Antes de qualquer coisa, devo dizer que
não fujo de minhas responsabilidades, assumo integralmente a autoria de meus atos,
não tenho medo de cair no ridículo, não me escondo por detrás de nomes falsos
ou pseudônimos, nem faço delação premiada (só faço gratuita).
Assim sendo, quero dizer que meu nome é
Nestor da Zefinha, conhecido como Nestor do Tamborim – isto mesmo: aquele que
“anda na corda bamba e que na escola de samba toca cuíca, toca surdo e
tamborim” – também autor e protagonista do relato a seguir.
Hoje tive que sair da cama mais cedo que
o normal – que é, em geral, tarde. Por isso, posso dizer que meus olhos se
abriram de vez quando já estava na cozinha e, automaticamente, por reflexo
condicionado, abria a parte de vidro da porta. Por isso, posso dizer com
certeza, sem medo de estar cometendo um erro, que foi o cão lá de casa o
primeiro ser vivo que vi.
Temos o costume lá em casa, e não sei se
tal costume é costume em outras casas, de conversar com nosso cão. Tive esta
rápida conversa com Teteo:
- Uuummm... – falei, tentando me
aproximar da linguagem canina. O resmungo quis dizer: - Olá, Teteo, bom dia!
Passou bem a noite?
- Uuummm... – respondeu Teteo,
esforçando-se ao máximo para uma comunicação mais próxima.
Geralmente, os cães fazem comunicação
visual. É o que acontece com Teteo, que dificilmente se comunica por latidos.
- Tudo bem, e você? – falou com os
olhos, enquanto abanava o rabo (sintoma de que estava feliz em me ver).
- Dormi bem, só acordando umas duas ou
três vezes, assustado com meu próprio ronco – falei, recorrendo da mesma forma
à comunicação visual.
- Você precisa cuidar disso. Se, até
aqui de minha casinha, sua ronqueira incomoda, imagina o que devem sentir sua
esposa e filha.
- Nem te conto, Teteo; tem vez que meus
braços e costas ficam roxos de hematomas, tantos os cutucões que levo à noite –
falei um tanto quanto magoado. – Teve dia em que até pensei em ir a um posto policial
registrar um BO.
- Pois cuida de resolver esse embrulho –
falou o cachorro, olhando para meus olhos com olhar intenso. – Procure um
otorrinolaringologista.
Surpreendi-me com a fluidez com que ele
pronunciou tal palavrão.
- É o que vou fazer esta semana. Já fiz
a audiometria, a videoendoscopia nasossinusal e a videofaringolaringoscopia.
Enquanto tentava desenrolar minha língua,
Teteo perguntou:
- Tem os resultados parciais?
- A audiometria acusou uma leve perda
auditiva, coisa que eu já sabia por exames anteriores. Teve um otorrino que, ao
se informar de minha idade, comentou: “Por
seus quilômetros rodados, você quer o quê? Conforme-se: está bom demais do
jeito que está”. Conformar até que me conformo; o problema é as pessoas no
meu entorno aceitarem isso. Estou pensando seriamente em andar com uma placa com
os dizeres: “Por favor, tenha paciência
comigo. Sou portador de uma leve perda auditiva”.
- Eu é que estou numa boa – falou Teteo,
com os olhos dando risadas. – Além de escutar muito bem, converso com as
pessoas usando de comunicação visual. Além disso, por causa desse “olhos nos
olhos”, liberamos oxitocina, o chamado hormônio do amor. É por isso que cães e
humanos se amam cada vez mais. Por que você não faz o mesmo?
- Taí, gostei de sua sugestão. Meu temor
é de que as pessoas não entendam assim. Imagina o que pode acontecer: “- O que foi, ficou lerdo de vez?”; “- Por
que está me encarando? Não gosto de homem, não. Sai pra lá!”; “- O que você
está querendo com esse olhar pidão?”. Sei lá, definitivamente, não dá pra
seguir seu conselho. Os riscos de ser mal interpretado são muitos.
Minha conversa com Teteo foi
interrompida bruscamente. Isso acontece nas vezes em que não consigo manter os
olhos nos olhos e acabo desviando os meus, ou dou uma piscadela. Nesses
momentos de perda de sincronia, o olhar de Teteo fica perguntando: “O que você
está querendo? Fiz alguma coisa errada? Em que posso lhe ajudar?”.
Por essa e por outras, o cão é o
primeiro na lista dos melhores amigos do homem.
Agora, para você que duvida disso, que
julga ser eu uma pessoa exagerada, que tem parafusos a menos no cérebro por dar
tanto valor à espécie canina, faço uma simples pergunta: Quando você se dignou
ter uma conversa tão afetuosa assim comigo?
Etelvaldo Vieira de Melo
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