EXCESSO DE INFORMAÇÃO PRODUZ DEFORMAÇÃO


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Imagem: lamparinamarketing.com.br
Introdução
Quando queremos entender alguma coisa e buscamos ajuda, nos tempos de hoje, esbarramos com muitas dificuldades. O avanço científico e tecnológico nos proporciona acesso a milhares de informações. E é justamente aí que mora o perigo.
1º Ato
Uma amiga muito querida, ao se preparar para sua primeira viagem intercontinental, julgou que o melhor a fazer seria contar com a ajuda de entendidos, os chamados experts. Para tal mister (!), foi consultar o Dr. Google.
            1º Quesito: O Que Levar?
Não houve consenso entre os informantes, cada um recomendando determinado tipo de vestuário.
Conclusão: minha dileta amiga julgou por bem levar vestimentas para as quatro estações.
            2º Quesito: Como Levar?
Uma questão que se tornou muito problemática – em virtude do excesso de roupas. Nada que deixasse os entendidos impedidos de palpitar, fato que me deixava com palpitação, já que eu estava também envolvido na trama e no drama da aventura – eu e mais a “torcida do Atlético” (expressão regional para designar “muita gente”).
As sugestões, quase que intimações, iam desde a ordem de disposição dos itens na mala, passando pela ideia de se enrolar as roupas em tubinhos, terminando com a proposta de se colocar tudo em sacos plásticos, chamados de Easy Space. Ao ouvir esse nome chique, as resistências de minha insegura amiga se quebraram. E lá fui eu comprar os tais sacos.
Caso alguém se interesse por essa novidade, adianto uma explicação: Easy Space é um saco plástico onde a bagagem é comprimida, com o excesso de ar sendo retirado através de uma bomba de sucção. No entanto, resumindo essa novela mexicana ou global, quero dizer que nada deu certo, seja o saco, que logo rasgou, seja a disposição das peças em determinada ordem, seja a ideia dos tubinhos. Acabou que tive de oferecer meus préstimos de maleteiro, lembrando meus tempos de estudante de internato. De qualquer modo, as malas ficaram abarrotadas, fazendo jus ao nome de “malas”.
3º Quesito: Qual O Melhor Roteiro Turístico?
Chegando a este nível, a cabeça de minha desorientada e desditosa amiga, como se diz, “entrou em parafuso”. As sugestões eram tantas e tão desencontradas que ela se decidiu, recorrendo a uma brincadeira de criança, aquela da “mamãe me mandou marcar esta aqui”.
2º Ato
Tenho um amigo de nome Eleutério Matoso. Assim que se aposentou de seu trabalho regular, foi exercer as profissões de “piloto de fogão" (PF) e de Assessor Doméstico Para Assuntos Diversos (AD/AD), dois ofícios para os quais os maridos modernos, mais dias ou menos dias, acabam sendo empurrados, tudo por causa da festejada emancipação feminina. (Obs: A emancipação feminina atende a um princípio da Física, que diz: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. As mulheres ficaram com o espaço de “mandantes”, enquanto os maridos ficaram com o dos “obedientes”. Vem daí o ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo.)
Enquanto Piloto de Fogão, Eleutério se vê às voltas com orientações técnicas sobre quando o preparo de um alimento é saudável ou deixa de sê-lo. Tais orientações jorram aos borbotões pela Internet, sendo coletadas pela diligente esposa.
Como também aqui não existe um consenso sobre o que pode e o que não pode, o pobre coitado do Eleutério fica pulando de lá para cá, como se fosse milho de pipoca em frigideira quente. Uma hora, são gotinhas de água sanitária que têm o poder de desinfetar os alimentos; em outra, é o vinagre a água benta. Existem momentos em que a água sanitária serve para hortaliças, enquanto o vinagre é “tiro e queda” para frutas e legumes. Em outra pesquisa, é a conjunção dos dois, vinagre e água sanitária, mais o adjutório do bicarbonato, que vai dar conta das bactérias, dos vírus e dos agrotóxicos. Em síntese, preparar uma refeição frugal acabou se tornando motivo de pesadelo, tarefa mais difícil do que acabar com as cagadas e os xixis do cãozinho Thor em lugares errados, usando de famosa solução farmacêutica chamada “Aqui Pode, Ali Não Pode”.
A pressão psicológica sobre Eleutério é tamanha que ele já começou a desenvolver a síndrome do pânico e ter palpitações, quando se aproxima do fogão; também já não consegue dormir direito, tendo pesadelos, com os diferentes tipos de óleos vegetais em guerra com as gorduras de coco, de porco e a manteiga de garrafa.
Até pouco tempo, Eleutério tinha as frutas na conta de alimentos do bem; atualmente, sua opinião está mudando, pois ficou sabendo que, quando batidas em liquidificador, elas se transformam em frutose, ou seja, açúcar – um dos maiores vilões da saúde. Para aumentar sua neurose, precisa se policiar e policiar os alimentos para que não passem batidos os que possuem lactose e glúten.
Definitivamente, o pobre coitado do Eleutério já não sabe como dar um temperozinho diferenciado nos preparos, já que não pode contar mais com os pozinhos, todos empesteados com um tal de glutamato monossódico, outro terror para uma vida saudável.
Como os neurônios do depauperado coitado já se encontram naturalmente gastos, ele pretende se matricular num cursinho para entender as características e as diferenças entre gorduras insaturadas, monoinsaturadas, poli-insaturadas, hidrogenadas e trans.
Conclusão
Como estou tentando mostrar, o preparo de alimentos saudáveis requer muita informação, e o disco rígido de Eleutério já não dispõe de memória RAM suficiente para armazenar tantos dados. Como desconfio que os vilões da saúde acabem sendo os chamados “radicais livres”, até estou me dispondo a ir até a República de Curitiba, procurar uma tal de Força Tarefa chamada de Lava Jato, aproveitando que ela ainda está de pé. Ali vou tentar convencer os delegados, promotores e juízes a deixarem esses radicais presos, sem ter direito ao uso das famigeradas delações premiadas.
Só mesmo assim pro pobre do Eleutério ter um pouco de sossego.
Etelvaldo Vieira de Melo

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