Para Aloísio, Loló, pelo
aniversário.
Tenho um sobrinho de apelido
tão afetuoso que não merece reparo: Loló. Reparo mesmo quem tem que fazer sou
eu. Em conversa com sua esposa e filha, andei falando asneiras que precisam ser
consertadas com urgência.
O que andei falando de tão
medonho? Falei que os políticos, neste sistema que está aí, são todos
corruptos, que não tem jeito: entrou na política, fica sujo, mela tudo.
Foi então que a esposa falou:
- Quer dizer que o Loló está melado...
Não fiquei vermelho na hora
porque havia tomado um tanto de cerveja. Eu havia me esquecido completamente
que Loló ocupa um cargo político lá em sua cidade.
Pego assim no contrapé, somado
ao meu retardo mental, não apelei para a famosa frase de que “toda regra tem
exceção”, e o Loló era uma honrosa exceção para a regra da safadeza no mundo
político. O que me ocorreu no momento foi dizer que Loló continua com a cara
limpa, que seus olhos continuam puros, sem sombras de dúvidas e desconfianças.
Estávamos numa festa de
aniversário. Um cego cantava o tocava um teclado.
Para arrematar o remendo que
tentava fazer no estrago de minha língua trelosa, falei:
- Vejam vocês o entusiasmo com que Loló acompanha a
exibição do artista cego. Ele é o único aqui que manifestou de público
interesse pela apresentação musical. Alguém de tamanha sensibilidade não tem
como se tornar um corrupto.
De fato, pouco antes, Loló
havia me chamado para ver de perto a performance do artista cego.
- Veja, tio – dizia ele todo emocionado – como, entre
tantas teclas, o cego aperta aquela certa.
Eu ia escrever: entre tantos
botões, ele vai com o dedo no botão certo. Seria a maneira correta de dizer as
coisas, já que o teclado possuía um infindável número de botões. Entretanto,
faço esta observação em segundo plano, pois sei que ela dá margem a
interpretações maldosas.
Loló vive com emoção cada
momento de sua vida. É por isso que, apesar de novo, seu coração já sofreu
reparos. Lá em sua casa, vive colecionando singelas lembranças. Outro dia
estava me mostrando um pedaço do antigo piso da igreja matriz da cidade.
Outra de suas características,
herança dos parentes maternos, eu inclusive, é ser um chorão de marca maior. É
capaz, por exemplo, de chorar até pelo seu time favorito. Diante de derrotas,
jura, solene:
- Nunca mais eu torço para este time.
A promessa dura só até a
próxima partida.
Como sabe dar valor para tudo,
é uma pessoa fácil de agradar. Se quiser deixá-lo morrendo de alegria, dê-lhe
de presente um passarinho de madeira, tipo desses papagaios que ficam
dependurados em cipós. Pode ter certeza que ele vai guardar a lembrança com
carinho, mostrando-a para todas as visitas.
Loló é filho de minha irmã,
que eu chamei de Terebentina, em texto onde descrevo a odisseia da visita que
faz à outra irmã, Abrilina. Seu pai foi um honrado soldado, muito querido por
todos que o conheciam. Apesar de termos tido pouco contato, havia uma admiração
mútua entre nós. É por isso que ele registrou outro filho com o meu nome. Só
que teve cuidado de fazer a coisa certa, dispensando o “l” em que antigo
escrivão, por causa de doses etílicas exageradas, teimara em anotar no meu
registro.
A exemplo de seu primo Madurino Cruz, Loló pode me salvar
de uma crise de produção de textos. Já andei reclamando das mulheres que falam
ao telefone, enquanto faço minhas viagens ao centro da cidade em lotações
(justo quando minhas inspirações afloram). Falei da perspectiva de me mandar
pra minha terra natal e ir até um tal de Iguaçu com o Madurino. Pensei na ideia
de convidar o Edu, aquele ex-senador que havia perdido o Norte. Faço agora um
reparo. Estaremos, na pedreira: Madurino, conversando com a vaca Mimosa; Edu,
olhando pro céu em busca de seu Norte; eu estarei não mais pescando ideias do
riacho, mas em animada conversa com Loló. Irei voltar do passeio com o balaio
cheinho de tramas saborosas para milhares de crônicas. Que coisa mais danada de
boa, sô!
Etelvaldo Vieira de Melo
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