, mas estava também impregnado das
palavras de Xexeo. Falou:
- Se eu tivesse dinheiro comigo (na
verdade, ele tinha, mas pouco), eu poderia ajudá-la. Fala pra sua mãe, explica
pra ela...
- Eu coloquei o dinheiro aqui no
bolso de trás – a menina mostrou o bolso, que apresentava um rasgão.
- Pois é, deve ser por aí que o
dinheiro sumiu.
- Minha mãe vai me colocar de
castigo – e uma lágrima rolou pelo rosto da garota.
Nesta
hora, Ingenaldo exorcizou de vez as palavras de Xexeo. Pensou: não vou deixar
de ser uma pessoa crédula, não posso abandonar meu sentimento de humanidade.
Assim
pensando, retirou uma nota de 10 e deu para a menina.
- Obrigada – falou ela.
Ingenaldo
ficou sabendo que havia plantado uma sementinha de bondade no coração de uma
criança. Quem sabe, pensou ele, essa semente não irá florescer e ajudar a
colorir o mundo?
Etelvaldo
Vieira de Melo
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