Num
posto de combustível, todos estamos sujeitos a sentir aquele cheiro enjoativo
de gasolina e a, ocasionalmente, sujar as mãos ou a roupa de graxa. É sempre
assim, mas determinado posto diz, através da propaganda, que lá não é bem
assim. Começou falando que seu atendimento era diferenciado; depois, passou a
dizer que lá você encontra de tudo e pode resolver qualquer problema.
- Ô, sô, ‘stou com uma unha
encravada que dói pra danar!
- Pois passa lá no Posto I*, que
irão te dar uma solução.
A publicidade
procura fixar a imagem do posto por esse viés humorístico.
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Imagem: carissimascatrevagens.blogspot.com.br |
Seria
bom se houvesse de fato tal lugar, onde tudo pudesse ser encontrado e fosse
resolvido, desde uma simples ou complexa troca de óleo, até a de oferecer a
coleção de figurinhas do antigo sabonete “Eucalol”.
Eu
mesmo gostaria de ter uma prestação de serviço assim. Uma das minhas primeiras
requisições seria a de entender o quadro político do país. Acho que os
políticos até já andam cansados de me tratar como um palhaço.
Agora
mesmo estou vendo que eles querem aprontar pra cima do povo, sob a alegação que
tudo é culpa do governo passado, que deixou o país em petição de miséria.
- Vai ser preciso um aumento brutal
de impostos, já que o déficit de caixa é imenso.
- As regras da Previdência vão ser
alteradas, e os trabalhadores terão que contribuir ainda mais; caso contrário,
a Previdência quebra de vez. Naturalmente, isso é culpa do governo passado.
- A Petrobrás terá que se desfazer
de seus ativos, e a exploração do pré-sal vai ser loteada entre empresas
estrangeiras. Isso vai acontecer por culpa do governo passado.
O
governo atual e sua base fazem isso com o maior descaramento, rindo da
inteligência do povo. Enquanto isso, procuram atender às reivindicações de
amigos e cúmplices.
À
parte das medidas amargas e impopulares (tais como as reformas trabalhista e
previdenciária, além das privatizações – que serão enfiadas goela abaixo da patuleia
depois das eleições de outubro), assistimos agora a um “Pacote de Bondades”,
concessões governamentais que contradizem as promessas de medidas austeras para
equilibrar as contas públicas.
É
com o estômago revirando que um funcionário público de baixo escalão, com o
salário atrasado e praticamente congelado por vários anos, vê o governo dar um
aumento de 37% para delegados da Polícia Federal, um reajuste que pode chegar a
41,47% para os servidores do Judiciário da União, além de renegociar as dívidas
dos estados.
Sinceramente,
para mim, tudo não passa de outras roupagens para uma velha conhecida chamada “dona Corrupção”. Tal pacote de bondades
representa uma forma de cooptar, subornar aqueles setores estratégicos e que tornam
possível a governabilidade.
O
cinismo da classe política do país é sem tamanho. Vejam vocês o que disse o
presidente da Câmara Federal: a votação do processo de cassação do ex-presidente
da casa está marcada para o dia 12 de setembro, às vésperas das eleições
municipais, quando o Congresso fica vazio, jogado às moscas e, o pior, numa segunda-feira,
dia em que nunca foi votado nada. Isto não é rir da inteligência das pessoas?
Se
esse ex-presidente tivesse sido julgado há mais tempo, certamente teria sido
cassado, e a história do país, sem dúvida, seria outra: ele estaria possivelmente
preso, quem sabe fazendo delações premiadas e mudando a cara do país. A
pergunta é: e a classe política quer isso?
Nessa
enxurrada de denúncias a que assistimos, tem um empresário que defende a tese
de certos homens públicos serem preservados, sob a alegação de que o país pode
desmanchar. Estou sendo ingênuo ao defender simplesmente a verdade e a justiça
verdadeira? Não está na hora de se acabar com o famoso JEITINHO BRASILEIRO,
essa mania de colocar panos quentes em coisas erradas?
Esses
mesmos políticos, cheios de escrúpulos para com um colega, se assanham com a possibilidade
de conceder um aumento de 16,38% para os juízes do STF; sabem eles que, agindo
assim, estará uma mão lavando a outro, pois serão eles mesmos beneficiários
desse aumento, por causa do chamado “efeito cascata”.
Quando
é de conveniência, mangueiras de um lava jato são apontadas em direção a um
ex-presidente da coisa pública, de forma a intimidá-lo e a seu partido, tratando-o
como massa de manobra e moeda de troca. Logo depois, os bem-te-vis de plantão
saem gritando, esganiçados: “Bem-que-te-vi! Bem-que-te-vi!”. É a senha para
aqueles insatisfeitos com o governo passado gritarem e saírem às ruas em protesto.
Como terceiro desdobramento, o Congresso Nacional vai e vota o que está
previamente acertado. Tem sido assim nos últimos tempos, essa orquestração com
sua regência (o Lava Jato), suas partituras (espalhadas pelos bem-te-vis de
plantão), o coral (as manifestações) e os instrumentos (deputados e senadores).
A música não faz sucesso nacional porque é do gosto só de uma minoria, os
plutocratas.
Definitivamente,
não quis, ao longo do texto, navegar nas águas barrentas de estatísticas e cifras
(depois de R$10.000,00 meu cérebro entra em parafuso). O que quero é chamar a
atenção para as semelhanças entre o discurso do governo e o da publicidade do
posto de combustível. No entanto, é preciso fazer um reparo: enquanto um
recorre ao humor para vender seu produto, o outro dá mostras de pouco caso para
com o povo e para com as reais necessidades do país. Se para um, tudo pode ser
encontrado no Posto I*; para outro, o governo passado é o único culpado pelas
mazelas pretéritas, presentes e futuras, o legítimo e conveniente “boi de
piranha”.
- Puxa vida, este país tá uma
porcaria!
- Claro, e você sabe bem de quem é a
culpa.
PS:
Toda verdade possui diferentes facetas. Nesta em questão, creio estar expressando,
se não o seu todo, pelo menos uma parte bem significativa. Isso não me conforta
em nada. Seria mil vezes preferível se alguém chegasse e me dissesse como estou
redondamente enganado. Então, eu poderia olhar pra realidade com olhos menos
doloridos, sorrindo de alegria, podendo retornar aos temas bem-humorados que
têm pontilhado essa minha caminhada aqui ao longo de mais de três anos.
Etelvaldo
Vieira de Melo