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Ingenaldo é de uma ingenuidade de todo tamanho. Não
sabe ele que, no mundo da “política”, acontecem coisas que a gente nem é capaz
de imaginar? Reconhece que até pode ser ingênuo, mas que não chega a ser
otário. Adianta que não é eleitor da presidente deposta, nem o que chamam de
“petralha”. Por isso, sente-se confortável para declarar seu desconforto e
indignação diante do atentado à democracia e do desrespeito para com milhões de
eleitores. Segundo ele, tudo perpetrado por uma elite rancorosa, aliada a uma
imprensa hipócrita e indecente (sem decência, sem ética), a uma “justiça” sem
vendas nos olhos e um Congresso sem estofo moral para julgar e condenar quem
quer que seja, usando como “massa de manobra" uma parcela insatisfeita da
população, ela que não soube digerir a derrota nas urnas. Diante do circo
armado com o processo de impeachment, considera que o povo é chamado a fazer
papel de palhaço. Conclui seu desabafo, dizendo que é até capaz de fazer duas
premonições, caso não surja um fato novo para reverter o “andar da carruagem”:
1ª) a água do Lava a Jato vai ser cortada; 2ª) o ex-presidente da Câmara
deposto, no máximo, vai receber uma punição “pra inglês ver” (nada dos “rigores
da lei” – que isso é coisa pra inimigo – com prisão e risco de delação, fazendo
com que todo mundo saia correndo de medo). Puxa, como está indignado o moço! Deixa o
Ingenaldo falar:
Como
existe um ditado popular que diz “há males que vêm para bem”, e como sou uma
pessoa que dá muito crédito à sabedoria popular, tento vislumbrar algum bem por
detrás da maldade que foi perpetrada no país, em 2016, com a destituição ilegal
e imoral de uma presidente eleita e referendada nas urnas.
Dizem
que a História é cíclica. Se for, deve estar reprisando aquilo que aconteceu 52
anos atrás, quando de outro golpe, mas que foi insuflado pelos mesmos grupos
sociais (os dois anos de atraso, na comemoração do cinquentenário do golpe
militar se deve a essa cultura do brasileiro de não obedecer aos horários – a data
correta seria 2014, seis meses antes das eleições).
Se
for para pedir coerência dos golpistas, eu acho que eles deveriam abolir de vez
esse sistema eleitoral, deixando de lado, desobrigando o povo, os assalariados,
de votar. Com isso, o processo de eleição se torna simples, livre do risco de
se ficar passando a borracha, para tirar do poder alguém indesejado dos
plutocratas.
Está
claro que teremos os insatisfeitos nessa jogada. Estou pensando na grande
imprensa e nas agências de publicidade, que se locupletam em períodos
eleitorais. Nada que uma boa propina e contratos futuros não deem um jeito.
Para
manter a consciência popular anestesiada, essa grande imprensa pode alardear,
através de seus jornais locais, regionais e nacionais, os acertos acertados e
arranjados pelos governantes, eleitos pelos votos da oligarquia plutocrata
(esta palavra entrou recentemente no meu vocabulário, mas acho que vai perdurar
por um bom bocado de tempo).
Vez
por outra, pesquisas de opinião poderão ser encomendadas a agências confiáveis,
mostrando que vivemos no melhor dos mundos possíveis.
Nada
vai ser fácil. O gérmen da consciência de seres humanos ainda não foi
totalmente extirpado. Por isso, cabe aos dirigentes e às elites intelectuais
fazer de tudo para que os conflitos sociais fiquem no limite do suportável.
Enquanto
membro da ralé social, sinto-me confortável em não ter que compactuar com esse
jogo de cartas marcadas. Só pediria um favor: que retirem de vez o povo dos
noticiários e das telenovelas globais. Já é demais viver como pária; mais
dolorido ainda é ser motivo de riso nas páginas policiais e nas telas de TV.
Assim,
poderemos viver em paz. De um lado, aqueles que acreditam que a felicidade está
no dinheiro e que o dinheiro pode tudo, como brincava Millôr Fernandes: “O dinheiro é tudo. Ele é a fonte de todo bem.
Faz dentes mais claros, olho mais azul, amplia a dignidade individual, aumenta
a popularidade, produz amor e paz espiritual e, quando tudo falha, paga o
psicanalista”; de outro, estaremos nós, achando que a felicidade está na
realização de pequenas coisas, na simplicidade e nas relações humanas fundadas
no respeito mútuo, na amizade e no amor.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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